Os efeitos dos alisantes químicos sobre o couro cabeludo e a haste capilar não são totalmente conhecidos, apesar de tais substâncias serem amplamente utilizadas. O alisamento capilar popularizou‐se no Brasil com o uso de formaldeído e seus derivados, a despeito da proibição pela legislação vigente.
ObjetivoIdentificar as alterações na haste capilar e no couro cabeludo provocadas pelo uso de alisantes químicos.
MétodosFoi realizada busca com palavras‐chave em três bases de dados, com publicações entre os anos 2000 a 2020, durante o período de 16/03/2020 a 20/05/2020. Após a aplicação de critérios de inclusão e exclusão, 33 artigos foram selecionados para revisão.
ResultadosEm alguns estudos, alisantes foram relacionados com eczema, descamação, dor, queimaduras e processo inflamatório em couro cabeludo. Foram observados perda de cabelo, danos à haste, alteração da coloração dos fios e da composição de seus aminoácidos. Os achados são variáveis entre os estudos.
Limitações do estudoBusca restrita a três bases de dados, em dois idiomas, aceite de diversos desenhos de estudo.
ConclusõesAs técnicas de alisamento podem apresentar efeitos colaterais, entre os quais destacam‐se inflamação do couro cabeludo, danos à haste e queda de cabelos. Seus efeitos a longo prazo permanecem desconhecidos, e novos estudos são necessários.
A haste capilar é formada por três camadas com queratina em sua composição: medula, córtex e cutícula.1–3 As queratinas são proteínas ricas em resíduos de cisteína.1,2 Cadeias adjacentes de queratina se unem por meio das pontes dissulfeto, fortemente aderidas, e outras ligações como as de Van der Waals, pontes de hidrogênio e pontes salinas.1
A haste capilar pode ser alterada em seu formato por alisamentos químicos progressivos ou definitivos. Os primeiros, em geral, decorrem do uso de alisantes ácidos, têm durabilidade variável e podem ter efeito cumulativo com aplicações sucessivas. Já os definitivos são permanentes na área do fio tratada e, via de regra, são obtidos por meio de substâncias alcalinas.
Diversos compostos são utilizados pela população para obter alisamento químico, independentemente de sua liberação pela legislação. No Brasil, a técnica chamada de “escova progressiva” se difundiu com a utilização de alisantes ácidos como o formaldeído e o glutaraldeído. O procedimento foi disseminado mundialmente como tratamento brasileiro de queratina, entre outras denominações. O formaldeído é classificado como uma substância incolor, altamente tóxica e que, à temperatura ambiente, é um gás inflamável.4 São listados como sinônimos os termos metanal, metil aldeído, óxido de metileno, formalina, oximetileno, aldeído fórmico, metilenoglicol, paraform e oximetano.5,6 Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), formol e glutaraldeído não constam como alisantes.7 Recentemente, têm sido utilizadas substâncias que liberam formaldeído apenas durante o processo de aquecimento, como metilenoglicol, ácido glioxílico, ácido timonácico.5,8 Os chamados “tratamentos seguros de queratina” utilizam ácido glioxílico associado a carbocisteína ou aminoácidos, derivados de silicone e ácidos graxos.9
A Instrução Normativa IN n° 64da Anvisa de 27/07/2020 estabeleceu, nos termos da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) n° 409, sua “Lista de ativos permitidos em produtos cosméticos para alisar ou ondular os cabelos”, onde constam: ácido tioglicólico e seus sais, ésteres de ácido tioglicólico, hidróxido de sódio ou potássio, hidróxido de lítio, hidróxido de cálcio associado a sal de guanidina, sulfitos e bissulfitos inorgânicos.10 Esses são os alisantes tradicionais, comumente referidos como relaxantes. Embora existam divergências, de modo geral essa denominação é usada para designar os alisantes alcalinos. Eles podem ser classificados em lye (à base de hidróxido de sódio), no‐lye, tioglicolato de amônia e bissulfitos.3 Os hidróxidos são divididos em lye e no‐lye. Alguns autores categorizam o tioglicolato no grupo dos no‐lye.11
O presente artigo tem como objetivo identificar as alterações na haste capilar e no couro cabeludo provocadas pelo uso de alisantes químicos.
MétodosFoi realizada busca nas bases de dados Pubmed, Lilacs e Scielo usando os termos hair straightening, brazilian hair treatment, brazilian blowout, hair relaxer, formaldehyde hair, glyoxylic acid hair, thioglycolic hair, sodium hydroxide hair, calcium hydroxide hair, guanidine hair, potassium hydroxide hair, lithium hydroxide hair, alisamento cabelo, escova progressiva, relaxamento cabelo, formaldeído cabelo, ácido glioxílico cabelo, tioglicolato cabelo, hidróxido de sódio cabelo, hidróxido de cálcio cabelo, guanidina cabelo, hidróxido de potássio cabelo, hidróxido de lítio cabelo. Foram incluídas publicações entre janeiro de 2000 a maio de 2020. O período de busca da pesquisa foi de 16/03/2020 a 20/05/2020. Obtiveram‐se 703 resultados.
