Trichosporon asahii é o agente causador da tricosporonose. Pacientes com imunossupressão ou neoplasias hematológicas apresentam maior risco de infecção. O envolvimento da pele e da mucosa é representado por lesões papulonodulares de crescimento rápido e úlceras necróticas. A disseminação para os órgãos internos é letal. O sucesso terapêutico depende da doença subjacente. Este relato é o primeiro caso de tricosporonose mucocutânea disseminada em um paciente com diagnóstico post‐mortem de sarcoma histiocítico, uma neoplasia hematolinfoide rara e agressiva. Infelizmente, o óbito ocorreu apesar do tratamento com anfotericina B lipossomal e medidas de suporte, mostrando a fatalidade de ambas as doenças.
Mulher de etnia indígena de 57 anos de idade, previamente saudável, apresentou‐se à clínica com histórico de 18 meses de feridas faciais, dor pleurítica progressiva, dispneia, tosse produtiva, perda ponderal, febre e fadiga. No exame físico, havia múltiplas úlceras necróticas na região bucinadora, nariz e lábio esquerdos (fig. 1). Os linfonodos submaxilares, cervicais e axilares aparentavam edema. Os resultados laboratoriais mostraram anemia (4,6g/dL) e elevação do DHL (1477 UI/L). As sorologias para HIV 1/2, hepatite B e C foram negativas. A tomografia computadorizada exibiu consolidações basais e bilaterais e atelectasia, hepatomegalia e líquido intraperitoneal livre. O esfregaço da úlcera facial e a análise histopatológica mostraram células leveduriformes com brotamentos e blastoconídios (fig. 2). Apesar de receber anfotericina B lipossomal, a paciente apresentou disseminação das lesões para a cavidade oral, sangramento gastrintestinal inferior e choque misto, evoluindo a óbito 15 dias após a internação. A cultura da úlcera facial (fig. 3) e a histopatologia dos linfonodos axilares foram coletados na avaliação post‐mortem. Trichosporon asahii foi identificado por espectrometria de massa de dessorção a laser assistida por matriz com tempo de ionização rápido (MALDI‐TOF MS, Vitek‐MS®). A histopatologia do linfonodo axilar mostrou sarcoma histiocítico (SH), com CD68 e CD163 positivos na análise imuno‐histoquímica.
Trichosporon spp. são fungos comensais e patogênicos, capazes de evadir a resposta imune e gerar resistência antimicrobiana por meio da formação de biofilme, e por suas características metabólicas e fenotípicas.1Trichosporon asahii afeta a pele, as membranas mucosas e as vísceras internas de pacientes com imunossupressão, neoplasias hematolinfoides ou neutropenia induzida por quimioterapia.2 A tricosporonose mucocutânea disseminada apresenta‐se como lesões papulonodulares que progridem rapidamente e úlceras necróticas, semelhantes à criptococose.3
Suspeita‐se de tricosporonose ao observar‐se a presença de hifas, artroconídios e blastoconídios em um esfregaço e na histopatologia.3 O diagnóstico definitivo depende da identificação da espécie a partir de colônias em cultura por métodos cromogênicos ou bioquímicos.2,4 A MALDI‐TOF MS pode substituir esses processos em breve, fornecendo resultados mais precisos.5 Outras técnicas, como citometria de fluxo, reação em cadeia da polimerase e sequenciamento de genes ainda estão sendo investigados.4
A evidência comparativa da terapia antifúngica é limitada. Em uma revisão sistemática de 203 casos, o voriconazol apresentou a maior taxa de desfecho favorável (73,6%) em pacientes com neoplasias hematológicas, e também a melhor atividade in vitro contra o Trichosporon spp. Do mesmo modo, no México, as concentrações inibitórias mínimas foram mais baixas para os triazóis, mais altas para a anfotericina B e ainda mais altas para as equinocandinas.6 Juntos, esses resultados estão de acordo com as diretrizes de tratamento, em que o voriconazol é o antifúngico preferido. No presente caso, anfotericina B lipossomal foi utilizada em decorrência da disponibilidade em nossa instituição.2,4
O sucesso terapêutico depende do estado da doença subjacente. Neste caso, a paciente tinha um estado avançado de SH. Esse câncer raro e agressivo representa 1% de todas as neoplasias hematolinfoides.7 O SH geralmente afeta os linfonodos, mas pode se disseminar rapidamente para vários órgãos. Na histopatologia, o tumor mostra proliferação difusa de células neoplásicas com citoplasma eosinofílico e núcleos excêntricos. A análise imuno‐histoquímica é positiva para CD163, CD68 e lisozima. Os marcadores de células epiteliais, melanocíticas, mieloides, Langerhans, B e T são negativos. Como nesta paciente, o SH costuma ser um diagnóstico tardio e tem uma sobrevida estimada de menos de dois anos.7,8
Em conclusão, tricosporonose e SH são doenças raras e clinicamente desafiadoras. Uma ação interdisciplinar ágil entre os especialistas em dermatologia, oncologia e doenças infecciosas é de extrema importância.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresArturo Robles‐Tenorio: Revisou criticamente a literatura, analisou os dados e redigiu a versão final do manuscrito.
Rossy Anahí Rivas‐López: Elaborou o manuscrito original, responsável pela concepção do estudo e coleta de dados.
Alexandro Bonifaz: Revisou criticamente o manuscrito, forneceu referências de apoio e aprovou a versão final do manuscrito.
Víctor Manuel Tarango-Martínez: Elaborou o manuscrito original, coletou os dados e aprovou a versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum