As infecções fúngicas por dermatófitos podem apresentar‐se com manifestações clínicas incomuns, podendo causar dificuldade diagnóstica. Apresentamos o caso de paciente com infecção cutânea por Nanizzia gypsea, tratada inicialmente de maneira equivocada com corticosteroides tópicos, por diagnóstico errôneo. O paciente obteve cura após tratamento com antifúngico.
Descreve‐se um caso de paciente do sexo masculino, 43 anos de idade, residente em Jacarepaguá (Rio de Janeiro/RJ), que ao exame dermatológico apresentava, havia cerca de um mês, placa eritematosa discretamente pruriginosa, de aspecto numular, com pústulas periféricas e pelos tonsurados, localizada no antebraço direito. Notava‐se lesão adjacente semelhante e referia início após ter voltado de um sítio no interior do estado do Rio de Janeiro (fig. 1). Foi submetido a tratamento oral com cefalexina e tópico com corticoide, sem melhora. Como hipóteses diagnósticas foram sugeridos esporotricose e piodermite. O fragmento de pele obtido por biópsia cutânea e corado pela HE evidenciou folículo piloso dilatado contendo hifas hialinas em sua porção distal (fig. 2), estas também evidentes na impregnação pela prata, método de Grocott (fig. 3) e coloração pelo PAS. Havia também reação inflamatória na derme superficial com predomínio de mononucleares. A cultura para germes comuns foi negativa. Nannizzia gypsea foi isolada do fragmento de pele, em ágar Mycosel, confirmando o diagnóstico de tinea corporis. Submeteu‐se a tratamento com ciclopiroxolamina spray obtendo cura da lesão após 30 dias (fig. 4).
Aspecto clínico das lesões: placa eritematosa de aspecto numular, com pústulas periféricas e pelos tonsurados, localizada no antebraço direito, associada à lesão satélite com as mesmas características. Tinea corporis por Nannizia gypsea: atraso no diagnóstico por apresentação incomum.
A prevalência das dermatofitoses causadas por Nannizia gypsea varia de 0,72% a 0,5%.1,2 É possível que a baixa prevalência se deva à reação inflamatória exuberante por ser este um fungo geofílico, não adaptado ao parasitismo humano.3,4 Em geral, a clínica da tinea corporis é bastante característica, com reação inflamatória discreta ou moderada, por vezes vesiculosa ou vesico‐crostosa, na borda de lesão macular, eritematoescamosa.5 Neste caso, a apresentação clínica da lesão não era a típica da dermatofitose do corpo; ao contrário, era uma placa com pústulas. No Rio de Janeiro, devido à hiperendemicidade da esporotricose, esta foi, corretamente, a primeira hipótese. Atualmente, no estado do RJ, as lesões com aspecto infiltrado, sem descamação e que não respondem de início à antibioticoterapia sistêmica são sugestivas de esporotricose.
Os casos de dermatofitose com apresentação clínica atípica, como o relatado, podem ser erroneamente tratados com medicamentos ineficazes ou inadequados, se não houver exames complementares específicos. Corticoides e antibióticos são os mais comuns.6
O tratamento tópico com terbinafina, butenafina, ciclopiroxolamina ou azóis por duas a quatro semanas, na maioria das vezes, é simples, custo‐efetivo e suficiente para a cura.7,8 Deve‐se considerar o tratamento sistêmico com antifúngicos orais, como terbinafina e itraconazol, nos pacientes imunossuprimidos, nas lesões extensas e/ou recorrentes ou nos que não respondem ao uso de medicamentos tópicos.
Com o relato deste caso, pretendemos reforçar a ideia de que complementar o diagnóstico clínico com exames laboratoriais específicos que excluam ou confirmem os diagnósticos clínicos hipotéticos iniciais pode evitar tratamentos desnecessários e onerosos, que muitas vezes prolongam o sofrimento dos pacientes.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJuliana de Jesus Soares: Elaboração e redação do manuscrito.
Nathalie Andrade Sousa: Elaboração e redação do manuscrito.
Luna Azulay‐Abulafia: Revisão crítica do manuscrito.
Rosane Orofino Costa: Revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.