Trata‐se de mulher, branca, 54 anos, previamente hígida, que procurou o serviço de dermatologia com lesão nódulo‐cística eritematosa, de 2 cm, sem óstio de drenagem, localizada na face dorsal do 4° quirodáctilo esquerdo; associada a dor, edema e calor (fig. 1). A lesão surgiu quatro dias após trauma local quando fazia a limpeza do banheiro da sua residência. Negava febre ou outro sintoma sistêmico associado. Não houve melhora com o uso de antibióticos e corticoides orais. Foram levantadas as hipóteses de feo‐hifomicose, esporotricose e micobacteriose atípica, sendo realizadas biópsia da lesão e coleta do conteúdo líquido para cultura. O exame anatomopatológico evidenciou processo inflamatório crônico organizado, que ocupava toda a espessura da amostra, com pesquisa negativa para BAAR e fungos (fig. 2). Na cultura do material houve crescimento de Mycobacterium fortuitum, no meio Middlebrook 7H12. As sorologias para HIV, hepatites B e C e sífilis foram todas negativas. Após confirmação do agente etiológico, foi instituído tratamento com claritromicina (1g ao dia) e levofloxacino (1g ao dia), com posterior troca dessa última medicação para sulfametoxazol‐trimetoprim (1200 mg/240 mg a cada 12 horas), por intolerância gastrointestinal, levando à regressão completa da lesão após seis meses (fig. 3).
Micobactérias atípicas, também conhecidas como não tuberculosas (mycobacteria other than tuberculosis – MOTT), são bacilos álcool‐ácido resistentes, de crescimento lento em cultura e de comportamento muito peculiar, podendo ser saprófitas ou encontradas em animais, água e locais úmidos. As micobacterioses atípicas correspondem a 10% das infecções por micobactérias e acometem preferencialmente imunossuprimidos.1 O grupo das micobactérias de crescimento rápido (rapidly growing mycobacteria – RGM), assim denominadas pelo seu tempo de crescimento em ambiente de cultura de uma semana, pode ser encontrado nos mais diversos sítios. As três espécies mais relevantes são: M. fortuitum, M. chelonae e M. abscessus. O M. fortuitum está mais relacionado a infecções hospitalares em pacientes imunossuprimidos e pode acarretar infecções pulmonares, de tecidos moles e osso. O acometimento cutâneo está mais relacionado a situações pós‐operatórias e procedimentos estéticos invasivos.2 O presente caso corresponde à infecção cutânea por M. fortuitum em paciente imunocompetente, adquirido em ambiente domiciliar, possivelmente devido ao trauma em local de bastante umidade, tendo como diagnóstico diferencial o granuloma das piscinas, causado pelo M. marinum, devido às circunstâncias em que foi adquirida a infecção. O diagnóstico das micobacterioses atípicas é feito por meio do isolamento do agente em cultura, uma vez que os exames radiológico, histopatológico, PCR e clínico são, muitas vezes, inconclusivos. A história de infecção prolongada, sem melhora com diferentes tratamentos, podem levar à suspeita clínica. O tratamento deve ser prolongado e com antibióticos de largo espectro. O grupo dos macrolídeos em associação com quinolonas é um dos esquemas mais preconizados e por vezes necessita de intervenção cirúrgica.3,4 O presente relato reforça a necessidade de se lembrar das micobacterioses atípicas como parte do rol dos diagnósticos diferenciais de lesões cutâneas traumáticas, em especial quando tendem à cronicidade.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresDimitri Luz Felipe da Silva: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Letícia dos Santos Valandro: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura.
Paulo Eduardo Neves Ferreira Velho: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Andréa Fernandes Eloy da Costa França: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Conflitos de interesseNenhum.