Este relato descreve uma paciente do sexo feminino, de 45 anos, encaminhada ao dermatologista com quadro de eritema, dor e secreção no hálux esquerdo. Essa afecção estava presente havia quatro meses e era resistente a antibióticos tópicos e orais. A paciente apresentava secreção ativa e perda completa da união da prega proximal da unha afetada; o diagnóstico original foi de paroníquia crônica (fig. 1). Foi solicitada ultrassonografia de alta resolução com Doppler do aparelho ungueal. Os achados estabeleceram o diagnóstico de retroníquia (figs. 2‐4) e decidiu‐se realizar intervenção cirúrgica.
(A) Ultrassonografia cutânea de alta resolução com Doppler realizada com transdutor de 22 Mhz mostrou espessamento do leito ungueal com aspecto hipoecoico; media 4,4mm e não apresentava sinais de hipervascularização ao exame Doppler, mas apresentava redução do espaço entre a origem da lâmina ungueal e a base da falange distal – a medida era de aproximadamente 3,5mm e apresentava halo inflamatório hipoecoico. (B) Anatomia normal da unha.
A retroníquia é um distúrbio do aparelho ungueal no qual há crescimento anormal da lâmina ungueal dentro da prega proximal, levando à formação de várias camadas de lâminas ungueais desalinhadas sob a prega.1,2
A retroníquia afeta adultos de meia‐idade, principalmente mulheres.3 É caracterizada por envolvimento unilateral e afeta quase exclusivamente o hálux.4 Traumas repetidos, gravidez, puerpério, uso de calçados apertados e alterações anatômicas, como dedos em garra ou unhas curvas, foram descritos como fatores associados.4
Após pequenos traumas persistentes, o processo inicia‐se com interrupção do crescimento da lâmina ungueal que leva ao seu desalinhamento e separação incompleta entre matriz e lâmina ungueal na parte proximal do leito, mas com aderência preservada nos aspectos laterais.5 A lâmina ungueal se move em direção retrógrada e fica encravada na prega ungueal proximal, causando inflamação e grande formação de tecido reacional.1 A nova lâmina ungueal empurra a antiga para cima, levando a um crescimento anormal e à inflamação, dando início assim a um círculo vicioso, no qual até quatro camadas de lâminas ungueais podem ficar sobrepostas sob a prega ungueal proximal. A retroníquia geralmente se manifesta como paroníquia crônica resistente à terapia antimicrobiana.6
O diagnóstico de retroníquia baseia‐se principalmente em aspectos clínicos e é confirmado por métodos de imagem. Existem diferentes modalidades de imagem para estudar o aparelho ungueal, incluindo radiografia simples, ultrassonografia e ressonância magnética (RM).7 A ultrassonografia provou ser útil; tem a vantagem de ser método não invasivo, acessível e auxiliar no planejamento cirúrgico.8 O tipo de ultrassom utilizado para o diagnóstico no caso apresentado foi o de alta resolução com Doppler, diferente da ultrassonografia clássica. Ele utiliza transdutores com frequências mais altas, de até 22MHz, que proporcionam observação completa e em tempo real do aparelho ungueal; inclui a análise com Doppler e requer profissional treinado. Na literatura, há evidências da utilização desse tipo de ultrassonografia para avaliação de doenças ungueais. A ultrassonografia de alta resolução demonstra ser ferramenta precisa e completa que pode avaliar diversas características do aparelho ungueal, proporcionando excelente correlação com a histopatologia em diferentes doenças ungueais.9
A RM também é uma opção; é excelente para avaliação de tumores, principalmente os vasculares. Entretanto, é extremamente cara e requer imobilização completa do membro afetado, dificultando seu uso na população pediátrica.7
Os critérios ultrassonográficos para retroníquia foram descritos:5
- 1.
Presença de halo hipoecoico circundando a origem da lâmina ungueal.
- 2.
Distância (≤5,1mm) entre a origem da lâmina ungueal e a base da falange distal (polegar e hálux) ou distância ≥0,5mm em comparação com o dedo saudável contralateral.
- 3.
Espessura da dobra ungueal proximal ≥2,2mm em homens ou ≥1,9mm em mulheres e/ou espessura ≥0,3mm em comparação com o dedo saudável contralateral.
Se for unilateral, deve preencher esses três critérios; se for bilateral, pode atender a qualquer um dos três critérios.
Outros achados na ultrassonografia da retroníquia são:1 duas ou mais lâminas ungueais sobrepostas; e aumento do fluxo sanguíneo na derme da prega proximal e no leito ungueal.
Possíveis causas de paroníquia crônica, como infecções, neoplasias, doenças sistêmicas e medicamentos, devem ser investigadas.1
O tratamento baseia‐se na avulsão cirúrgica, realizando abordagem proximal à lâmina ungueal antiga e às possíveis placas encravadas subjacentes.1 Esteroides tópicos de alta potência podem ser usados em conjunto com curativo para fixar a unha no leito.3
Para prevenir a retroníquia é importante recomendar ao paciente o uso de calçados confortáveis, evitar traumas repetitivos e, em caso de deformidades nos pés, sua correção.2
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresCristina Vélez Arroyave: Revisão crítica da literatura; elaboração e redação do manuscrito; concepção e planejamento do estudo.
Laura Carvajal Betancur: Revisão crítica da literatura; elaboração e redação do manuscrito; concepção e planejamento do estudo.
Ángela María Londoño García: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; concepção e planejamento do estudo.
Leonard Pacheco Peñaranda: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; concepção e planejamento do estudo.
Conflito de interessesNenhum.