O critério para inclusão dos artigos foi a temática de alisantes capilares e seus efeitos em couro cabeludo e haste capilar. Foram excluídos todos os resultados sem relação com alisantes capilares, pela leitura dos títulos dos artigos. A partir dos resumos dos artigos, foram excluídos artigos de revisão, gênero cartas a editor e teses de doutorado (incluídos artigos decorrentes dessas teses publicados em revistas científicas). Também foram excluídos artigos sobre o termo “permanente” pois, apesar de as substâncias se sobreporem aos alisantes químicos, a técnica consiste em passos diferentes. Excluíram‐se artigos referentes à exposição ocupacional às substâncias químicas dos alisantes e publicações que realizaram análise das formulações sem investigar seus efeitos em haste ou couro cabeludo.
Estudos referentes a outras técnicas capilares só deixaram de ser excluídos quando as informações se mesclavam às dos alisantes (por exemplo: associação de técnicas) ou quando os alisamentos eram um dos assuntos estudados (nesse caso, a revisão englobou apenas as informações sobre os alisantes). Quando o artigo tratava conjuntamente de efeitos pesquisados e de efeitos colaterais sistêmicos, os últimos não foram detalhados na revisão.
Portanto, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 649 artigos foram excluídos. A busca resultou em 33 artigos, após a remoção de duplicatas, selecionados para leitura e revisão. Os métodos encontram‐se esquematizados na figura 1.
ResultadosAlisantes ácidos: formaldeído, outros aldeídos e derivados do formaldeídoO formaldeído pode causar dermatite de contato alérgica com gravidade progressiva a cada reexposição, com manifestação clínica de eczema em couro cabeludo e regiões adjacentes e edema em face.12
Casos de eczema psoriasiforme em couro cabeludo, face, pescoço e tronco superior, ocasionalmente com pústulas, foram relatados após tratamento com escova de queratina brasileira. A dermatoscopia revelou eritema e descamação interfolicular e perifolicular, e a histopatologia demonstrou padrões psoriasiforme e espongiótico. Aventou‐se a possibilidade de que o formaldeído não cause lesões apenas por dermatite de contato alérgica ou por irritante primário, mas possa induzir reações por outros mecanismos.13
Quanto às alterações na haste capilar, uma análise comparativa das propriedades mecânicas dos fios após tratamento com formaldeído e ácido glioxílico mostrou, em ambos, redução da resistência à quebra, da captação e retenção de água, e da massa. O cabelo tratado com formaldeído apresentou aumento da irregularidade das cutículas, potencializado com o uso de calor. O ácido glioxílico mostrou danos ainda maiores. Essas seriam evidências dos efeitos nocivos dos produtos à haste capilar, a despeito dos achados de aumento da temperatura de desnaturação, ausência de aumento de dano oxidativo, e presença de brilho observado após os tratamentos.14
Sanad et al. observaram melhor aparência macroscópica, correlata ao achado histopatológico de diminuição de dano cuticular após uso de alisante de queratina contendo metilenoglicol, em cabelos cacheados. Na microscopia eletrônica, em duas amostras houve aumento da densidade de matriz intermacrofibrilar no córtex. Ocorreu também clareamento do cabelo em alguns indivíduos, e relato de queda de cabelo em 13,3%.15 Em uma avaliação de fibras yak e cabelo humano, realizada por Boga et al., a amostragem tratada com ácido glioxílico apresentou cutículas regulares; já a tratada com solução básica e prancha modeladora mostrou mais irregularidades.16
Goshiyama et al., ao estudarem fórmulas com glioxiloil‐carbocisteína e glioxiloil‐aminoácidos de queratina, demonstraram maior efeito alisante e mais danos em soluções mais ácidas. Alguns dos efeitos colaterais foram alteração da força, da coloração, da entalpia e da quantidade de triptofano das hastes. Na microscopia eletrônica, notou‐se um filme no cabelo tratado, com sua cutícula mais selada, parcialmente retirado após cinco lavagens.17 Os resultados estão dispostos nas tabelas 1 e 2.12–17
Estudos sobre os efeitos dos alisantes ácidos no couro cabeludo
Autor | Tipo de estudo | População | Alisante | Alterações em couro cabeludo |
---|---|---|---|---|
Van Lerberghe & Baeck., 12 2014 | Relato de caso | n=1 (F:1, M:0) | Formaldeído | Dermatite de contato alérgica |
Gavazzoni‐Dias et al.,13 2016 | Série de casos | n=7 | Escova de queratina brasileira | Eczema psoriasiforme |
Biópsias (n=4) compatíveis com dermatite psoriasiforme e dermatite espongiótica psoriasiforme |
n, número de pacientes; F, feminino; M, masculino.
