Paciente do sexo feminino, 7 meses de idade, apresentou história de lesão congênita, violácea, de crescimento rápido, localizada na superfície plantar direita. Ao exame dermatológico, verificou‐se tumor de consistência firme, esférico, com vasos dilatados na superfície, ulceração central com tecido friável, sangrante e crostas hemáticas (fig. 1). A criança desenvolveu anemia grave (hemoglobina 4,4 g/dL), necessitando de hemotransfusão. A contagem de plaquetas estava normal. O exame histológico foi sugestivo de hemangioendotelioma kaposiforme. Tratamento com prednisolona oral (2 mg/kg/dia) foi iniciado, mas interrompido após um mês por falta de resposta (fig. 1).
Os exames de ressonância magnética (RM) e a angiografia por ressonância magnética (ARM) revelaram massa sólida bem vascularizada, com envolvimento dos músculos subjacentes e extensão para a face anterior do pé. Havia realce difuso do contraste em toda a lesão, sem sinais de shunts arteriovenosos ou vasos tortuosos agrupados (nidus), afastando, assim, o diagnóstico de tumor vascular – entre eles, o hemangioendotelioma kaposiforme (fig. 2). Uma segunda biópsia foi realizada revelando tumor hipercelular fusiforme. A imuno‐histoquímica foi positiva para vimentina e negativa para CD31, CD34, fator VIII, desmina, MyoD1, miogenina, CD99 e EMA, possibilitando o diagnóstico de fibrossarcoma infantil congênito (FIC).
A paciente foi submetida à quimioterapia neoadjuvante (vincristina, actinomicina‐D e ciclofosfamida) para redução do tamanho do tumor (fig. 1), seguida de amputação do pé. Não há sinais de recorrência ou metástase no seguimento após cinco anos.
O FIC é tumor maligno raro da infância; no entanto, é o sarcoma de partes moles mais comum em crianças menores de 1 ano.1 Esse tumor congênito altamente vascularizado é de difícil distinção clínica dos tumores ou malformações vasculares. Pode estar presente ao nascimento ou desenvolver‐se durante os primeiros cinco anos; cerca de 80% dos casos são diagnosticados durante o primeiro ano de vida.2
Fibrossarcomas são doenças malignas provenientes dos fibroblastos mesenquimais. A variante infantil compartilha características histopatológicas com o fibrossarcoma adulto, mas tem prognóstico melhor. Embora as recorrências locais sejam comuns, a taxa de metástase do FIC é inferior a 10% e o índice de sobrevida em 10 anos é de até 90%.3 As extremidades são mais comumente acometidas, e as lesões localizadas no tronco, cabeça e pescoço são menos frequentes, porém mais agressivas.1,4 Em razão do risco de recorrência local, a ressecção cirúrgica ampla é recomendada. A cirurgia sozinha apresenta taxas de recorrência de 17%‐40%. A quimioterapia neoadjuvante reduz o risco de recorrência local e de metástases.2,3,5
Os achados histopatológicos do FIC incluem a proliferação de células fusiformes densas e áreas vascularizadas. A imuno‐histoquímica é positiva para vimentina e, em alguns casos, para desmina, actina de músculo liso e citoqueratina.4 O FIC é caracterizado em até 85% dos casos por translocação cromossômica específica t (12; 15) (p13:q25) que codifica uma fusão do gene ETV6‐NTRK3.1,3–5
O diagnóstico de FIC deve ser sempre considerado ao se deparar com um tumor congênito, esférico, com sangramento nas extremidades de crianças, a fim de se evitar atrasos no tratamento.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLuciana Baptista Pereira: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
João Renato Vianna Gontijo: Revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Marcelo de Mattos Garcia: Revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Karine Corrêa Fonseca: Revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum