Paciente, 18 anos, sexo feminino, estudante, atendida no ambulatório de dermatologia, queixando‐se de aumento progressivo de lesões no tronco, sem diagnóstico até aquele momento. Sua mãe relatava a existência de três lesões indolores exofíticas desde o nascimento no flanco esquerdo. Progressivamente as lesões aumentaram de tamanho e em número, confluindo e estendendo‐se para a lateral esquerda do tronco. A paciente negava dor ou prurido. Ao exame dermatológico, constatou‐se a presença de múltiplas pápulas e vesículas translúcidas agrupadas medindo entre 2 e 9mm de diâmetro, que confluíam em uma grande placa irregular, de aproximadamente 20cm em seu maior eixo (fig. 1).
A dermatoscopia revelou padrão de lacunas rosas, escamas na superfície da lesão e septos pálidos com conteúdo sero‐hemático, observando‐se no interior de algumas lesões o aspecto hipopio‐símile, cor marrom‐alaranjada na porção superior e vermelho‐violeta na porção inferior (fig. 2).
Foi realizada microscopia confocal; observaram‐se numerosas cavidades escuras na epiderme e derme superficial, com bordas bem delimitadas de alta refração circundando essas cavidades, e no seu interior alguns pequenos pontos brilhantes (fig. 3).
O exame histopatológico mostrou proliferação e dilatação de vasos linfáticos revestidos por uma única camada de células endoteliais, confirmando o diagnóstico clínico (fig. 4).
Os linfangiomas são malformações linfáticas raras.1 Podem ser congênitas ou adquiridas, localizadas ou generalizadas.2 São responsáveis por 4% dos tumores vasculares e 25% dos tumores vasculares benignos na infância.2 A classificação é feita de duas maneiras. A primeira é classificando em simples, cavernosos e císticos – o simples é renomeado como linfangioma circunscrito (LCC).3 A segunda classificação divide em superficiais, que corresponde aos LCC (congênitos) e às linfangiectasias (adquiridos); e os profundos, correspondendo aos linfangiomas cavernosos e o higromas cístico.4 O caso da paciente relatada corresponde à forma mais comum de linfangioma, o LCC.1
O LCC é caracterizado por vesículas translúcidas que em metade dos casos estão presentes ao nascimento. Quando isso não ocorre, normalmente se desenvolvem antes do segundo ano de vida, aumentando de tamanho e número com o passar dos anos.2 Os locais mais acometidos são partes proximais dos membros, flancos, períneo, podendo afetar também as mucosas, incluindo a língua.3 O relato do caso descrito corrobora os achados da literatura, apresentando lesões pouco numerosas desde o nascimento que aumentaram em número ao longo dos anos, no flanco.
Na dermatoscopia, o padrão predominante no LCC é o padrão lacunar, o que auxilia no diagnóstico.2 Essas estruturas lacunares estão presentes em 89% dos casos.5 O caso descrito apresenta o padrão lacunar, e é interessante observar as estruturas hipopio‐símile, essas lacunas bipolares são descritas em apenas 42% dos casos de LCC.5 As escamas, que também estão presentes no relato, são encontradas em apenas 7% dos LCC.5 Outros achados dermatoscópicos que também podem ser identificados são estruturas vasculares e linhas brancas.5 A definição diagnóstica fica completa com a identificação dos vasos linfáticos dilatados de parede fina na histopatologia da lesão.1,2 Esses vasos foram evidenciados no exame anatomopatológico obtido de biopsia cutânea da paciente. Os exames de imagem são importantes para avaliar a profundidade e permitir a definição da melhor proposta terapêutica; o método de escolha, até o momento, é a ressonância magnética, não disponível no caso.2
Na microscopia confocal de refletância (RCM) in vivo é possível observar: 1) numerosas cavidades escuras na epiderme e derme superior, que correspondem às lacunas; 2) bordas bem demarcadas com alta refração ao redor dos espaços escuros, correspondendo aos septos finos; 3) pequenos elementos brilhantes dentro das cavidades, que podem corresponder às células linfoides; 4) ausência de fluxo sanguíneo ou fluxo muito baixo.1 Esses achados coincidem com o que foi identificado na microscopia confocal da paciente do caso; é possível observar as estruturas e correlacionar com o que foi evidenciado na dermatoscopia e histopatologia.
O tratamento de escolha para LCC ainda é excisão cirúrgica, porém se torna limitado em quadros muito extensos, como foi o caso da paciente relatada, em que a lesão apresentava 20cm no seu maior eixo, o que impossibilitava a abordagem cirúrgica.3
O presente artigo relata o quadro de uma paciente com lesão de LCC congênita, de crescimento progressivo, tornando‐se exuberante, e seus achados na microscopia confocal que são pouco descritos na literatura e podem ajudar no diagnóstico não invasivo.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresCamila Schlang Cabral da Silveira: Elaboração e redação do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Renata Miguel Quirino: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Carlos Baptista Barcaui: Elaboração e redação do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Luna Azulay‐Abulafia: Elaboração e redação do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
AgradecimentoOs autores agradecem a professora Maria de Fátima Guimarães Scotelaro Alves pelo auxílio na investigação histopatológica do caso e por ceder as imagens das lâminas do histopatológico da paciente.
Como citar este artigo: Silveira CS, Quirino RM, Barcaui CB, Azulay‐Abulafia L. Confocal evaluation of lymphangioma circumscriptum. An Bras Dermatol. 2024;99:127–9.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.