Estudos sobre os efeitos dos alisantes ácidos na haste do cabelo
Autor | Tipo de estudo | População | Alisante | Alterações em haste |
---|---|---|---|---|
Leite & Maia Campos.,14 2017 | Ensaio clínico | Amostras de cabelo cacheado | Ácido glioxílico e formaldeído | Redução da resistência à quebra e da massa capilar, menor captação e retenção de água, aumento da irregularidade cuticular. |
Aumento da temperatura de desnaturação, dano oxidativo estável | ||||
Sanad et al.,15 2019 | Ensaio clínico | n=30 (F:30 M:0) | Metilenoglicol | Aumento da maciez e brilho à macroscopia |
Tricoptilose e fissuras transversais sem modificação | ||||
Redução de danos cuticular à histopatologia, mas ausência de reparo cuticular à microscopia eletrônica | ||||
Aumento da densidade de matriz intermacrofibrilar no córtex (n=2) | ||||
Clareamento da haste (n=9) | ||||
Queda de cabelo (n=4) | ||||
Boga et al.,16 2014 | Ensaio clínico | Fibras yak e cabelo humano | Ácido Glioxílico | Persistência da regularidade cuticular à microscopia eletrônica |
Goshiyama et al.,17 2020 | Ensaio clínico | Amostras de cabelo cacheado castanho escuro | glioxiloil‐carbocisteína e glioxiloil‐aminoácidos de queratina | Redução do trabalho para pentear de: 59,4% (pH 1,0), 33,3% (pH 2,0) |
Redução da força da haste em: 15,7% (pH 1,0), 8,7% (pH 2,0). Sem significância estatística | ||||
Ambos os pHs: alteração de coloração, redução na entalpia das hastes |
n, número de pacientes; F, feminino; M, masculino.
Os efeitos notados após mais de um alisamento com relaxante químico incluem aumento de frizz, descamação do couro cabeludo, perda de cabelo, afinamento ou enfraquecimento do cabelo, discromia dos fios, tricoptilose.18 No Quênia, 67% das mulheres com cabelo afro relataram efeitos sistêmicos e locais após utilização de relaxantes capilares de diferentes marcas. Entre as manifestações dermatológicas, foram citados: dor e/ou descamação no couro cabeludo, reações alérgicas, atrofia da pele, enfraquecimento e/ou mudança da cor do cabelo. Os dois efeitos mais mencionados foram queimaduras e perda de cabelo. A despeito dos efeitos colaterais, 55% optaram por manter algum tipo de alisamento.19
Os impactos de um alisante de marca brasileira, que apresentava dois produtos rotulados como “livres de química” cujos pHs médios testados foram de 1,39 e 2,82, abrangeram efeitos graves como quebra ou perda de cabelo em 95%, perda de mais de 40% do cabelo em 56%, ausência de repilação em 9%, além de outras alterações nos fios e do couro cabeludo.20 O pH desses produtos divergiu do padrão alcalino dos relaxantes.20
Além dos efeitos crônicos em couro cabeludo, foram relatadas alterações agudas secundárias como em caso de paciente diabética que, após uso de hidróxido de cálcio, desenvolveu sensação de queimação na pele com dermatite de contato e evolução para infecção com múltiplos abscessos.21 Em pacientes que tiveram sintomas irritativos agudos em couro cabeludo durante processo de relaxamento, ocorreu subsequente desenvolvimento de áreas de alopecia cicatricial, especialmente em vértex, com achados histológicos sugestivos do diagnóstico de alopecia cicatricial central centrífuga (ACCC).22
Fatores relacionados com ACCC confirmada histologicamente foram investigados por Shah & Alexis, e o uso de alisantes foi o elemento mais comumente relatado nos pacientes com dados disponíveis. No entanto, em razão da ausência de grupo controle, não foi possível estabelecer associação.23 Gathers et al. e Olsen et al. não encontraram relação dos relaxantes com o desenvolvimento de ACCC.24,25 Entretanto, Olsen et al. encontraram associação estatisticamente significativa entre a idade do primeiro relaxamento e a presença de alopecia, quando comparado o padrão sem alopecia com os padrões de alopecia mais avançada (ACCC provável). A perda de cabelo não impede o uso de relaxantes, embora o diminua conforme sua gravidade aumenta.25
Outros tipos de alopecias também constituem preocupação. Em meninas afro‐americanas, nas quais a prevalência de uso de relaxantes químicos foi de 42%, o uso prévio de relaxantes dobrou o risco de alopecia de tração; e quando associados a trancinhas rasteiras feitas há 12 meses, a razão de chances ultrapassa cinco. Portanto, há risco em tracionar cabelo relaxado em penteados apertados.26 Alguns indivíduos podem ter alterações estruturais relacionadas à perda importante de cabelos. Em uma mulher nigeriana atópica, diagnosticou‐se tricorrexe nodosa generalizada proximal após três episódios de queda de cabelo universal, relacionados a procedimentos de relaxamento.27
Estudos têm explorado a distinção na resposta de fios de diferentes etnias ao alisamento. Na avaliação de dano cuticular após processo de agitação dos fios em água, em amostras tratadas com alisante tiol, houve maior suscetibilidade a danos no cabelo tratado, proporcionalmente maior no cabelo chinês do que no caucasiano. Na microscopia eletrônica, demonstrou‐se dano cuticular.28 Diversos procedimentos (inclusive alisamentos), de maneira associada ou não, em cabelos naturalmente pretos de diferentes texturas, não resultaram em diferença visível no exame clínico, na dermatoscopia ou na microscopia de luz. Já na microscopia eletrônica sim, de modo que houve diferença significante entre os grupos, com mais danos em quem realiza procedimentos em relação ao grupo controle, mas não em relação ao tipo de cabelo ou ao tratamento específico.29
