A esporotricose é uma micose subcutânea causada por fungos dimórficos do gênero Sporothrix. Relatamos um caso de esporotricose cutânea fixa com falha terapêutica após 18 meses do uso de itraconazol e terbinafina associados à criocirurgia. A paciente foi curada após a introdução de solução saturada de iodeto de potássio. Sporothrix brasiliensis foi a espécie identificada, apresentando perfil de suscetibilidade ao itraconazol e à terbinafina. Esse fato sugere que o insucesso terapêutico está provavelmente relacionado à interação fungo hospedeiro e não à resistência medicamentosa. É possível que a ação imunomoduladora da solução saturada de iodeto de potássio tenha desempenhado um papel importante na cura desta paciente.
A esporotricose é uma micose subcutânea causada por fungos dimórficos do gênero Sporothrix. Geralmente ocorre por inoculação traumática do fungo na pele ou mucosas. O aumento de casos no estado do Rio de Janeiro está relacionado à epidemia zoonótica felina que teve início em 1998, na qual a principal espécie envolvida foi Sporothrix brasiliensis.1
A primeira escolha para o tratamento da esporotricose linfocutânea é o itraconazol na dose de 100mg/dia. Embora robusta experiência ateste segurança e eficácia do itraconazol no tratamento dessa doença, sua metabolização depende da CYP3A4, podendo acarretar múltiplas interações medicamentosas.2 A terbinafina se mostra alternativa segura e eficaz quando o itraconazol é contraindicado.3
A solução saturada de iodeto de potássio (SSKI) foi o primeiro medicamento utilizado para tratar esporotricose; tem ação imunológica e atua na desestruturação de granulomas, quimiotaxia de neutrófilos, fagocitose do Sporothrix e inibição do biofilme nas fases leveduriforme e filamentosa.4,5 É também alternativa em gatos refratários ao itraconazol.6 A criocirurgia foi utilizada com sucesso em 199 pacientes com resposta lenta ou refratária tratados com itraconazol/terbinafina.7
Relata‐se o caso de mulher hígida de 25 anos de idade com lesão no ombro esquerdo com 75 dias de evolução (fig. 1). A paciente relatava contato com gato doente. A cultura para fungos confirmou o diagnóstico de esporotricose (fig. 2). A forma clínica foi a cutânea fixa.
Sporothrix brasiliensis – à esquerda, macromorfologia da colônia na fase filamentosa em meio potato dextrose ágar (PDA), após 14 dias de incubação a 30°C. À direita, microscopia da fase filamentosa, corada por azul de algodão com lactofenol (aumento 400×). Os experimentos deste trabalho foram realizados no Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas INI – Fiocruz/RJ.
A paciente foi tratada com itraconazol 200mg/dia por 11 meses sem boa resposta; posteriormente, acrescentamos terbinafina 250mg/dia ao esquema por mais sete meses, com melhora parcial. Simultaneamente, a paciente recebeu 11 sessões de criocirurgia com intervalos mensais; entretanto, a lesão permanecia infiltrada, com crosta central (fig. 3).
Em virtude da falha terapêutica, optou‐se por associar a SSKI 1,42g/mL (iniciada com 0,6g/dia, com aumento progressivo a cada três dias até a dose de 2,1g/dia). Dois meses após o início da SSKI, a lesão encontrava‐se completamente cicatrizada (fig. 4).
O perfil de sensibilidade antifúngica do isolado clínico identificado molecularmente como S. brasiliensis, realizado por meio do método CLSI M38‐A2, apresentou as seguintes concentrações inibitórias mínimas (MIC): anfotericina B 2,0μg/mL; itraconazol 1,0μg/mL e terbinafina 0,125μg/mL. Os experimentos deste trabalho foram realizados no Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas INI – Fiocruz/RJ.
Casos de esporotricose refratários à terapêutica antifúngica convencional são raros. Geralmente, os pacientes com resposta lenta evoluem para cura após a realização de criocirurgia adjuvante.7
S. brasiliensis tem se mostrado mais suscetível aos antifúngicos do que S. schenckii.8 Embora rara, a resistência ao itraconazol/terbinafina já foi descrita.9 Apesar do perfil de sensibilidade favorável, nossa paciente apresentou falha terapêutica. É provável que esse insucesso esteja relacionado à interação fungo hospedeiro e não à resistência medicamentosa.
A SSKI não é mais a primeira escolha no tratamento da esporotricose por vários fatores: ausência de formulação comercial padronizada, desconhecimento dos mecanismos de ação, gosto metálico e, especialmente, pelo advento de medicamentos antifúngicos modernos e seguros. Recentemente, foram propostas alternativas terapêuticas com menores doses da SSKI com resultados bastante promissores.10
Destacamos a SSKI como alternativa terapêutica segura e efetiva no tratamento da esporotricose cutânea refratária ao itraconazol/terbinafina, enfatizando que a ação imunomoduladora da SSKI possa ter desempenhado um papel importante na cura desta paciente.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMarcelo Rosandiski Lyra: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Vanessa Sokoloski: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Priscila Marques de Macedo: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Anna Carolina Procópio de Azevedo: Análise estatística; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Lyra MR, Sokoloski V, de Macedo PM, Azevedo ACP. Sporotrichosis refractory to conventional treatment: therapeutic success with potassium iodide. An Bras Dermatol. 2021;96:231–3.
Trabalho realizado no Laboratório de Pesquisa Clínica e Vigilância em Leishmaniose, Instituto Nacional de Infectologia, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.