O ectima gangrenoso (EG) é lesão cutânea rara, causada principalmente por Pseudomonas aeruginosa, seja por infecção primária ou disseminação hematogênica. A literatura também relata outros agentes patogênicos responsáveis, como Aeromonas hydrophila, Staphylococcus aureus e Aspergillus spp., entre outros.1,2 O EG geralmente se desenvolve em pacientes com sepse ou imunossuprimidos, em um contexto de neoplasias hematológicas ou terapia imunossupressora. Ele apresenta lesões eritematosas/violáceas ou hemorrágicas que evoluem para ulceração com necrose central e halo eritematoso, preferencialmente localizadas nos glúteos e pernas.1 Este relato apresenta o caso de uma menina previamente saudável com EG genital e subsequente desenvolvimento de neutropenia transitória grave.
Paciente do sexo feminino de 17 meses, previamente saudável, apresentava uma bolha hemorrágica no lado esquerdo da vulva. O quadro se iniciou sete dias antes, com eritema perilesional (fig. 1) que evoluiu progressivamente com ulceração e edema. Não foram observados febre ou outros sintomas sistêmicos. Ela foi tratada com cefpodoxima oral e clindamicina. Como não houve melhoria após 72 horas, a paciente foi hospitalizada e encaminhada para o departamento de dermatologia. No exame físico, a paciente estava em boas condições gerais, com hemodinâmica estável e sem febre. Apresentava úlcera cutânea nos grandes lábios, com diâmetro máximo de 1,7cm e bordas bem definidas. Observou‐se fibrina em sua base, muito edema e endurecimento perilesional, sensível ao toque (fig. 2). Foi feito um hemograma, que apresentou os seguintes resultados: 5.840 leucócitos/mm3, contagem absoluta de neutrófilos (CAN) de 876mm3 e proteína C reativa de 33mg/dL. Os testes de reação em cadeia da polimerase (PCR) da lesão para os vírus herpes simplex 1 e 2, citomegalovírus, varicela‐zoster e Epstein‐Barr foram negativos. As culturas de sangue, fungos e micobactérias foram todas negativas, mas a cultura da lesão foi positiva para Pseudomonas aeruginosa. Foi feito um estudo imunológico para subpopulações linfocíticas, imunoglobulinas IgA‐IgM‐IgG, teste de ruptura oxidativa de neutrófilos, anticorpos antineutrófilos, VDRL e HIV. Todos esses foram negativos, eliminaram assim a possibilidade de imunodeficiência associada. Após o tratamento com ceftazidima e amicacina por seis dias, a paciente apresentou uma evolução favorável; assim, decidiu‐se pela alta hospitalar e administração de ciprofloxacina por 14 dias. Isso resultou na resolução completa da lesão. Em um exame ambulatorial 72 horas após a alta, o hemograma indicou 4.800 leucócitos/mm3 e uma CAN de 96mm3, que melhorou espontaneamente após duas semanas e não apresentou recidiva após seis meses de seguimento.
O EG é uma doença rara em pacientes pediátricos saudáveis, sem sepse associada. Geralmente, revela uma imunodeficiência subclínica primária. Portanto, é essencial fazer um estudo imunológico completo em todos esses pacientes. Sua mortalidade é alta (mais de 90% em casos de sepse e 15% no caso de infecção local) e a neutropenia é o fator mais importante para o prognóstico.1,3,4 Na literatura, existem poucos relatos de EG em pacientes previamente saudáveis; encontramos apenas seis que apresentaram neutropenia grave (< 500mm3) após o início do quadro clínico, como no presente relato. No entanto, todos esses casos apresentaram um fator etiológico associado (infecções respiratórias, neutropenia infantil benigna e hipogamaglobulinemia).4,5 A literatura apresenta relatos de leucopenia induzida por fluoroquinolonas. Ela tende a ser leve a moderada e é relatada em menos de 0,2% dos casos, principalmente em adultos com comorbidades.5 No presente caso, a normalização do hemograma ocorreu no fim da segunda semana de tratamento com ciprofloxacina oral; portanto, essa causa não é muito provável. Além disso, foi sugerido que Pseudomonas aeruginosa pode causar uma neutropenia transitória mediada por uma toxina que pode inibir a migração de neutrófilos para as áreas afetadas e também reduzir o número de neutrófilos no sangue.4,5
Os autores decidiram relatar este caso devido à manifestação excepcional de neutropenia grave após EG em uma paciente imunocompetente.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresPablo Vargas‐Mora: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Santiago García: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ligia Aranibar: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Fernando Valenzuela: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
Como citar este artigo: Vargas‐Mora P, García S, Aranibar L, Valenzuela F. Ecthyma gangrenosum and severe transitory neutropenia in an immunocompetent girl. An Bras Dermatol. 2020;95:668–9.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, University of Chile, Santiago, Chile.