O comportamento de cabelos caucasianos e cabelo afro no alisamento com tioglicolato divergiu. A demanda de Joules para pentear o cabelo afro diminuiu, mas não houve diferenças drásticas nos outros tipos de cabelo. Na avaliação da coloração, houve maior variação nos cabelos castanho‐escuros e nos afro‐étnicos. Cabelos virgens de tratamento apresentaram maior força tênsil do que cabelos alisados em todos os tipos de cabelo, e o uso do tioglicolato não resultou em perdas adicionais de proteína ou triptofano, exceto no cabelo afro. Na microscopia eletrônica, os cabelos castanho‐escuros ondulados, cacheados e afro tiveram discreta abertura das escamas, rachaduras e quebra.30 De maneira oposta, um estudo demonstrou que o cabelo africano foi mais resistente a estresse químico combinado. Quando o alisamento foi combinado à tintura comercial, a cutícula e o córtex africanos foram mais resistentes em relação aos outros grupos étnicos. Isso não era esperado, e talvez a mecânica própria do cabelo tenha sido alterada.31
O fio alisado fica mais vulnerável a outras técnicas capilares somadas aos alisantes. Foram encontradas áreas de alopecia permanente onde havia sido aplicado implante capilar artificial do tipo nó italiano após relaxamento.32 Os efeitos da combinação entre tintura e alisantes foram estudados em cabelo caucasiano castanho escuro e cacheado: a tintura escolhida pelos pesquisadores e os alisantes aumentam, em relação ao cabelo virgem, a perda de proteína durante a lavagem. Já quando os dois foram associados, não houve aumento adicional significativo nesses valores, exceto para o hidróxido de sódio.11
Alterações foram demonstradas também em nível molecular. Em amostras de cabelo liso expostas ao hidróxido de sódio houve aumento de alterações oxidativas, aumento de formação de desidroalanina, desidratação da cadeia lateral e dano à cisteína, que provavelmente corresponde a dano estrutural.33 A integridade proteica, representada pelo nível de triptofano e outros produtos de sua degradação, foi estudada em resposta a danos após alisamento com creme relaxante lye. A fluorescência para triptofano diminuiu, mas não houve diferença nas quinureninas (um dos metabólitos do triptofano), o que pode significar ocorrência de degradação tanto do triptofano quanto de seus metabólitos pelo processo químico.34
Cabelos brancos afro e caucasiano foram submetidos a alisamento com tioglicolato de amônia ou tratamento triplo com o mesmo alisante associado à descoloração com amônia e peróxido de hidrogênio e também à prancha alisante. Após os tratamentos, ligações importantes foram alteradas, com pequenas diferenças entre as etnias. O alisamento teve maior ação na banda pertencente ao ácido cisteico e acarretou em lesões na fibra, com irregularidades e destacamento cuticular, e pequenas ondulações em sua extensão. O tratamento triplo demonstrou hastes com contornos irregulares, destacamento e deformação cuticular, e também possível dano cortical.35
Ao comparar um produto A (lye) com um produto B (no‐lye, com hidróxido de guanidina), Mamabolo et al. evidenciaram, na haste, diminuição de cistina após o tratamento com os dois produtos, com maior perda com o uso do produto B. A redução da cistina foi acompanhada de maior atividade alisante.36 Não houve diferença significativa na tolerabilidade dos dois produtos no couro cabeludo.36
Khumalo et al. encontraram diferença na quantidade de quatro aminoácidos entre os grupos com alisamento e o grupo sem: cistina, citrulina, arginina e glutamina. Os níveis de cistina no cabelo tratado foram similares aos encontrados em tricotiodistrofia.37
Com foco nas alterações inflamatórias, Beach et al. coletaram algumas citocinas no sebo do couro cabeludo de mulheres que realizaram procedimentos com substâncias relaxantes ou permaneceram com cabelos naturais. Em níveis suficientes para interpretação, foram detectadas a IL‐1α (pró‐inflamatória) e a IL‐1ra (antiinflamatória), e embora diferenças das citocinas entre o vértex e a coroa possam refletir predisposição distinta dos locais do couro cabeludo à inflamação, não se conseguiu demonstrar mudanças nas citocinas inflamatórias específicas após uso de relaxantes.38 Tackey et al., utilizando um modelo de epiderme tridimensional, compararam alisantes lye e no‐lye pareados com controles não tratados, em relação a citocinas envolvidas na modulação de irritação após alisamento. A IL‐1α atingiu níveis maiores em 24 e 48 horas após o uso de alisante no‐lye. Ambos os alisantes resultaram em níveis de prostaglandina E2 (PGE2) maiores do que os controles em todos os períodos avaliados, e a citocina poderia ter responsabilidade sobre as diferenças sensoriais entre os diversos tipos de produtos.39
Agentes condicionantes e protetores podem minimizar os danos causados pelos alisantes, e sua interferência na eficácia do alisamento é controversa.40–42 Os achados encontram‐se sintetizados nas tabelas 3 a 7.11,18–43
Estudos que avaliaram sinais e sintomas dos relaxantes capilares
Autor | Tipo de estudo | População | Agente alisante | Alterações em haste e em couro cabeludo |
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Shetty et al.,18 2013 | Transversal (questionário) | n=90 (F:90, M:0) | Relaxantes químicos | Aumento do frizz (67% dos casos), afinamento ou enfraquecimento do cabelo (40%), discromia (acinzentamento) do cabelo (22%), tricoptilose (17%) |
Descamação do couro cabeludo (61%) e perda de cabelo (47%) | ||||
Etemesi BA.,19 2007 | Transversal (questionário) | 242 (F:242, M:0) | Relaxantes químicos | Enfraquecimento e/ou mudança da cor do cabelo |
Dor e/ou descamação no couro cabeludo, reações alérgicas, afinamento da pele, queimaduras e perda de cabelo | ||||
Kaur et al.,21 2002 | Relato de caso | n=1 (F:1) | Hidróxido de cálcio | Eczema de contato e infecção estafilocócica secundária |
n, número de pacientes; F, feminino; M, masculino.
