Com a pretensão de divulgar o método semiótico utilizado no diagnóstico da pitiríase versicolor, os autores percorrem a história da criação do sinal de Zirelí, descrevendo o método, sua utilidade e praticidade na clínica dermatológica, seja pública ou privada, e dão crédito ao autor dessa manobra semiológica, in memoriam.
A pitiríase versicolor (PV) é uma micose superficial, em geral crônica e recidivante, causada por espécies de leveduras do gênero Malassezia, que fazem parte da microbiota da pele humana. Nem sempre o dermatologista tem acesso ao exame laboratorial específico (micológico direto) para diagnóstico, que é então realizado, na maioria das vezes, pela apresentação clínica bastante sugestiva, caracterizada por máculas hipocrômicas, hipercrômicas ou eritematosas recobertas por descamação fina, de aspecto furfuráceo (farináceo). Existem duas manobras semióticas que evidenciam essa descamação fina e tão característica da PV: o sinal da unhada, também conhecido como de Besnier, e o sinal do estiramento lateral, chamado de sinal de Zirelí – este mais conhecido entre os dermatologistas brasileiros.1,2
A PV acomete indivíduos no mundo todo; no entanto, é mais comum nos países de clima tropical e subtropical, como o Brasil, onde sua incidência pode chegar até 40‐50% da população em algumas regiões.3 Assim, houve a necessidade de se desenvolver manobra semiológica segura, confiável e acessível tanto nas clínicas privadas quanto nos serviços públicos, com base na manifestação clínica, em especial nos casos em que outros diagnósticos diferenciais se fazem necessários, como pitiríase alba, pitiríase rósea, sífilis, hanseníase indeterminada, entre outros.
Zirelí de Oliveira Valença, dermatologista brasileiro nascido no município de São José da Laje, AL, no dia 5 de janeiro de 1934, e falecido aos 86 anos, em 23 de dezembro de 2020, formou‐se na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas em 1960 (fig. 1). No ano seguinte, fez estágio de dois meses no Hospital A. C. Camargo, em São Paulo e, em seguida, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, quando conheceu o Professor Sebastião de Almeida Sampaio, nascendo ali a amizade entre os dois. Em 1962, tornou‐se docente da Faculdade de Medicina de Alagoas, onde se aposentou aos 70 anos. Em 1963, assumiu o ambulatório de doenças da pele e, posteriormente, também a enfermaria da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, local em que continuou a trabalhar até os 80 anos. Em São José da Laje, município natal, recebeu homenagem do Prefeito, que deu seu nome ao Posto de Saúde pelos serviços prestados aos mais necessitados.
O Prof. Zirelí, que era um observador e pesquisador nato, apresentou pessoalmente ao Prof. Sampaio, no início da década de 1970, por ocasião de uma Jornada de Dermatologia realizada em Maceió, o resultado de uma pesquisa feita por ele em mais de 1.000 pacientes sobre uma manobra de estiramento lateral da pele, de fácil execução e auxiliar no diagnóstico clínico da PV. Ambos decidiram apresentá‐la durante uma reunião científica da especialidade, quando o epônimo foi “batizado” pelo Prof. Sampaio como sinal de Zirelí, em homenagem ao seu idealizador. Esse sinal foi oficialmente apresentado pela primeira vez em 1974, no III Congresso Mundial de Dermatologia Tropical, realizado na cidade de São Paulo, como um sinal semiótico característico que consiste na demonstração da descamação, de aspecto furfuráceo, presente nas lesões, por meio do estiramento da pele ao redor da lesão suspeita de PV (fig. 2). Posteriormente, em 1979, durante o XXXV Congresso Brasileiro de Dermatologia e a I Jornada Brasileira de Dermatologia Sanitária, sediados em Poços de Caldas (MG), foi apresentado pelo Prof. Zirelí o tema livre “Nova manobra para diagnóstico da pitiríase versicolor”.
O sinal de Zirelí foi publicado pela primeira vez na 2ª edição do livro Dermatologia Básica, de Sampaio, em 1978, mas com a grafia errada, Zileri (pronunciava‐se Ziléri).4 Provavelmente a partir daí o epônimo foi escrito durante anos de maneira incorreta em diversos artigos e capítulos de livros nacionais e estrangeiros.2,5–11 Uma publicação do Ministério da Saúde de 2002 traz também a grafia incorreta, mesmo sendo o Prof. Sampaio, amigo de Zirelí, um dos autores.6
Durante muitos anos discutiu‐se, nos meios acadêmicos da Dermatologia brasileira, a procedência do autor dessa manobra. A maioria acreditava que seria “sobrenome” de origem francesa em razão de sua última sílaba tônica, exceto aqueles que já o conheciam e que passaram a grafar o epônimo corretamente.1,3,7,12–20
É curioso notar que dentro de um mesmo artigo, a versão em português tem a grafia correta como sinal de Zirelí, mas na versão em língua inglesa escrevem Zileri, o que caracteriza muito bem a confusão da nômina no meio acadêmico.8 Algumas vezes, os mesmos autores que escrevem a grafia correta em um artigo trocam as letras em outros.5,9,13,15,16
Santana et al., em 2013, mostraram a precisão que este sinal semiológico tem no diagnóstico clínico da PV ao apresentar a evidência estatística da correlação entre o sinal de Zirelí e o exame micológico direto positivo para PV por meio da técnica de Porto (técnica com fita adesiva transparente; p <0,05). No entanto, escreveram incorretamente o nome do autor da referida manobra.8,21
Raramente livros e artigos estrangeiros, a maioria de língua inglesa e francesa, citam essa manobra semiótica na descrição clínica da PV, talvez por ser menos frequente nessas áreas (cerca de 0,8‐1,1%) ou mesmo por desconhecimento da mesma.1,22,23 Alguns citam o sinal da unhada de Besnier, que não é mais utilizado em decorrência da exposição da unha do examinador às escamas parasitadas, bem como pela possibilidade de contaminação da pele lesada do paciente (quebra da barreira cutânea) pelo aparelho ungueal do examinador.3,10,18–20
Neste artigo, os autores pretenderam reforçar a nomenclatura correta do sinal de Zirelí e divulgá‐la para além das fronteiras brasileiras, por ser um método custo‐efetivo, fácil de realizar na prática dermatológica diária, bem como para honrar esse dermatologista brasileiro que, como bom cientista, deixou‐nos esse legado, idealizando manobra simples e segura praticada rotineiramente nos ambulatórios e consultórios dermatológicos.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJohn Verrinder Veasey: Participação da concepção e planejamento; obtenção de dados; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura e do manuscrito.
Priscila Marques de Macedo: Participação da concepção e planejamento; obtenção de dados; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura e do manuscrito.
José Roberto Amorim: Participação da concepção e planejamento; obtenção de dados; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura e do manuscrito.
Rosane Orofino‐Costa: Participação da concepção e planejamento; obtenção de dados; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura e do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Os autores agradecem carinhosamente a generosidade de Flávia de Melo Valença, filha do Dr. Zirelí, que gentilmente compartilhou material científico e nos presenteou com diversas histórias sobre a vida de seu pai.
Como citar este artigo: Veasey JV, Macedo PM, Amorim JR, Orofino‐Costa R. The correct nomenclature of Zirelí sign in the propaedeutics of pityriasis versicolor (in memoriam). An Bras Dermatol. 2021;96:591–4.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.