O HTLV‐I (Human T Lymphotropic Virus type‐I), retrovírus humano descoberto na década de 1980,1 infecta preferencialmente os linfócitos T CD4. A prevalência mundial é incerta, estimada entre 5‐10 milhões de infectados,2 principalmente no Japão, Irã, América Latina e África.3,4
A dermatite infecciosa associada ao HTLV‐I (DIH) foi descrita na Jamaica em 1966, e associada ao HTLV‐I em 1990. É uma forma rara de dermatite exsudativa resistente aos tratamentos.1,3–5
Relatamos o caso de uma menina de 7 anos atendida no Sul do Brasil, nascida por parto vaginal, apresentando eczema recorrente grave desde os 18 meses, quando cessou a amamentação.
Ao exame, apresentava lesões eczematosas maceradas, exsudativas e fétidas no couro cabeludo e regiões retroauriculares, cervical, antecubitais e interglútea; alopecia temporal; crostas nas regiões umbilical, perioral e nasal (figs. 1 e 2). Exames laboratoriais normais, exceto sorologia para HTLV‐I/II que foi reagente, confirmando o diagnóstico de DIH conforme critérios descritos na tabela 1.5 Demais sorologias virais negativas. O exame neurológico foi normal. A mãe também apresentou sorologia positiva para HTLV‐I/II. Iniciado sulfametoxazol + trimetoprima via oral, com melhora clínica acentuada.
(A‐D), Lesões eczematosas e exsudativas no couro cabeludo, com áreas de alopecia, e escoriações no conduto auditivo externo. Detalhe ampliado do conduto auditivo externo acometido (A). Áreas eritematoedematosas infrapalpebral e lesões eczematosas perilabial (C). Lesões eczematosas na região cervical e retroauriculares; alopecia occipital (D).
Critérios maiores para os diagnósticos de dermatite infecciosa associada com HTLV‐I
1. Presença de lesões eritêmato‐escamosas, exsudativas e crostosas em couro cabeludo, áreas retroauriculares, regiões cervicais e inguinais, axilas, pele perioral e paranasal, orelhas, tórax, abdômen e outros locais |
2. Crostas nas narinas |
3. Dermatite crônica recidivante com resposta imediata à terapia apropriada, mas recorrência logo após suspensão de antibióticos |
4. Diagnóstico de infecção pelo HTLV‐I por testes sorológicos ou de biologia molecular |
A DIH costuma iniciar na infância, e é considerada marcador clínico precoce de infecção pelo HTLV‐I.3,4 A principal via de transmissão é a amamentação.3,5 Sua patogênese envolve suscetibilidade individual, desregulação imunológica, superinfecção bacteriana, estimulação antigênica ambiental e inflamação persistente.4 O estado pró‐inflamatório pode estar relacionado com a proliferação de linfócitos T e os altos níveis de IL‐1, IL‐6, TNFα e IFNα; níveis elevados de IgE aumentam a suscetibilidade ao S. aureus e S. ß hemoliticus.4
HTLV‐I deve ser pesquisado nos quadros eczematosos graves, resistentes, recidivantes e com infecção secundária.4 Dermatite atópica (DA) e dermatite seborreica são os principais diagnósticos diferenciais.4 A histopatologia é inespecífica, e na imuno‐histoquímica predominam os linfócitos T CD8.4 Cerca de 10% dos infectados desenvolvem doenças como leucemia/linfoma de células T do adulto e mielopatia associada ao HTLV‐I/paraparesia espástica tropical do adulto.2–4 Os sintomas tendem à remissão na puberdade, mas perduram quando iniciados na idade adulta.1,4
A DIH não tem tratamento específico ou vacina; entretanto, costuma responder a antibióticos como sulfametoxazol + trimetoprim e cefalexina por longos períodos. Recidivas são comuns.3,4 Indivíduos infectados devem ser monitorados, pela possibilidade de complicações neurológicas e linfoproliferativas graves.
A interrupção da transmissão envolve triagem de doadores de sangue, uso de preservativos, aconselhamento familiar e evitar amamentação em mães infectadas e compartilhamento de agulhas.4
A DIH é relevante para o cotidiano de dermatologistas, infectologistas, hematologistas e neurologistas e, apesar da ausência nas listas de doenças negligenciadas, a percepção é que se aproxima muito dessa situação.4 Não é notificada compulsoriamente; sequer existem políticas para prevenção ou cuidados para os portadores do vírus.
Destacamos a importância deste caso por ter ocorrido fora das áreas endêmicas no Brasil ‐ regiões Norte e Nordeste ‐ e por ter sido manejado como DA recalcitrante por longo período.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMichele Caroline dos Santos Garcia: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Renata Heck: Revisão crítica do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.
Renan Rangel Bonamigo: Revisão crítica do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.
Cristiane Almeida Soares Cattani: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Garcia MCS, Heck R, Bonamigo RR, Cattani CAS. Infectious dermatitis associated with HTLV‐I: uncommon case in southern Brazil simulating refractory atopic dermatitis. An Bras Dermatol. 2022;97:538–41.
Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia Sanitária do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.