O pseudoxantoma elástico (PXE) é doença metabólica genética autossômica recessiva caracterizada por calcificação aberrante com fragmentação de fibras elásticas na derme, retina e túnica íntima das artérias.1 Os autores apresentam o caso de uma paciente com alterações oculares e sinais cutâneos discretos como forma inicial de PXE, confirmado por histologia da pele.
Paciente do sexo feminino, de 33 anos, tinha história de lúpus eritematoso sistêmico e foi encaminhada para exame de fundoscopia, que revelou estrias angioides associadas à diminuição do brilho foveolar e alterações pigmentares difusas denominadas “peau d’orange” ou “casca de laranja” (fig. 1). O exame físico revelou duas pápulas esbranquiçadas medindo 2mm na prega cervical lateral (fig. 2). A paciente era normotensa, com pulsos periféricos simétricos presentes. Os valores de cálcio, fósforo e perfil lipídico estavam normais. A histopatologia das lesões cervicais revelou fibras elásticas dérmicas espessadas e fragmentadas. A coloração de Von Kossa foi positiva para deposição de cálcio nas fibras elásticas (fig. 3), confirmando o diagnóstico de PXE.
Retinografia do olho direito. Notar a aparência de “peau d’orange” do fundo desde a porção temporal até a mácula (seta) e estrias angioides pouco visíveis irradiando‐se para fora do disco óptico, dando a aparência de “teia de aranha” (ponta de seta). A angiofluoresceinografia do olho esquerdo mostrou estrias angioides de contorno hiperfluorescente irradiando‐se do nervo óptico até a porção média periférica (seta).
A prevalência de PXE varia entre 1/25.000 e 1/100.000 indivíduos, com predominância no sexo feminino. É causada por mutação no gene ABCC6, localizado no cromossomo 16, que codifica a proteína de transporte transmembrana MRP6.2 A fisiopatologia envolve níveis reduzidos do fator de antimineralização pirofosfato inorgânico (PPi), homeostase do cálcio extracelular disfuncional e mineralização ectópica de tecidos ricos em fibras elásticas. Há heterogeneidade fenotípica considerável que poderia explicar o diagnóstico tardio do quadro clínico apresentado neste trabalho.3
Embora, em geral, os achados cutâneos representem o primeiro sinal clínico, eles geralmente são sutis e não são evidentes até a segunda ou terceira décadas.3 O primeiro sinal cutâneo são pápulas pequenas, discretas e amareladas na face lateral do pescoço, axilas, fossas antecubitais e poplíteas. Essas pápulas coalescem para formar placas de aparência ondulada e inelástica.2,3 Apesar da aparência inócua dessas lesões cutâneas, elas podem indicar envolvimento ocular e vascular significante. Subsequentemente, está associado à pele redundante nas dobras, geralmente nas axilas e virilhas.4 Em alguns pacientes com estrias angioides, a biópsia de pele axilar saudável ou tecido cicatricial pode revelar a histopatologia característica do PXE.4 A microscopia eletrônica da pele revela depósitos minerais volumosos que desorganizam e fragmentam as fibras elásticas na derme média.2
As primeiras alterações visíveis na fundoscopia são irregularidades pigmentares com aspecto de “peau d’orange”, que tipicamente precedem as estrias angioides em um a oito anos. As estrias angioides originam‐se no disco óptico e irradiam‐se para fora como linhas irregulares cinza‐acastanhadas, e a histopatologia mostra fragmentação da membrana de Bruch que se apresenta calcificada e espessada. Estas alterações predispõem à neovascularização secundária da coroide, com o consequente risco de hemorragia e cegueira nos estágios tardios da doença.5 Embora altamente específicas, estrias angioides também foram relatadas em pacientes com hemoglobinopatias, doença de Paget e síndrome de Ehler‐Danlos.2
As manifestações de envolvimento vascular incluem perda de pulsos periféricos, claudicação, hipertensão, infarto do miocárdio e acidente vascular encefálico isquêmico ou hemorrágico. Esses achados refletem a mineralização das camadas média e íntima de artérias de pequeno e médio calibre.2,3
Este caso é descrito em decorrência de sua apresentação clínica incomum e para destacar a importância das alterações cutâneas na confirmação diagnóstica desta entidade.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresCatalina Jahr: Aprovação da versão final do manuscrito; composição do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação na concepção do estudo; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Valentina Vera: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Roberto Bustos: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
José Contreras: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.