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Vol. 97. Núm. 4.
Páginas 548-549 (1 julho 2022)
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Nenhuma evidência de cardiotoxicidade da miltefosina
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Thomas P.C. Dorloa,b
a Departamento de Farmácia & Farmacologia, Antoni van Leeuwenhoek Hospital/Netherlands Cancer Institute, Amsterdã, Países Baixos
b Departamento de Farmácia, Uppsala University, Uppsala, Suécia
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Prezado Editor,

Em artigo recente, Barroso et al.1 relataram a comparação da cardiotoxicidade entre o antimoniato de N‐metil glucamina, mais conhecido como antimoniato de meglumina, e a miltefosina. Como os autores indicam, os compostos antimoniais são notórios por sua extensa toxicidade, particularmente cardiotoxicidade, levando ao prolongamento pronunciado do intervalo QT corrigido (QTc) e ao risco de desenvolvimento de ritmos cardíacos anormais que podem causar morte súbita.

O único resultado significativo que os autores relatam é a diminuição do risco relativo no QTc> 440ms para antimoniato de meglumina (n=38) em comparação com a miltefosina (n=15) no sétimo dia de tratamento. Observando longitudinalmente para o regime de tratamento com miltefosina, a proporção de pacientes com QTc> 440ms pareceu aumentar na primeira semana de tratamento, mas depois desapareceu completamente: 1/15, 5/15, 0/15, 0/15, para os dias 0, 7, 14 e 21, respectivamente, enquanto aumentou de maneira constante no grupo tratado com antimoniato de meglumina, culminando em 35,3% dos pacientes com QTc anormal. Em vez de observar o risco relativo em cada um dos momentos de tempo medidos, a avaliação das mudanças longitudinais dentro dos grupos de tratamento teria sido uma maneira mais relevante de analisar e interpretar esses dados.

Os autores sugerem que a cardiotoxicidade da miltefosina já foi descrita anteriormente, mas, que seja de meu conhecimento, esse não é o caso. O estudo de fase 3,2 ao qual os autores se referem, não relata anormalidades na eletrocardiografia, com um aumento de 14ms no QTc da linha basal durante o tratamento com miltefosina. Tal aumento clinicamente não relevante no QTc é observado com muitos medicamentos anti‐infecciosos, incluindo aqueles que não exibem cardiotoxicidade, provavelmente em virtude da recuperação da infecção e diminuição da febre, que pode por si só ter um efeito prolongador no QTc.3

Do ponto de vista farmacocinético, há pouca justificativa para um prolongamento do intervalo QTc apenas na primeira semana de tratamento. A miltefosina continua a se acumular durante o regime de tratamento de 28 dias, atingindo o estado de equilíbrio na última semana de tratamento.4 As concentrações máximas do medicamento na primeira semana são <50% das esperadas na quarta semana de tratamento. Além disso, nenhum mecanismo de cardiotoxicidade é conhecido a partir de pesquisas farmacológicas pré‐clínicas e clínicas sobre a miltefosina. Recentemente, concluiu‐se um estudo criterioso investigando o efeito da miltefosina no QTc em 42 pacientes bolivianos com leishmaniose mucocutânea. Embora os resultados ainda não tenham sido publicados, a bula atualizada da miltefosina da FDA menciona que não foram observadas evidências de prolongamento do intervalo QTc ou aumentos> 20ms da linha basal nesse estudo.

A conclusão deve ser de que não há evidências convincentes, nem justificativas farmacocinéticas‐farmacodinâmicas, de que a miltefosina cause cardiotoxicidade.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Thomas P.C. Dorlo: Elaboração e redação do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
D.H. Barroso, C.M. Gomes, A.M. Silva, R.N.R. Sampaio.
Comparison of cardiotoxicity between N‐methyl‐glucamine and miltefosine in the treatment of American cutaneous leishmaniasis.
An Bras Dermatol., 96 (2021), pp. 502-504
[2]
S. Sundar, T.K. Jha, C.P. Thakur, J. Engel, H. Sindermann, C. Fischer, et al.
Oral miltefosine for Indian visceral leishmaniasis.
N Engl J Med., 347 (2002), pp. 1739-1746
[3]
X.H.S. Chan, Y.N. Win, I.L. Haeusler, J.Y. Tan, S. Loganathan, S. Saralamba, et al.
Factors affecting the electrocardiographic QT interval in malaria: A systematic review and meta‐analysis of individual patient data.
PLoS Med., 17 (2020), pp. e1003040
[4]
T.P.C. Dorlo, M. Balasegaram, J.H. Beijnen, P.J. de Vries.
Miltefosine: a review of its pharmacology and therapeutic efficacy in the treatment of leishmaniasis.
J Antimicrob Chemother., 67 (2012), pp. 2576-2597

Como citar este artigo: Dorlo TPC. No evidence for cardiotoxicity of miltefosine. An Bras Dermatol. 2022;97:548–9.

Trabalho realizado no Departamento de Farmácia a Farmacologia, Antoni van Leeuwenhoek Hospital/Netherlands Cancer Institute, Amsterdã, Países Baixos.

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