Esporotricose é micose subcutânea que afeta homens e animais, com evolução tipicamente subaguda ou crônica, causada pelo Sporothrix spp., fungo dimórfico. Embora a forma cutânea seja a apresentação mais frequente, o envolvimento ocular tem sido mais diagnosticado nas áreas endêmicas, afetando principalmente crianças e idosos. Aproximadamente 80% dos pacientes afetados apresentam a forma linfocutânea, enquanto apenas 2,3% apresentam lesões conjuntivais, sendo 0,7% com envolvimento ocular primário. Descrevemos dois casos de esporotricose com envolvimento ocular em crianças por inoculação através de felinos, com boa resposta ao tratamento antifúngico.
O primeiro caso é de um paciente do sexo masculino de 3 anos de idade que convivia com gato doente. O paciente apresentou lesão ocular na porção inferior da conjuntiva tarsal que progrediu com disseminação linfática, com formação de nódulo malar e linfonodomegalia submandibular ipsilateral (fig. 1). O segundo caso é de um paciente do sexo masculino de 12 anos de idade, também contaminado por contato com gato doente, com lesão na pele por arranhadura no lábio, e na mucosa ocular por provável contágio aéreo através do espirro do gato. Progrediu com nódulos formando trajeto na porção inferior da face e conjuntivite à esquerda (fig. 2). Em ambos os casos, foi isolado Sporothrix spp. na cultura de secreção ocular e os pacientes evoluíram com cura após tratamento com itraconazol (fig. 3).
O envolvimento ocular na esporotricose pode ocorrer por disseminação hematogênica, levando à lesão intraocular, ou por inoculação/traumatismo, comprometendo os anexos oculares. Lesões retrobulbares parecem ter maior relação com disseminação hematogênica, enquanto lesões anteriores estão mais associadas à inoculação fúngica.1
Ambos os casos relatados negaram traumatismo ocular; o segundo caso referiu categoricamente contágio pelo espirro em sua face. É sabido que gotículas dos felinos doentes, cujas secreções contêm grandes quantidades de fungos, alcançam as membranas dos humanos sem a necessidade de ferida local para a inoculação.2,3 Interessante ressaltar que ambos os pacientes são crianças, faixa etária que mantém contato íntimo com os animais domésticos, muitas vezes levando‐os para a proximidade do rosto, favorecendo a inoculação fúngica na face e na mucosa ocular.
O paciente do primeiro caso apresentou a síndrome oculoglandular de Parinaud. É uma condição clínica rara, caracterizada por conjuntivite unilateral granulomatosa acompanhada de linfadenopatia satélite pré‐auricular ou submandibular.4 No segundo caso, o paciente apresentava duas formas clínicas: a linfocutânea, causada pela arranhadura do gato, e a mucosa, pela inoculação de esporos por gotículas do mesmo gato no olho esquerdo.1,2
A abordagem da esporotricose ocular é semelhante à forma cutânea.1,3 O diagnóstico é realizado por meio da coleta de secreção conjuntival com swab estéril, seguida de cultura para investigação de fungos.1,2 Os fármacos indicados para tratamento da esporotricose são: itraconazol, iodeto de potássio, terbinafina e anfotericina B. O comprometimento ocular na esporotricose deve ser tratado com antifúngicos nas doses preconizadas para as formas cutâneas. A escolha do fármaco dependerá de contraindicações, disponibilidade do medicamento e condições clínicas do hospedeiro. O itraconazol tem sido a primeira escolha, na dose de 100‐200mg/dia até completa resolução das lesões (ou por mais duas a quatro semanas), em geral, em um total de três a seis meses.1 O tempo de tratamento é variado em literatura e será determinado pela resposta clínica do paciente.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLuciana Rodino Lemes: Elaboração e redação do manuscrito; revisão do manuscrito.
John Verrinder Veasey: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual na propedêutica e conduta terapêutica dos casos; revisão do manuscrito; aprovação do manuscrito.
Silvia Soutto Mayor: Participação intelectual na propedêutica e conduta terapêutica dos casos; revisão do manuscrito; aprovação do manuscrito
Carolina Contin Proença: Participação intelectual na propedêutica e conduta terapêutica dos casos; revisão do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.