Estudo que avaliou sinais e sintomas de relaxante capilar (relaxante ácido não tradicional)
Autor | Tipo de estudo | População | Agente alisante | Alterações em haste e em couro cabeludo |
---|---|---|---|---|
Swee et al.,20 2000 | Transversal (questionário) | n=464 (F:457, M:5, não identificado: 2) | Relaxante ácido (não tradicional) com sais metálicos | Quebra ou perda de cabelo (95% dos casos), cabelos secos ou ásperos (70%), descoloração do cabelo (28%) |
Couro cabeludo seco (53%), dor em queimação em couro cabeludo (25%) |
n, número de pacientes; F, feminino; M, masculino.
Estudos que avaliaram a associação de relaxantes capilares à alopecia
Autor | Tipo de estudo | População | Alisante | Alterações em couro cabeludo |
---|---|---|---|---|
Khumalo et al.,22 2007 | Série de casos | n=5 (M:5, H:0) | Hidróxido de sódio (n=3) | Sintomas irritativos e desenvolvimento de áreas de alopecia cicatricial. Achados histológicos de infiltrado linfocítico perifolicular, fibrose folicular e descamação prematura da bainha radicular interna |
Hidróxido de guanidina (n=2) | ||||
Shah & Alexis,23 2010 | Série de casos | n=69 (M:67, H:2) (64: dados sobre cuidados com cabelos) | Relaxantes químicos | Alisantes foram a prática traumática mais comum em pacientes com ACCC. Não foi possível estabelecer associação devido à ausência de grupo controle |
Gathers et al.,24 2009 | Caso‐controle | n=101 (M:101, H:0) | Relaxantes químicos | Sem relação de uso de relaxantes, de sua frequência de aplicação ou de complicações de seu uso com o desenvolvimento de ACCC |
Grupo ACCC (n=51) | ||||
Grupo sem alopecia cicatricial (n=50) | ||||
Olsen et al.,25 2011 | Caso‐controle | n=529 (M:529, H:0) | Relaxantes químicos | Sem associação do uso de relaxantes ou de reação a eles com queda extensa central de cabelo |
Associação entre a idade do primeiro relaxamento e o padrão de perda quando comparado o padrão 0 (sem perda) vs. os padrões 3 e 5 (ACCC provável) | ||||
Rucker et al.,26 2011. | Transversal (questionário) | n=201 (M:201, H:0) | Relaxantes químicos | Relaxamento foi fator de risco para alopecia de tração (OR=2,2; (95% CI 1,1–4,5; p=0,03)No relaxamento associado a trancinhas rasteiras: OR=5,27 (95% CI 1,5–18,32; p=0,009) |
Ogunbiyi et al.,27 2014 | Relato de caso | n=1 (F:1) | Relaxantes químicos | Perda de cabelos relacionada à tricorrexe nodosa generalizada proximal, com atopia como condição basal |
Amorim et al.,32 2017 | Transversal | n=30 (F:30, M:0) | Hidróxido de sódio ou hidróxido de guanidina | Quando associados a implante capilar artificial do tipo nó italiano, relacionaram‐se com áreas de alopecia permanente |
n, número de pacientes; F, feminino; M, masculino.
