O hemangioendotelioma kaposiforme (HEK) e o angioma em tufos (AT) são tumores vasculares muito raros;1 entretanto, eles estão associados a importante morbidade e mortalidade.2 Sua apresentação clínica é muito heterogênea e, especialmente em relação ao HEK, as possíveis complicações associadas adicionam dificuldades a seu manejo.1,3
Lactente do sexo masculino, com 28 dias de vida, nascido após 33 semanas de gestação com diagnóstico de hidropisia fetal não imune, apresentou assimetria da face, pescoço e tórax direitos após resolução parcial do edema generalizado (fig. 1A). Ao exame físico, observou‐se tumoração eritematosa‐azulada‐purpúrica de aspecto vascular estendendo‐se da parótida direita e região cervical até o tórax ipsilateral. O diagnóstico de HEK complicado com fenômeno de Kasabach‐Merritt (KMP, Kasabach‐Merritt phenomenon) foi realizado por meio de resultados de exames laboratoriais e ressonância magnética (fig. 1B). Tratamento intravenoso com vincristina, aspirina, ticlopidina e prednisona levou à redução do tamanho do tumor e melhora do quadro clínico.3 A aspirina e a ticlopidina foram mantidas sem qualquer recidiva, alterações sintomáticas ou laboratoriais. Entretanto, vários meses após a interrupção em decorrência de vacinação, manchas e placas vermelho‐escuras e violáceas começaram a se desenvolver no mesmo local do HEK prévio (fig. 2).
Imagens clínicas de lesões de angioma em tufos (AT). (A) Máculas e placas violáceas na face lateral direita do pescoço aos 2 anos de idade; primeira apresentação de AT quando da descontinuação de aspirina e ticlopidina. (B) Regressão parcial após reintrodução de aspirina em monoterapia.
O estudo histopatológico dessas lesões mostrou proliferação vascular nodular, bem delimitada, com aspecto de “bala de canhão”, localizada na derme superior e média. Esses nódulos eram formados por pequenos vasos compactados revestidos por células endoteliais e pericitos; espaços vasculares estavam presentes e alguns deles eram periféricos, circundando os nódulos, com morfologia semilunar/ em crescente (fig. 3). Não havia mitoses, células atípicas ou alterações na epiderme. Foi realizado um painel imuno‐histoquímico e a conclusão diagnóstica foi AT. A aspirina foi então reintroduzida com controle clínico e regressão parcial (fig. 2). Novas exacerbações foram observadas no mesmo local após a descontinuação da aspirina, com controle completo após a reintrodução.
Características histopatológicas do angioma em tufos (AT). (A), Proliferação vascular na derme papilar e média; os nódulos eram compostos por vasos agrupados em tufos revestidos por células endoteliais. Essas células endoteliais eram positivas para Fator VIII, CD31 e CD34 (negativas para podoplanina). (B) Esses nódulos eram circundados na periferia por espaços vasculares semilunares (positivos para podoplanina).
HEK e AT são tumores vasculares com comportamento agressivo e intermediário, respectivamente.1–3 Em relação às complicações, o KMP é a mais grave. Ambas as entidades compartilham características clínicas, histopatológicas e moleculares (mutações no GNA14); portanto, foi sugerido que se trata de polos do mesmo espectro.2 O AT geralmente se apresenta durante a primeira infância ou no início da infância e não é agressivo.2,4 Máculas, pápulas e placas purpúricas, vermelho‐escuras ou acastanhadas são características, embora um componente nodular profundo ou extensão para o tronco e cotovelo possa ser observado.1,2 A presença de tufos dérmicos de vasos em um padrão em “bala de canhão” é patognomônica (fig. 3).4
Embora recomendada, a histopatologia pode não ser realizada em casos potencialmente fatais.4,5 Em relação ao tratamento, casos de AT não complicados, precoces e assintomáticos podem não se beneficiar do tratamento.1,5 Corticosteroides sistêmicos, vincristina intravenosa, inibidores de mTOR, α‐interferon e medicamentos antiplaquetários têm sido utilizados com sucesso no tratamento de HEK/AT.5 A terapia com VAT (vincristina, aspirina e ticlopidina), conforme apresentada, demonstrou sua eficácia em casos de HEK/AT associados a KMP.2 Sirolimus, um inibidor de mTOR, demonstrou ótimos resultados em casos complicados, não complicados e refratários de HEK/AT.1,2,5
Apresentamos um caso de HEK neonatal complicado com KMP, tratado com sucesso com terapia VAT com posterior desenvolvimento de AT. Recidivas do AT ocorreram com a suspensão da aspirina, com controle completo após sua reintrodução em monoterapia.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLula María Nieto‐Benito e Minia Campos‐Domínguez foram responsáveis pela concepção e planejamento do estudo, obtenção dos dados, elaboração e redação do manuscrito. Jorge Huerta‐Aragonés e Verónica Parra‐Blanco foram responsáveis pela concepção do estudo e revisão do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Nieto‐Benito LM, Huerta‐Aragonés J, Parra‐Blanco V, Campos‐Domínguez M. Kaposiform hemangioendothelioma and tufted angioma: two entities of the same clinicopathological spectrum. An Bras Dermatol. 2023;98:395–7.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Venereologia, Hospital General Universitario Gregorio Marañón, Universidad Complutense, Madri, Espanha.