Paciente do sexo feminino, 71 anos, asiática, veio encaminhada ao Ambulatório de Dermatologia para tratamento de ceratoses seborreicas. Após dois anos, em uma de suas consultas, foi notada lesão na região tenar esquerda, assintomática, caracterizada na época como possível escoriação. No entanto, em razão da persistência e do aumento da lesão, foi iniciada a investigação. A paciente negava traumatismo local. A lesão permanecia assintomática, medindo 1,6 × 1,2cm, caracterizando‐se por área única, arredondada, com centro deprimido e levemente eritematosa, não descamativa, com bordas bem definidas e elevadas (fig. 1).
O exame dermatoscópico foi realizado com o aparelho Dermlite DL4® (3Gen, San Juan Capistrano, EUA) ao nível 0 (10×), sem gel de imersão. A região central da lesão apresentava pontos brancos e vermelhos e estrias esbranquiçadas com distribuição regular e simétrica sobre fundo rosa‐claro. Além disso, foi visualizada borda com descamação periférica semelhante à escada (figs. 2‐4). As hipóteses diagnósticas propostas foram doença de Bowen, poroceratose, granuloma anular e traumatismo autoinfligido.
Foi realizada biópsia cutânea, com descrição de área bem circunscrita em que há diminuição da camada córnea (fig. 5). Após avaliação da literatura e frente ao resultado do exame anatomopatológico, estabelecemos a hipótese de hipoceratose circunscrita palmar. No entanto, a paciente perdeu o seguimento até a submissão deste artigo.
Em 2002, Perez et al. publicaram uma série de dez casos na qual descreveram uma nova entidade, caracterizada por lesão solitária assintomática, circular, circunscrita, eritematosa e deprimida, palmar ou plantar – principalmente nas eminências tenar e hipotenar das palmas. Na época, os autores descreveram como malformação epidérmica, denominando‐a hipoceratose circunscrita palmar ou plantar (HCP), e demonstraram que esta é mais prevalente em pacientes mais idosos e em mulheres, acometendo preferencialmente as palmas.1
Desde então, cerca de 100 casos foram descritos; porém, a etiologia continua desconhecida. Em 2013, Rocha e Nico descreveram os primeiros casos brasileiros, corroborando os principais achados de Perez et al., apesar de um dos casos apresentar mais de uma lesão.2
A primeira descrição dermatoscópica da HCP na literatura foi realizada por Ishiko et al.,3 em 2007, relatando dois casos em mulheres asiáticas. Desde então, os relatos têm crescido em frequência, contendo descrições semelhantes à do caso aqui relatado: descamação “tipo degrau” na periferia da lesão, eritema bem demarcado, com pontos brancos esparsos, os quais correspondem ao acrossiríngeo, e pequenos pontos avermelhados, que poderiam corresponder a dilatações capilares.3–7 Vilas Boas da Silva et al. descreveram a presença de estrias esbranquiçadas em dois de seus três relatos.8
Inúmeras hipóteses etiológicas têm sido formuladas desde o primeiro relato por Perez et al. – que sugeriram possibilidade de malformação epidérmica clonal benigna,1 –como desordem proliferativa dinâmica, desordem primária de queratinização localizada nas camadas granular e córnea, trauma, infecção dos queratinócitos pelo HPV e infecção bacteriana, como na ceratólise plantar sulcada.3
Ishiko et al. e Kanitakis et al. não encontraram DNA ou marcadores imuno‐histoquímicos específicos para HPV.3,9 Entretanto, foi descrita maior presença de Ki‐67 nos queratinócitos basais da lesão do que na pele sã, bem como antipanqueratina AE1+AE3, exceto nas regiões do acrossiríngeo. Nos queratinócitos suprabasais da lesão, encontrou‐se maior expressão de citoqueratina 16, com redução de CK‐2e,3 CK‐9 e conexina 26.5 Essa expressão anormal de queratinas poderia explicar a doença como distúrbio de queratinização, e até sugerir a existência de subtipos.3,5,9
Urbina et al., na revisão de literatura de 69 casos, demonstraram que a maioria deles ocorre no sexo feminino, acima dos 40 anos, com lesão solitária na região tenar, sem trauma prévio relatado.7 A paciente deste relato se enquadra em todas as informações.
Em relação à correlação histopatológica, descrevem‐se perda parcial e abrupta da camada córnea, ortoceratose em cesta, dilatação capilar e processo inflamatório leve na derme superficial, condizente com o fundo eritematoso da dermatoscopia. Já os pontos esbranquiçados da dermatoscopia poderiam corresponder ao acrossiríngeo poupado da perda córnea, apesar de Vilas Boas da Silva sugerir que a hipoceratose justificaria o fato de ele estar mais visível. Não há descrição de lamela cornoide, mesmo após avaliação de múltiplos cortes.3–8,10
Assim, este relato corrobora o valor diagnóstico da avaliação dermatoscópica na HCP, uma vez que se correlaciona fielmente à histopatologia, e pode adicionar na diferenciação entre os principais diagnósticos diferenciais (doença de Bowen e poroceratose).
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresÉrika Hiromi Hayacibara: Elaboração e redação do manuscrito; Obtenção, análise e interpretação dos dados.
Sheila Zanconato Sales: Elaboração e redação do manuscrito; Obtenção, análise e interpretação dos dados.
Rute Facchini Lellis: Obtenção, análise e interpretação dos dados; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito.
Rosana Lazzarini: Aprovação da versão final do manuscrito; Concepção e planejamento do estudo; Elaboração e redação do manuscrito; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.