Estudos sobre relaxantes capilares com avaliações morfológicas e fisiológicas
Autor | Tipo de estudo | População | Alisante | Alterações em haste e couro cabeludo |
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Galliano et al.,28 2010 | Ensaio clínico | n=12 (6 amostras de cabelo chinesas e 6 amostras de cabelo caucasianas) | Alisante tiol | Aumento da distância inter‐escamas, da inclinação das escamas e da irregularidade de suas bordas |
Média de tamanho das partículas extraídas do cabelo após agitação em água por 30 minutos: diferente entre as etnias e aumento proporcionalmente maior no cabelo chinês | ||||
Kaliyadan et al.,29 2016 | Transversal | n=25 (F:25) (19 sujeitos e 6 controles) | Relaxantes químicos | No alisamento isolado (n=2): o cabelo cacheado teve dano grau 2 (grave levantamento da cutícula, rachaduras ou buracos com exposição do córtex) e o cabelo ondulado grau 0 (cutícula intacta) |
No alisamento associado a coloração (n=7): graus de dano de 1 (cutícula irregular sem rachaduras ou buracos) a 2 | ||||
Na associação de alisamento, descoloração e coloração (n=1): dano grau 3 (córtex parcialmente exposto) | ||||
No grupo controle (cabelo ondulado ou liso): grau de dano de 0 a 1 | ||||
Bloch et al.,30 2019 | Ensaio clínico | Amostras de cabelo caucasiano (liso castanho escuro; liso loiro; ondulado castanho escuro; e cacheado castanho escuro) e cabelo afro | Tioglicolato de amônia | Redução de 71% no trabalho (em Joules) para pentear os cabelos afro |
Maior variação de coloração nos cabelos castanho escuros e nos afro‐étnicos | ||||
Diminuição de força tênsil em todos os tipos de cabelo | ||||
Sem perdas adicionais de proteína ou triptofano (exceto no cabelo afro) | ||||
Cabelos castanho escuros ondulados, cacheados e afro: discreta abertura das escamas, rachaduras e quebra | ||||
Lee et al.,31 2014 | Ensaio clínico | Amostras de cabelo asiático, caucasiano europeu e afro‐americano | Tioglicolato de amônia | No alisamento: as cutículas dos cabelos asiáticos foram as mais resistentes. O dano ao córtex foi similar nos três grupos |
No alisamento combinado à tintura comercial: a cutícula e córtex africanos foram as mais resistentes | ||||
Os três grupos apresentaram padrões semelhantes de dano à membrana celular após o alisamento ou alisamento combinado com tintura | ||||
França‐Stefoni et al.,11 2015 | Ensaio clínico | Cabelo caucasiano castanho escuro e cacheado | Tioglicolato de amônia, hidróxido de guanidina, hidróxido de sódio | Perda proteica adicional na lavagem: tintura (48%), tioglicolato de amônia (159%); hidróxido de guanidina (188%); hidróxido de sódio (276%) |
Quando associados à tintura, o tioglicolato de amônia e hidróxido de guanidina não causaram aumento adicional significante na perda proteica. O hidróxido de sódio sim | ||||
Dyer et al.,33 2013 | Ensaio clínico | Amostras de cabelo liso europeu | Hidróxido de sódio | Aumento de alterações oxidativas, danos associados a álcali, aumento de formação de desidroalanina e desidratação da cadeia lateral, e dano à cisteína |
McMullen et al.,34 2011 | Ensaio clínico | Amostras de cabelos europeus castanhos escuros e cabelos Piedmont | Hidróxido de sódio | Degradação de triptofano e seus metabólitos |
Dos Santos et al.,35 2019 | Ensaio clínico | Amostras de cabelos brancos afro e caucasiano | Tioglicolato de amônia | Lesões na fibra, com irregularidades e destacamento cuticular, e pequenas ondulações em sua extensão. |
Associação de alisamento com descoloração e prancha alisante: hastes com contornos irregulares, destacamento e deformação cuticular, e possível dano cortical. | ||||
Mamabolo et al.,36 2013 | Ensaio clínico | N: 5 (F:5, M:0) | Hidróxido de sódio e Hidróxido de Guanidina | Hidróxido de guanidina: maior maciez, aspecto liso, brilho, e menos aspecto seco |
Os dois produtos foram similares quanto ao dano | ||||
O alisante no‐lye obteve menos pontas duplas | ||||
O conteúdo de cistina reduzido com o alisante lye e de forma mais intensa com o alisante no‐lye | ||||
A lisina diminuiu em relação ao cabelo virgem para os dois alisantes, no entanto sem diferença estatística entre eles | ||||
Khumalo et al.,37 2010 | Coorte histórica | n=30 | Relaxantes químicos | A cistina, a citrulina (nem sempre com significância estatística) e a arginina diminuíram e a glutamina aumentou nos cabelos relaxados. Os níveis de cistina foram menores no cabelo tratado do que no cabelo virgem, com níveis similares aos encontrados em tricotiodistrofia |
Beach et al.,38 2012. | Ensaio clínico | n=36 (F:30, M:0) | Hidróxido de guanidina, hidróxido de sódio, tioglicolato de amônia | IL‐1α e IL‐1ra foram detectadas no couro cabeludo |
Após o alisamento, os níveis de IL‐1α e IL‐1ra na coroa e vértex foram menores, mas sem diferença em relação ao grupo que não aliso | ||||
Não se conseguiu demonstrar mudanças nas citocinas inflamatórias específicas após uso de relaxantes | ||||
Tackey et al.,39 2013 | Ensaio clínico | Modelo de epiderme tridimensional | Hidróxido de sódio, hidróxido de guanidina | IL‐1α: em 4h da aplicação não mostrou diferença significativa entre os grupos de alisantes, e em 24h e 48h o alisante no‐lye atingiu níveis maiores |
IL‐1ra: sempre maior com o no‐lye | ||||
Os dois tipos tiveram razões de IL‐1ra/IL‐1α similares nas fases iniciais (sugere ausência de relação com o desconforto imediato após a aplicação) e tardias, no entanto os no‐lye tiveram uma razão maior em 24h | ||||
Níveis de PGE2 maiores do que os controles em todos os períodos |
n, número de pacientes; F, feminino; M, masculino.
