O xantogranuloma (XG) é uma histiocitose não Langerhans (HNL) normolipêmica observada habitualmente na criança e por isso geralmente designado como xantogranuloma juvenil (XGJ). O XG raramente é observado no adulto. Tanto em adultos quanto em crianças, o XG geralmente se apresenta como lesão solitária. A ocorrência de múltiplas lesões é rara no XGJ e excepcional no adulto. Relata‐se um caso de xantogranuloma múltiplo do adulto (XGMA) com acometimento da face e do tronco, sem envolvimento extracutâneo nem associação com doença hematológica.
Mulher de 38 anos, de antecedentes familiares e pessoais irrelevantes, observada em outubro de 2016 por múltiplas lesões papulares na face, com um ano e meio de evolução. Ao exame dermatológico observava‐se mais de uma centena de pápulas de coloração amarelada/acastanhada, de consistência firme, de 1‐3 mm de diâmetro na face, região cervical, tórax, axilas e abdome (fig. 1), destacando‐se dois elementos, de maiores dimensões, no canto externo do olho direito e no sulco nasogeniano homolateral. As lesões eram assintomáticas e o exame físico geral (inclusive oftalmológico, cardiopulmonar e neurológico) resultou sem alterações.
Foram consideradas as hipóteses diagnósticas de siringomas, sarcoidose, xantomas e histiocitose e efetuou‐se a excisão de dois elementos para estudo histopatológico, que revelou, nas duas lesões, um denso infiltrado celular na derme, constituído por grandes histiócitos, em sua maioria xantomizados, acompanhados por células gigantes multinucleadas, algumas das quais de Touton. Coexistiam células inflamatórias dispersas, predominantemente pequenos linfócitos e ocasionais eosinófilos e neutrófilos (figs. 2 e 3). O estudo imuno‐histoquímico demonstrou ausência da proteína S100 e imunorreatividade a CD1a e positividade difusa para CD68, reiterando o diagnóstico de XG.
Procedeu‐se à avaliação complementar com hemograma e bioquímica (inclusive β2 microglobulina e eletroforese das proteínas), raios‐X do esqueleto e tórax e ecografia abdominal e pélvica, que resultaram normais. O conjunto dos achados clínico‐laboratoriais permitiu a confirmação do diagnóstico de XGMA. Optou‐se pela ablação das lesões mais salientes por laser de CO2 ou eletrocirurgia, observando‐se boa resposta terapêutica. Durante o período de acompanhamento de quase dois anos, os elementos cutâneos não tratados persistiram, sem desenvolvimento de lesões extracutâneas ou alterações hematológicas.
O XG é a mais comum das HNL.1 O início na idade adulta é raro, ocorre geralmente na terceira e quarta décadas de vida, sem predomínio de gênero.2 Tal como no XGJ, a grande maioria (70%‐80%) dos casos de XGMA manifesta‐se como pápula ou nódulo solitário da face.3 A ocorrência de lesões múltiplas de XG no adulto é muito rara. O XGMA é definido pela presença de mais de cinco xantogranulomas em paciente com idade superior a 14 anos.2 De 1969 a 2004 foram reportados, sob esse critério, 118 casos.3 A etiopatogenia do XGMA é desconhecida.3
As lesões de XGJ e XGMA mostram achados histopatológicos e imuno‐histoquímicos idênticos.1 Em lesões evoluídas observa‐se, como em nosso caso, proliferação nodular dérmica circunscrita constituída por células xantomizadas, caracteristicamente acompanhadas por células de Touton.1,4 O caráter histiocítico das células lesionais é confirmado pela positividade ao CD68 e pela ausência de imunorreatividade à proteína S100 e CD1a, com variabilidade de expressão de fator XIIIa.4,5 Essas características microscópicas e imuno‐histoquímicas não são, contudo, patognomônicas de XG e, face aos achados clínicos em nossa paciente, deve excluir‐se a possibilidade de outras HNL a elementos múltiplos do adulto, nomeadamente doença de Erdheim‐Chester (DEC), assim como histiocitoma eruptivo generalizado (HEG) e, mais remotamente, xantoma disseminado (XD) e retículo‐histiocitose multicêntrica (RM).4,5
A ausência de alterações esqueléticas permitiu excluir o diagnóstico de DEC. Por outro lado, no HEG as lesões não apresentam células de Touton. Essas podem identificar‐se nas lesões de XD, mas em nossa paciente não se observavam lesões lineares com distribuição periflexural, que caracterizam XD. Na RM, as lesões são acrais, acompanhadas por artropatia e caracterizadas por grandes células multinucleadas com citoplasma em vidro fosco, aspectos ausentes neste caso.4,5
Clinicamente, o XGMA apresenta‐se como pápulo‐nódulos amarelo‐alaranjados ou acastanhados, afetando tronco, face e pescoço. Em apenas 6% dos casos, como no nosso, estão presentes mais de 10 elementos.
Em contraste com o XGJ, em que está descrito o envolvimento ocular e, mais raramente, de outros órgãos, o XGMA parece não cursar com infiltração histiocitária extracutânea. Assim, não é recomendada a avaliação sistêmica exaustiva em todos os pacientes. Todavia, tal como no XGJ, o XGMA pode ser um marcador cutâneo de doença hematológica maligna, que eventualmente deve ser investigada, sobretudo na presença de sintomas B e/ou de alterações do proteinograma eletroforético.3–5 Esses, bem como os exames de sangue total, resultaram ausentes em nossa paciente ao longo dos quase dois anos de acompanhamento.
Como a regressão espontânea das lesões no XGMA é menos provável do que no XGJ, excisão cirúrgica, eletrocirurgia, laser de CO2 e retinoides sistêmicos, particularmente a isotretinoína, têm sido recomendados como tratamentos sempre que as lesões são numerosas, causam desconforto ou são inestéticas. Em nossa paciente, uma mulher em idade fértil, optou‐se pela ablação por laser de CO2 e eletrocoagulação repetida das lesões de maiores dimensões, com bom resultado cosmético.
Em conclusão, o XGMA é um tipo raro de HNL do adulto, de significado insuficientemente conhecido, ocasionalmente associado à malignidade hematológica e que pode ser concomitante, preceder ou suceder o diagnóstico da histiocitose,3 impondo um acompanhamento a longo termo dos pacientes.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresRenata da Costa Almeida: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Óscar Tellechea: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Mariana Pinho Pereira: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Rosa Cristina Correia Mascarenhas: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
À minha orientadora de formação, Dra Ana Sofia Bento, pelo incentivo e ajuda na feitura deste artigo.