A hanseníase histoide é considerada uma forma rara de hanseníase Virchowiana. Seu quadro clínico peculiar torna o diagnóstico desafiador, o que pode atrasar o início do tratamento e perpetuar a endemia da doença. Além de representarem um reservatório de bacilos e serem importantes meios de contaminação, esses pacientes apresentam maior resistência ao tratamento padrão. Relatamos um caso típico desta rara apresentação, com o objetivo de compartilhar o conhecimento e favorecer o diagnóstico mais precoce da doença.
A hanseníase histoide é uma variante rara e altamente transmissível de hanseníase Virchowiana.1–7 Apresenta‐se com pápulas e nódulos eritemato‐acastanhados, de superfície lisa, raramente umbilicada.1–7 Por sua apresentação clínica incomum, constitui um desafio diagnóstico.1–4
Paciente do sexo masculino, 60 anos de idade, com lesões cutâneas havia um ano, foi encaminhado ao serviço de referência para manejo de hanseníase. Negava contato com hanseníase. Apresentava lesões queloidiformes, eritemato‐acastanhadas, de superfície lisa, algumas com umbilicação, distribuídas principalmente no tronco e na face (figs. 1 e 2). O paciente tinha reflexo corneano preservado, ausência de lagoftalmo, triquíase e ectrópio. Sem nervos espessados. Ausência de alteração na força muscular ou sensitivas nos membros superiores. Ao exame dos membros inferiores, diminuição da sensibilidade protetora em ambos os pés. Apresentava Grau 1 de incapacidade física. A baciloscopia evidenciou índice bacilar médio (IBM) de 4,75, com 2% de bacilos íntegros e aglomerados. A histopatologia demonstrou macrófagos de citoplasma claro, vacuolizado, alguns com bacilos fagocitados e zona Grenz evidente. Na periferia, histiócitos com padrão estoriforme e enclausuramento de fibras colágenas e fibroblastos até a derme profunda. À coloração de Ziehl‐Neelsen, foram observados múltiplos bacilos (figs. 3 e 4). Com diagnóstico de hanseníase histoide, iniciou‐se poliquiomioterapia (PQT) multibacilar (MB) do adulto.
Microscopia óptica. (A), Pequeno aumento com presença de zona Grenz; infiltrado linfo‐histiocitário distribuído ao longo de toda a derme, entremeando fibras de colágeno (Hematoxilina & eosina, 40×). (B), Histiócitos de citoplasma claro vacuolizados, junto de infiltrado linfocitário (Hematoxilina & eosina, 200×). (C), Detalhe da zona Grenz; múltiplos histiócitos, alguns fusiformes, dispostos em padrão estoriforme (multidirecionados; Hematoxilina & eosina, 100×). (C).
Ao final da PQT MB supervisionada, o paciente foi reavaliado no centro de referência. Realizou‐se nova baciloscopia de raspado intradérmico para controle e diferenciação de possível recidiva ou reações hansênicas.5,8,9 À baciloscopia: IBM=4,25; bacilos íntegros e agrupados.4,5,8 Cessando a PQT, o paciente iniciou quadro de reação hansênica tipo II (eritema nodoso hansênico). O serviço de referência optou por prescrever mais 12 meses de PQT MB.5,9
O subtipo de hanseníase histoide foi associado a casos de resistência à dapsona e a mutações de cepas do Mycobacterium leprae por tratamento inadequado.1,2,4,7 Atualmente há aumento de casos da forma histoide de novo.1–5 Há associação com aumento da imunidade celular e também humoral, ausentes em pacientes virchowianos, o que expande localmente o número de linfócitos T. No entanto, a hiperatividade bacilar e a tentativa de conter a infecção acabam por enfraquecer o sistema imune local.1,3,4,6,7 As lesões representam um reservatório de Mycobacterium leprae, e são demasiadamente infectantes.1–7
Conforme estudos prévios, reações hansênicas do tipo II não são prevalentes em pacientes histoides; porém, relatos brasileiros demonstram alta incidência do eritema nodoso hansênico2,3 – ocorreu no caso apresentado, que evoluiu com reação tipo II. Diagnósticos diferenciais incluem queloides, dermatofibromas, retículo‐histiocitose disseminada, xantomas, lobomicose, metástases cutâneas, neurofibromas, linfomas e angiossarcoma.2,4,10
A histopatologia da hanseníase histoide apresenta três padrões: fusocelular puro (com bacilos fagocitados por macrófagos), fusocelular associado a células epitelioides (bacilos distribuídos separadamente) e fusocelular associado a células vacuolizados (bacilos distribuídos em aglomerado).1–3,6, Um padrão da variante histoide é visualizado, no qual há infiltrado inflamatório contendo principalmente linfócitos. Os histiócitos de formato fusiforme se organizam em arranjo estoriforme e enclausurando fibras de colágeno e fibroblastos na periferia.1–3,6 Os bacilos corados com Ziehl‐Neelsen ou Fite‐Faraco podem se apresentar em arranjos paralelos ao longo dos histiócitos.2,6 Mesmo sendo uma forma de apresentação rara de hanseníase, esses pacientes são considerados grandes transmissores. por isso considera‐se de especial importância o diagnóstico e o tratamento precoces.1–4
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresAngélica Bauer: Contribuíram intelectualmente no desenho e elaboração do artigo; participaram na escrita do rascunho do manuscrito; revisão crítica e cientifica do conteúdo; aprovação da versão final do manuscrito.
Letícia Maria Eidt: Contribuíram intelectualmente no desenho e elaboração do artigo; participaram na escrita do rascunho do manuscrito; revisão crítica e cientifica do conteúdo; aprovação da versão final do manuscrito.
Renan Rangel Bonamigo: Contribuíram intelectualmente no desenho e elaboração do artigo; participaram na escrita do rascunho do manuscrito; revisão crítica e cientifica do conteúdo; aprovação da versão final do manuscrito.
Renata Heck: Contribuíram intelectualmente no desenho e elaboração do artigo; participaram na escrita do rascunho do manuscrito; revisão crítica e cientifica do conteúdo; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.