A cromoblastomicose, doença negligenciada e com perfil fortemente rural, é causada por fungos geofílicos melanizados. A infecção ocorre após inoculação traumática na pele; Fonsecaea pedrosoi é o agente mais comum.1–3
Relatamos, a seguir, dois casos de cromoblastomicose em moradores de área urbana, com dados epidemiológicos e terapêuticos.
Relato dos casosCaso 1. Paciente do sexo masculino, 69 anos, médico, hígido, residente na zona sul do Rio de Janeiro, relata que após queda de bicicleta numa tempestade tropical no Parque Lage, floresta urbana do estado, surgiu ferimento aberto no joelho direito, causado pelo trauma com galho de árvore. Apresentava placa de aspecto verrucoso, bordas bem delimitadas, com pequenas lesões satélites (fig. 1).
Caso 1. (A) Placa de aspecto verrucoso, assintomática, medindo cerca de 5,0 × 3,0 cm, bordas bem delimitadas, pequenas áreas com pontos enegrecidos de permeio e lesões satélites localizadas na face de extensão do joelho direito. (B) Três anos após exérese cirúrgica com margens de segurança, superficial e profundamente.
O exame micológico direto (EMD) evidenciou hifas acastanhadas (fig. 2A) além dos corpos muriformes; isolada Rhinocladiella spp. (fig. 2B) na cultura.
Caso 1. (A) Hifas acastanhadas septadas (Borelli spider). Exame micológico direto, KOH 20% + DMSO, 40×. (B) Micromorfologia evidenciando hifas acastanhadas, septadas, de onde partem conidióforos com conídios alongados em sua extremidade, dando aspecto de cajado nodoso. Rhinocladiella sp., lactofenol, 40×.
O paciente foi submetido a exérese total da lesão. Duas semanas antes da intervenção, foi iniciado itraconazol 200 mg/dia por seis meses, seguido de 100 mg/dia por quatro meses. O paciente evoluiu sem intercorrências, não havendo recidiva após três anos de acompanhamento (fig. 1).
Caso 2. Paciente do sexo masculino, 67 anos, reside na zona norte do Rio de Janeiro e trabalha como administrativo. Diabético, hipertenso, em uso de losartana, atenolol e metformina. Há um ano surgiu pápula na panturrilha direita, evoluindo com ulceração e secreção purulenta (fig. 3A). Foi tratado com antibióticos tópicos e sistêmicos, antifúngico e corticoide tópicos, sem melhora. Nega trauma prévio.
O EMD foi positivo para cromoblastomicose; isolada Fonsecaea spp. em cultura. Foi iniciado itraconazol 200 mg/dia. Dois meses depois, notavam‐se satelitose e aumento da lesão. Optou‐se pela excisão cirúrgica e manutenção do itraconazol oral por oito meses. Não houve recidiva após oito meses de acompanhamento (fig. 3B).
Discussão e conclusãoEmbora 90% dos casos de cromoblastomicose sejam descritos nos indivíduos com atividade rural,1,4,5 os dois pacientes deste trabalho não relataram esse tipo de atividade.
Em todo o mundo existem locais ainda preservados de natureza nativa, como a Floresta da Tijuca, a maior floresta urbana do mundo, localizada na cidade do Rio de Janeiro. A busca do lazer saudável vem se tornando cada vez mais frequente nos centros urbanos, e doenças ligadas à natureza devem ser valorizadas, incluindo cromoblastomicose no diagnóstico diferencial, sobretudo de lesões verrucosas. Segundo a localização e o tamanho, ambos os pacientes apresentavam a forma verrucosa moderada da doença.1
O isolamento de Rhinocladiella sp. é outro achado incomum, uma vez que no Brasil há poucos relatos publicados desta espécie.2,5,6 A presença de hifas no EMD pode indicar maior potencial de invasão com produção de citocinas pró‐inflamatórias (TNF‐α, IL1‐β, IL‐6).7,8
A melhor abordagem de tratamento é combinar, precocemente, antifúngico oral, habitualmente itraconazol, com exérese cirúrgica ampla.4,9,10 Criocirurgia é outro tratamento adjuvante indicado.1,4,10 Esses dois pacientes obtiveram cura com ausência de recidiva e sem prejuízo à vida social e profissional.
Pretendemos salientar a importância do diagnóstico diferencial em pacientes com atividade urbana das doenças ligadas à atividade rural, evitando tratamentos desnecessários e cronicidade. A atenção ao diagnóstico clínico‐laboratorial e ao tratamento precoce podem aumentar as chances de cura.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJessica Lana Conceição e Silva Baka: Participaram do planejamento do artigo; redação da versão original; edição e revisão crítica do manuscrito; participação na conduta terapêutica; revisão crítica da literatura e do manuscrito; aprovação da versão final.
Gabriela Giraldelli: Participaram do planejamento do artigo; redação da versão original; edição e revisão crítica do manuscrito; participação na conduta terapêutica; revisão crítica da literatura e do manuscrito; aprovação da versão final.
Andrea Reis Bernardes‐Engemann: Participaram do planejamento do artigo; redação da versão original; edição e revisão crítica do manuscrito; participação na conduta terapêutica; revisão crítica da literatura e do manuscrito; aprovação da versão final; participaram efetivamente na orientação do artigo.
Carlos Baptista Barcaui: Participaram do planejamento do artigo; redação da versão original; edição e revisão crítica do manuscrito; participação na conduta terapêutica; revisão crítica da literatura e do manuscrito; aprovação da versão final; participaram efetivamente na orientação do artigo.
Rosane Orofino‐Costa: Participaram do planejamento do artigo; redação da versão original; edição e revisão crítica do manuscrito; participação na conduta terapêutica; revisão crítica da literatura e do manuscrito; aprovação da versão final; participaram efetivamente na orientação do artigo.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Baka JL, Giraldelli G, Bernardes‐Engemann AR, Barcaui CB, Orofino‐Costa R. Urban chromoblastomycosis: a diagnosis that should not be neglected. An Bras Dermatol. 2023;98:432–5.
Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.