Paciente do sexo masculino, de 67 anos, compareceu à clínica queixando‐se de prurido intenso e pápulas no lado direito do abdome havia mais de seis meses. O paciente referia que as lesões inicialmente eram bolhas eritematosas que haviam sido diagnosticadas como herpes‐zóster. O paciente foi tratado com a medicina tradicional chinesa por mais de 10 dias. O eritema e as bolhas desapareceram, e pápulas e placas muito pruriginosas apareceram na região do herpes‐zóster curado. Seu histórico médico era normal. Ao exame físico, os sinais vitais eram estáveis; exames cardiopulmonar e abdominal sem anormalidades. Linfonodos aumentados eram palpáveis na região cervical e axilar bilateralmente. Foram evidenciadas pápulas metaméricas vermelho‐escuras, e placas infiltradas localizadas no lado direito do abdome, correspondendo aos dermátomos direitos T8‐T10 (fig. 1A‐B). A histopatologia (fig. 2A‐B) mostrou infiltração de células linfoides atípicas na epiderme e folículos pilosos, e células de morfologia epitelioide infiltrando toda a derme e hipoderme. A imuno‐histoquímica mostrou CD20, mieloperoxidase (MPO) e CD117 negativos (fig. 3A‐C). CD3, CD4 e CD8 positivos (CD4+ marcando mais do que o dobro das células CD8+), e mais de 30% das células foram marcadas pelo Ki67 (fig. 4A‐D). A punção de linfonodo axilar evidenciou inflamação linfonodal. Infelizmente, o paciente recusou a biopsia de linfonodo. Inicialmente, considerou‐se linfoma cutâneo de células T. Entretanto, o paciente também apresentava diminuição persistente de leucócitos e anemia moderada. Outros testes foram realizados para esclarecer se havia doença hematológica. A eletroforese de proteínas séricas revelou aumento de gamaglobulina mas nenhuma banda M de globulina anormal foi encontrada. A proteína de Bence Jones foi negativa na urina. O paciente foi diagnosticado com síndrome mielodisplásica e leucemia mieloide aguda (LMA) pelos resultados da medula óssea e do teste genético (mutação de DNMT3A, IDH2, STAG2 e ASXL1). Foi, então, transferido para o serviço de hematologia para receber quimioterapia com azacitidina, daunorrubicina e citarabina. Após uma semana de quimioterapia, o paciente apresentou alívio significante do prurido, e as lesões melhoraram significantemente. Após quatro meses de quimioterapia, a erupção cutânea apresentava‐se mais plana e clara do que antes (fig. 1C‐D). Além disso, os exames de sangue e da medula óssea voltaram ao normal e os nódulos linfáticos aumentados desapareceram. A infiltração de células tumorais na epiderme e a positividade para marcadores de linfócitos T, principalmente os marcadores TH4, foram dominantes, com ausência de antígenos mieloides na histopatologia e na imuno‐histoquímica da biopsia de pele, favorecendo inicialmente o diagnóstico errado de micose fungoide (MF). Paradoxalmente, a erupção cutânea assemelhava o estágio em placa da MF, mas os linfócitos atípicos infiltrando toda a derme e hipoderme na histopatologia favoreciam o estágio tumoral da MF. Além disso, o curso da doença era de pouco mais de seis meses, pelo que o diagnóstico de MF foi descartado. Dados os efeitos positivos da quimioterapia direcionada à LMA, foi considerado que a manifestação cutânea metamérica representava uma metástase cutânea de síndrome mielodisplásica com leucemia mieloide aguda após herpes‐zóster, o que corresponderia a uma resposta isotópica de Wolf (WIR, do inglês Wolf's isotopic response).
WIR é a ocorrência de nova doença cutânea no local de outra doença de pele não relacionada e já curada. A infecção por herpes é a primeira doença mais comum, especialmente o herpes‐zóster. As segundas doenças no mesmo local incluem reações granulomatosas e liquenoides, leucemia cutânea, tumores de pele e infecções.1 Metástase cutânea de leucemia mieloide após infecção por herpes é bastante rara; em comparação com a leucemia linfoide, apenas um caso foi relatado até o momento.2 O relato anterior foi de leucemia cutânea que se desenvolveu como WIR em um caso de LMA refratária ao tratamento, mas o caso relatado aqui é WIR anterior à descoberta da síndrome mielodisplásica com leucemia mieloide aguda. Além disso, também foram relatadas leucemia mieloide cutânea no local de estrias de distensão3 e reação sarcoide em cicatrizes de herpes‐zóster em um paciente com síndrome mielodisplásica.4 Quando novas lesões cutâneas aparecem no local do herpes‐zóster curado, acompanhadas de anormalidade no sangue periférico, a biopsia de pele e de medula óssea é necessária para descartar possível neoplasia hematológica. O caso relatado aqui é de WIR incomum, com metástase cutânea de síndrome mielodisplásica em leucemia mieloide aguda secundária ao herpes‐zóster primário. Os autores não conseguiram encontrar nenhum relato anterior.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresYu Zhu: Contribuiu com a elaboração e redação do manuscrito.
Wei Wu: Contribuiu com a revisão crítica do manuscrito, aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Os autores agradecem ao professor Yeqiang Liu, do Shanghai Dermatology Hospital por fornecer assistência acadêmica e análise imuno‐histoquímica do paciente.
Como citar este artigo: Zhu Y, Wu W. An unusual Wolf's isotopic response: myelodysplastic syndrome with acute myeloid leukemia developed on the herpes zoster lesions. An Bras Dermatol. 2024;99:465–7.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatovenereologia, Affiliated Hospital of Guangdong Medical University, Zhanjiang, Guang Dong, China.