O melanoma bolhoso representa variante rara de melanoma, principalmente em pacientes sem doença cutânea bolhosa de base. Poucos casos foram descritos na literatura, inclusive casos de melanoma em pacientes com epidermólise bolhosa ou doença de Hailey‐Hailey. O diagnóstico histopatológico do melanoma bolhoso não apresenta dificuldades, exceto pela medida do índice de Breslow. A raridade desse caso, o dilema de como medir o índice de Breslow e a importância do diagnóstico precoce motivaram este relato.
Melanoma bolhoso representa variante rara de melanoma.1 A presença de bolha subepidérmica ou intraepidérmica caracteriza a doença.2 A raridade do diagnóstico é ainda maior se o paciente não apresenta doença bolhosa cutânea de base. Foram descritos poucos casos de surgimento de melanoma em pacientes com epidermólise bolhosa ou doença de Hailey‐Hailey.3
O diagnóstico dessa entidade é feito com critérios semelhantes aos utilizados para as demais variantes da doença (anamnese, exame físico dermatológico e exame anatomopatológico); entretanto, a presença da bolha é uma dificuldade para a medida do índice de Breslow. O índice de Breslow é a espessura do melanoma invasivo, medido da camada granulosa até a célula maligna mais profunda e, quando há lesões ulceradas, utiliza‐se a medida do fundo da ulceração até a célula maligna mais profundamente situada.1
Dentre os casos já descritos em literatura, os locais mais comumente encontrados são os calcanhares e os pés.1
Relato do casoPaciente do sexo masculino, 44 anos, casado, procurou atendimento dermatológico por “coceira na virilha há duas semanas”. Ao exame dermatológico, identificou‐se pápula de coloração enegrecida sobre mácula acastanhada na panturrilha esquerda (fig. 1A). Não havia aspecto bolhoso ao exame clínico. À dermatoscopia, observou‐se rede pigmentar acastanhada atípica, com rede invertida encimada por área homogênea enegrecida com véu azul‐esbranquiçado e estrias radiadas na periferia; foram cogitada as hipóteses diagnósticas clínicas de melanoma ou nevo de Reed (fig. 1B). Foi realizada biópsia excisional, e o exame anatomopatológico revelou melanoma invasivo do tipo extensivo superficial acrescido de lesão bolhosa, que se formou na epiderme. A bolha continha células melanocíticas malignas isoladas e agrupadas, além de serosidade (fig. 2A, 2B e 2C). Não havia ulceração ou regressão. As margens cirúrgicas estavam livres de neoplasia. O índice de Breslow foi medido subtraindo a espessura da bolha, resultando em 1,1 mm (fig. 2D), conforme recomendado por Woltsche et al.1
Foi realizada pesquisa de linfonodo sentinela de região inguinal esquerda. A imuno‐histoquímica não encontrou sinais de micrometástases. O paciente completou um ano e sete meses de seguimento sem nenhum sinal de recidiva.
DiscussãoReportamos rara variante de melanoma associado à bolha em um paciente sem dermatose bolhosa cutânea. Há uma discussão a respeito do melhor nome para descrever melanomas que apresentam bolha à histologia. Alguns termos para a entidade já foram sugeridos. Katorno et al. sugeriram o termo “melanoma discoesivo” para casos que mostram padrão acantolítico.4 Outros termos, como “melanoma maligno tipo acantolítico”, também já foram propostos.5 Sugerimos que seja usado o termo melanoma bolhoso pelo fato de acantólise ser um termo definido como perda de coesão dos desmossomos entre células epidérmicas,1 não podendo ser aplicado aos melanócitos. Ainda, fica evidente nas bordas da bolha que as células tumorais passam a perder as adesões intercelulares, alterações que são próprias de neoplasia maligna (fig. 3A e 3B). Portanto, termos como espongiose ou acantólise são inadequados para descrever o mecanismo de formação do melanoma bolhoso. A bolha deve ser resultante da regulação negativa de caderinas, principal molécula de adesão, devido à progressão invasiva de células do melanoma.6 Foi postulado também que além da falta de coesão dos melanócitos, a fricção e o microtrauma, como um raro fenômeno de “Koebnerização”, podem ser fatores importantes na formação das lesões bolhosas.7 Entretanto, isso faria mais sentido nas lesões encontradas em pés e calcanhares, que, de fato, são as mais comuns, o que não foi o caso do nosso paciente, em que a lesão foi encontrada na panturrilha.
Um estudo que analisou a correlação entre as moléculas de adesão à base de caderina e o prognóstico da lesão evidenciou que níveis mais altos de e‐caderina mostraram prognóstico mais favorável em relação às lesões que apresentaram perda dessas moléculas de adesão.8 Isto posto, caberia aqui um questionamento a respeito do prognóstico do melanoma bolhoso: teria ele pior prognóstico em comparação ao melanoma não bolhoso, uma vez que a bolha representa perda de moléculas de adesão? Fundamental, no entanto, é a definição de como medir o Breslow nesses casos.
Woltsche et al. propuseram que a medida deva excluir a espessura da bolha, uma vez que esta não está diretamente relacionada com a massa tumoral.1 Já Aneiros‐Fernandez et al. optaram por incluir a bolha na medida do Breslow em seu relato.5
Em nosso caso, fica evidente que a bolha contém células tumorais (fig. 4A e 4B); portanto, acreditamos que a espessura de melanomas bolhosos deva incluir a espessura da bolha. Se descontássemos a espessura da bolha, uma grande quantidade de células malignas seria excluída na aferição da medida do Breslow. No presente caso, incluir ou não a bolha não alteraria o estadiamento patológico do tumor. Porém, em casos em que a medida da bolha altere o estadiamento do tumor, entendemos que o paciente se beneficiaria de um “superestadiamento” ao invés de um “subestadiamento”.
ConclusãoRelatamos um caso de melanoma bolhoso, variante rara do melanoma, principalmente em pacientes sem constatação de dermatose bolhosa. Sugerimos que o melanoma bolhoso tenha na medida do Breslow a inclusão da medida da bolha.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMariana Abdo de Almeida: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Marcia Lanzoni Alvarenga Lira: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Antonio Vitor Martins Priante: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Elisangela Manfredini Andraus de Lima: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.