Estudos sobre prevenção de danos estruturais no uso de relaxantes capilares
Autor | Formato | População | Alisante | Efeitos em haste |
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De Sá Dias et al.,40 2008 | Ensaio clínico | Amostras de cabelo afro | Tioglicolato de amônia | Agentes condicionantes adicionados ao alisante resultaram em menor perda proteica, em proteção da fibra e em aumento da resistência à quebra |
Podem reduzir a eficácia do alisamento | ||||
Bernard et al.,41 2002 | Ensaio clínico | Amostras de cabelo afro‐americano | Hidróxido de guanidina ou hidróxido de sódio | Uso de ceramidas (no caso, a C18‐dhCer) preveniu danos em cabelo alisado |
Vermeulen et al.,42 2004 | Ensaio clínico | Amostras de cabelo | Hidróxido de sódio, hidróxido de lítio | Adição de ceras de polimetileno em fórmula alisante resultou em melhor aspecto em comparação a fórmulas comerciais, sem minimizar a performance |
Em relação à exposição a alisantes, Marks et al. compararam pacientes com alopecia cicatricial e pacientes com alopecia não cicatricial (grupo controle). Houve diferença significativa nos grupos sobre a história prévia de alisamento químico (25% no grupo com alopecia cicatricial e 13% no grupo não cicatricial), decorrente especialmente do papel dos pacientes com líquen plano pilar e AFF.43 Esse estudo não especifica quais alisantes foram utilizados pelos indivíduos, mas cita como exemplos hidróxido de sódio e glutaraldeído.43 O resumo dos resultados encontra‐se na tabela 8.43
Estudos sobre os efeitos dos alisantes ácidos e alisantes tradicionais (relaxantes capilares)
Autor | Tipo de estudo | População | Agente alisante | Alterações |
---|---|---|---|---|
Marks et al.,43 2019 | Caso‐controle | n=286 (n=43 pacientes com alopecia cicatricial), (143 pacientes com alopecia não cicatricial: grupo controle) | Alisamento químico | Maior frequência de alisamento no grupo alopecia cicatricial (25%) em relação ao grupo controle (13%) |
História prévia de alisamento em LPP/AFF de 21% e em 10% dos controles pareados | ||||
ACCC: mais exposição cumulativa a alisantes |
n, número de pacientes; F, feminino; M, masculino.
Os alisantes baseados em formaldeído ou derivados são, em geral, compostos por aldeído e proteínas como a queratina hidrolisada: após exposição ao calor, o aldeído promoveria cross‐link entre as queratinas do produto e as do cabelo.9 Supostamente, o alisamento se dá pela difusão da queratina para o córtex preenchendo os defeitos e reestruturando o fio; no entanto, não há evidências desse efeito.9 O uso de formaldeído e glutaraldeído como alisantes não é permitido no Brasil.7
Os produtos com ácido glioxílico são citados no site da Anvisa como glioxiloil‐carbocisteína e glioxiloil‐aminoácidos de queratina na sessão “orientações sobre os alisantes – o que devo encontrar no rótulo desses produtos”, com a ressalva de que devem alertar o consumidor sobre o risco de queda ou de alteração de cor dos cabelos.7 Porém, a substância não consta na IN n° 64 do órgão.10 A carbocisteína não é um alisante quando utilizada isoladamente, mas geralmente é formulada com o ácido glioxílico.8
Os alisantes ácidos continuam sendo uma constante em produtos de alisamento. Localmente, o formaldeído pode causar dermatite, inclusive eczema alérgico e eczema psoriasiforme.12,13 O relato na literatura médica das reações em couro cabeludo pode ser subestimado, pois a dermatite de contato irritativa após o uso do formaldeído é frequentemente considerada um efeito normal pelos usuários. Na haste capilar, o formaldeído e o ácido glioxílico, a despeito do brilho no aspecto macroscópico, pioraram a irregularidade das cutículas à microscopia eletrônica e diminuíram a resistência à quebra.14 No entanto, outros estudos não demonstraram o mesmo dano.15,16 Embora haja alterações na força, na coloração do cabelo e outras evidências de dano à haste, o trabalho para pentear diminui com os alisantes ácidos, como demonstrado em estudo com ácido glioxílico.17
Já os alisantes permitidos por lei no Brasil são os previstos na IN n° 64da ANVISA.10 Os hidróxidos agem em razão de seu alto pH, abrindo as cutículas e propiciando a ação do agente alcalino redutor no córtex, onde as ligações dissulfeto são quebradas. O cabelo é então mecanicamente alisado, com reestruturação das ligações entre as queratinas. Em seguida, o cabelo é exposto à substância ácida para encerrar o processo e fechar as cutículas (processo de neutralização).1,8,44 Os álcalis reagem com a cistina e produzem a lantionina, na chamada lantionização. Esse processo substitui um terço da cistina por lantionina.8 Não existe necessidade de calor ou tração externa.8 Diferentemente, o tioglicolato não age por lantionização, mas por redução seletiva das ligações de cistina sem alterar a proteína inteira, é neutralizado com peróxido de hidrogênio ou bromato de sódio e as ligações são rearranjadas.8,44 O calor deve ser aplicado para o passo de tratamento térmico.8,44 Seu uso é comumente chamado de “escova japonesa”.8 Mantêm‐se 90% do conteúdo de cistina e 10% tornam‐se ácido cisteico.8 Existe ainda o bissulfito de amônia, menos agressivo, menos efetivo e mais empregado em produtos de uso domiciliar.3
