O nevo de Spitz é lesão melanocítica benigna com características clínicas, dermatoscópicas e histopatológicas peculiares, que muitas vezes se confundem com as de melanoma, tornando seu diagnóstico um desafio. Enquanto nevos melanocíticos são relativamente comuns na região palmoplantar, o nevo de Spitz raramente afeta tal localização, com poucos relatos na literatura.1
Relatamos o caso de uma paciente de 20 anos, fototipo III, com queixa de “pinta” no pé havia anos, com crescimento recente. Apresentava na planta esquerda mácula enegrecida de 0,5cm, limites precisos e bordas irregulares (fig. 1). À dermatoscopia, notava‐se lesão melanocítica com véu azul esbranquiçado ao centro e áreas homogêneas acastanhadas perifericamente, com padrão fibrilar à uma hora (fig. 2). Realizada biópsia excisional, com hipóteses de nevo azul e melanoma acrolentiginoso. O anatomopatológico evidenciou nevo melanocítico composto fusocelular/epitelioide compatível com nevo de Spitz (fig. 3).
Segundo Wiedemeyer et al., em 2018, o nevo de Spitz acral tem predileção pela região plantar de adultos jovens do sexo feminino, achado compatível com este caso. Além disso, foi notado que a variante acral é predominantemente pigmentada, com bordas irregulares e tamanho maior que os nevos acrais convencionais. Tais características levantam a suspeita para malignidade, fazendo diagnóstico diferencial com nevo atípico e melanoma.1
A dermatoscopia é uma ferramenta valiosa no diagnóstico clínico de lesões pigmentadas. A princípio, no caso de lesões melanocíticas acrais, o padrão de cristas paralelas ou pigmentação difusa e irregular é altamente sugestivo de melanoma; já o padrão de sulcos paralelos prevalece nos nevos melanocíticos benignos.2,3 Em relação ao nevo de Spitz acral, no entanto, é possível encontrar padrões variados com mais de um componente, e a falta de achados específicos torna difícil excluir malignidade.4
Paralelamente, a microscopia confocal de reflectância (MCR) é um exame de imagem não invasivo que tem ajudado na diferenciação entre nevos benignos e melanomas. Contudo, seu uso é limitado na investigação de lesões acrais pela espessura do estrato córneo palmoplantar, que dificulta a visualização de estruturas mais profundas.5
Histologicamente, o nevo de Spitz clássico apresenta melanócitos grandes, fusiformes e/ou epitelioides, com citoplasma abundante e eosinofílico, núcleo vesicular e nucléolo pequeno. No nevo de Spitz acral, que pode ser juncional ou composto, nota‐se uma combinação da citomorfologia Spitzoide com o padrão de crescimento juncional atípico de nevos acrais. É possível também encontrar ninhos juncionais com distribuição e formatos irregulares, disseminação pagetoide e eliminação transepidérmica de ninhos melanocíticos, achados que imitam o padrão histológico do melanoma acrolentiginoso.4 Nos casos duvidosos, o correto diagnóstico pode ser auxiliado pela imuno‐histoquímica: os nevos de Spitz, com raras exceções, expressam grande quantidade dos marcadores P16 e P21; contrariamente, os melanomas acrolentiginosos apresentam perda significativa dos mesmos.1
Portanto, enquanto não houver estudos que esclareçam o papel da dermatoscopia e da MCR na diferenciação entre o nevo de Spitz acral e o melanoma acrolentiginoso, a biópsia excisional e o estudo histopatológico continuam sendo os pilares diagnósticos para lesões pigmentadas acrais atípicas.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresGuilherme Camargo Julio Valinoto: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.
Felipe Henrique Yazawa Santos: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.
Rute Facchini Lellis: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Marcus Maia: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisvo crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.