Diversas manifestações clínicas estão associadas à infecção pelo SARS‐CoV‐2, incluindo sinais e sintomas dermatológicos. Neste artigo, relatamos o caso de um paciente previamente hígido com COVID‐19, que foi erroneamente diagnosticado como dengue por causa do aparecimento de erupções cutâneas. Até o início da investigação de nosso paciente, Joinville (Santa Catarina, Brasil) apresentava cerca de 5.000 casos confirmados de dengue e 1.700 casos de COVID‐19 no ano de 2020. Assim, destacamos que em regiões endêmicas para dengue e COVID‐19, as duas enfermidades devem ser consideradas até que se prove o contrário. Por fim, alertamos para a possibilidade de coinfecção desses dois vírus em regiões que estão enfrentando as duas epidemias concomitamente.
Paciente do sexo masculino, 26 anos de idade, deu entrada no pronto‐socorro (PS) com queixa de febre, tosse, mialgia e dispneia leve havia sete dias. O paciente não tinha história médica pregressa e não fazia uso de nenhum medicamento. O exame físico revelou frequência cardíaca de 79 bpm, frequência respiratória de 18rpm, pressão arterial sistólica de 137mmHg, saturação de oxigênio de 99%, temperatura de 36°C e IMC 26,53 (sobrepeso). Considerando a pandemia de coronavírus, iniciamos o protocolo para COVID‐19: tratamento sintomático, coleta de amostra de nasofaringe para SARS‐CoV‐2 RT‐PCR e isolamento social por 14 dias a partir do início dos sintomas. Dois dias depois, o paciente retornou ao PS com erupção cutânea pruriginosa maculopapular confluente no pescoço, tórax, membros superiores e inferiores (fig. 1). Nesse momento, o paciente foi diagnosticado como dengue – infecção viral endêmica de regiões tropicais, que também se manifesta com sintomas semelhantes aos da gripe, com aparecimento de erupção cutânea difusa entre 3‐6 dias após o início da febre.1 Mesmo assim, ressaltamos que o paciente permaneceu em isolamento social até a disponibilização do resultado do exame para COVID‐19.
Erupção cutânea confluente apresentada pelo paciente nove dias após o início dos sintomas respiratórios. As lesões cutâneas permaneceram por três dias, e o prurido melhorou com o uso de anti‐histamínicos. (A), As lesões no antebraço foram as primeiras a aparecer, com características maculares; (B), nos membros inferiores, as lesões eram maculopapulares, com formação de placas semelhantes à urticária. *As fotos foram tiradas pelo próprio paciente devido ao isolamento social.
Curiosamente, no dia seguinte (D3), recebemos o laudo de RT‐PCR, o qual mostrou resultado positivo para SARS‐CoV‐2. Nesse ponto, concluímos que o paciente foi erroneamente diagnosticado com dengue, e estávamos diante de uma erupção cutânea por SARS‐CoV‐2. Após 20 dias de ausência do trabalho e atividades sociais, as sorologias virais mostraram testes rápidos reagentes para SARS‐CoV‐2 IgM e IgG, e dengue IgM e IgG quantitativos não reagentes (0,2 e 0,3, respectivamente) – confirmando não se tratar de uma coinfecção viral, mas sim rash maculopapular de COVID‐19.
A nova doença do coronavírus (COVID‐19) começou a se espalhar em dezembro de 2019 em Wuhan, China. Houve várias manifestações clínicas associadas à infecção por SARS‐CoV‐2 desde então, incluindo sinais e sintomas dermatológicos. Freeman et al., em um estudo com 171 pacientes, descreveram que as lesões cutâneas mais comuns têm sido as de morfologia morbiliforme (22%), eritema pérnio (18%), urticariforme (16%) e eritema macular (13%), as quais ocorreram após ou concomitantemente aos sintomas sistêmicos da COVID‐19.2 Além disso, outros artigos também documentaram enantema, vesículas semelhantes a varicela e lesões purpúricas como uma apresentação clínica de COVID‐19.3
O diagnóstico incorreto de outras doenças exantemáticas, como a dengue, em pacientes com manifestações cutâneas da COVID‐19, também já foi documentado anteriormente. Joob e Wiwanitkit relataram sua experiência na Tailândia com um paciente inicialmente diagnosticado com dengue por causa de uma erupção cutânea com petéquias e sintomas semelhantes aos da gripe, mas que após investigação adicional, a infecção por SARS‐CoV‐2 foi confirmada por RT‐PCR.4
Até o início da investigação de nosso paciente, em julho de 2020, Joinville (Santa Catarina, Brasil – 597.658 habitantes) apresentava cerca de 5.000 casos confirmados de dengue e 1.700 casos de COVID‐19. Assim, destacamos que em regiões endêmicas para dengue e COVID‐19, ambas as enfermidades devem ser consideradas até que se prove o contrário. Diferente das arboviroses, que requerem um vetor, o coronavírus se espalha muito rapidamente pelo ar, e o isolamento social auxilia no bloqueio da transmissão. Por fim, alertamos para a possibilidade de coinfecção desses dois vírus em regiões que estão enfrentando as duas epidemias ao mesmo tempo; é necessário iniciar uma pesquisa laboratorial precoce para ambas as doenças a fim de orientar o manejo clínico adequado ao quadro do paciente.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresIsabelle Pastor Bandeira: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Beatriz Sordi Chara: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Giovani Meneguzzi de Carvalho: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Marcus Vinícius Magno Gonçalves: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Pastor Bandeira I, Sordi Chara B, Meneguzzi de Carvalho G, Magno Gonçalves MV. Diffuse skin rash in tropical areas: Dengue fever or COVID‐19? An Bras Dermatol. 2021;96:85–7.
Trabalho realizado na Universidade da Região de Joinville e Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, Joinville, SC, Brasil.