Os alisantes do tipo relaxantes não são isentos de efeitos colaterais. Têm sido citados alergias, frizz na haste, cabelos secos, afinamento e enfraquecimento do fio, tricoptilose e alteração de coloração dos cabelos.18–20,30 No couro cabeludo, são descritos descamação, dor, atrofia, até queimaduras e quadros potencialmente graves de eczema de contato com infecção secundária.18–21
As consequências da inflamação aguda a longo prazo não são conhecidas, mas aventa‐se até relação com alopecia cicatricial central centrífuga.22 Uma hipótese seria que alterações de citocinas causadas por alisantes possam exercer algum papel no processo inflamatório.38 A relação das citocinas, inclusive com as diferenças sensoriais entre os tipos de produtos, tem sido estudada.39
A perda de cabelo também tem sido relacionada, inclusive com alopecia irreversível.18–20 Os dados referentes à associação com ACCC divergem.23–25,43 Existe aumento do risco de alopecia de tração com relaxantes, especialmente se associados a tranças rasteiras, e tricorrexe nodosa generalizada proximal foi relacionada a alisamentos.26,27
Na haste, com o uso dos relaxantes, há ocorrência de aumento da distância inter‐escamas, abertura das escamas, irregularidade de suas bordas, rachaduras, grave levantamento da cutícula com exposição do córtex, lesões na fibra, aumento das partículas extraídas do fio.28–30,35
O uso de alisantes concomitantemente a outras técnicas capilares parece aumentar a vulnerabilidade a danos. Relaxamentos capilares somados ao uso de implante capilar artificial relacionaram‐se com áreas de alopecia permanente.32 Relaxantes resultaram em maior propensão à perda proteica, e, quando associado à tintura, o hidróxido de sódio mostrou‐se ainda mais agressivo.11 A somatória de alisamento com tioglicolato de amônia, descoloração e prancha alisante resultou em hastes com contornos irregulares, destacamento e deformação cuticular e possível dano cortical.35
Com alisantes lye e no‐lye foi encontrada diferença na quantidade de aminoácidos em relação ao cabelo virgem. É notória a diminuição de cistina, presente nas ligações dissulfeto que dão força ao cabelo.37 A nível molecular, em cabelo liso europeu exposto a hidróxido de sódio houve deterioração da cisteína.33 Alisamento com relaxante lye degradou triptofano.34 Entretanto, o uso do tioglicolato não resultou em perdas adicionais de proteína ou triptofano.30 Comparando alisante lye e no‐lye houve redução de cistina após ambos, com maior perda com no‐lye.36
Cabelos de etnias diferentes parecem divergir na suscetibilidade ao alisamento, com achados variados na literatura.31,35 Os danos estruturais podem ser minimizados por agentes condicionantes, algumas ceramidas e ceras.40–42 Apesar dos efeitos colaterais, muitas mulheres optam por manter os alisamentos.19,25
As limitações do estudo foram: busca restrita a apenas três bases de dados; busca em apenas dois idiomas; escassez de pesquisas resultando em baixo rigor científico para inclusão de artigos; aceite de diversos desenhos de estudo.
ConclusãoA revisão de dados referentes aos últimos 20 anos, mesmo com limitações, retrata a ocorrência expressiva de alterações em haste capilar e couro cabeludo secundárias aos alisamentos capilares. Inflamação clínica e subclínica do couro cabeludo, danos à haste, perda de cabelo por fratura do fio ficaram evidentes. Os efeitos a longo prazo ainda permanecem desconhecidos.
Os profissionais de saúde, especialmente o médico dermatologista, assim como os profissionais de salões de beleza e seus clientes precisam conhecer os riscos e benefícios desses tratamentos químicos.
A recente norma da Anvisa limita o registro de alisantes, mas não esclarece quanto aos novos “alisantes ácidos”, como o ácido glioxílico.10 Os efeitos dos alisantes ácidos estão em voga especialmente por conta do estudo multicêntrico brasileiro que levantou a hipótese da associação da alopecia frontal fibrosante com procedimentos de alisamento com formol.45
Estudos com rigor científico são necessários para compreender melhor as respostas das estruturas capilares aos agentes químicos, em especial sua relação com o desenvolvimento de alopecias.
Esta pesquisa não recebeu nenhum financiamento específico de agências de fomento públicas, privadas ou sem fins lucrativos.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJoane Nathache Hatsbach de Paula: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; elaboração e redação do manuscrito.
Flávia Machado Alves Basílio: Concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Fabiane Andrade Mulinari‐Brenner: Participação efetiva da orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Hatsbach de Paula JN, Basílio FM, Mulinari‐Brenner FA. Effects of chemical straighteners on the hair shaft and scalp. An Bras Dermatol. 2022;97:193–203.
Trabalho realizado na Departamento de Dermatologia, Complexo Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.