Tinea capitis é infecção incomum em adultos e acomete predominantemente mulheres e idosos com distúrbios hormonais e imunossupressão. As características clínicas são frequentemente polimórficas e atípicas. Apresentamos um caso de kerion celsi em paciente idosa com diabetes mellitus tipo 2 e menopausa. O diagnóstico foi estabelecido por meio de exame direto e pela identificação de Trichophyton tonsurans em cultura e tipificado por microcultura. O tratamento com prednisona e itraconazol apresentou ótimo resultado. A identificação da apresentação de tinea capitis em adultos ajudará os médicos a evitar atrasos no diagnóstico, a estar cientes dos fatores de risco e a fornecer tratamento precoce para minimizar as sequelas da doença.
Tinea capitis (TC) é infecção incomum em adultos causada por dermatófitos que invadem os folículos pilosos e as hastes dos pelos. Nos últimos anos, houve um aumento da incidência nessa faixa etária, principalmente nos países ocidentais, embora a prevalência apresente diferenças entre os países. No México, Medina et al. (2003) relataram uma taxa de 2,9%. TC é observada com maior frequência em mulheres e idosos. Os fatores envolvidos incluem distúrbios hormonais como menopausa, diabetes mellitus, doenças sistêmicas, imunossupressão, uso de corticosteroides, autoinoculação e transmissão por crianças afetadas. Como as características clínicas podem ser atípicas, isso pode atrasar o diagnóstico e representa um desafio para o médico.1–5
Relato do casoPaciente do sexo feminino, de 54 anos, portadora de diabetes mellitus tipo 2 em tratamento, sem outras condições clínicas ou uso de medicamentos, que não possuía animais de estimação ou filhos. Queixava‐se de lesões iniciadas havia cinco meses com escamas, pústulas, eritema, e couro cabeludo edemaciado e doloroso, com queda difusa dos cabelos. Foi medicada com antimicrobianos orais e creme contendo betametasona, gentamicina e clotrimazol por um mês, sem sucesso. A paciente desenvolveu placas pseudoalopécicas eritematosas, com pústulas e crostas amareladas que afetavam 70% do couro cabeludo (fig. 1), com sensibilidade e edema detectados à palpação. A lâmpada de Wood revelou uma fluorescência esverdeada (fig. 2), o que levou à suspeita de M. canis como agente etiológico; entretanto, havia a possibilidade de ser um resultado falso‐positivo, causado pelos tratamentos tópicos e pela formação de crostas.6 Na tricoscopia foram encontrados pelos em vírgula, pelos fraturados, pontos pretos, descamação perifolicular, eritema, pústulas e crostas amarelas. O exame direto com KOH 20% mostrou a presença de infecção endotrix, e a cultura micológica resultou no crescimento de uma colônia pulverulenta, amarelo‐pálida e crateriforme (fig. 3). A presença de Trichophyton tonsurans foi tipificada por microcultura e sua identidade foi confirmada por análise de sequência de operons de RNA utilizando os primers ITS1‐ITS4. Em virtude do componente inflamatório, foi iniciado tratamento com prednisona 1mg/kg/dia por quatro semanas e itraconazol 200mg/dia por quatro meses e meio, com recuperação quase total do cabelo e poucas áreas remanescentes com cicatrizes (fig. 4).
A raridade da TC em adultos se deve à maior resistência à colonização por dermatófitos em virtude das propriedades fungistáticas do sebo do couro cabeludo, da maturação do folículo piloso e da eficácia do sistema imunológico. Acredita‐se que baixos níveis de estrogênio em mulheres na menopausa, assim como em idosos, causem a involução das glândulas sebáceas e a diminuição da secreção do sebo fungistático. Além disso, as mudanças na espessura da haste do fio de cabelo podem desempenhar um papel na suscetibilidade para ser parasitado. Além disso, as infecções causadas por T. tonsurans podem ocorrer em adultos portadores assintomáticos de dermatófitos antropofílicos e que desenvolvem TC apenas na presença de imunodeficiências ou interrupção dos mecanismos de proteção do couro cabeludo. Fatores sociais também podem estar envolvidos, como frequentar uma creche, ir ao cabeleireiro, cuidar de crianças ou ter animais de estimação.3,7–9
Nos Estados Unidos, Canadá e México, o agente etiológico mais frequente é o T. tonsurans; na África, Índia e Tailândia, é o T. violaceum; e em alguns países europeus, asiáticos e latino‐americanos prevalece o M. canis. As características clínicas dependem do agente causador e da resposta imune do hospedeiro. Geralmente, a TC não causa queda de cabelo permanente, embora isso possa ocorrer como resultado de um processo inflamatório destrutivo na TC profunda. O diagnóstico diferencial pode incluir foliculite bacteriana, foliculite decalvante, celulite dissecante, dermatite seborreica, alopecia areata, psoríase e cicatrizes relacionadas ao lúpus eritematoso.1,2,4,9,10 A paciente do presente relato tinha mais de 50 anos, já havia chegado à menopausa, tinha diabetes mellitus e havia feito uso prévio de corticosteroides tópicos. Todos esses eram fatores de risco para o desenvolvimento de TC.
ConclusãoA baixa suspeição clínica e os tratamentos empíricos inadequados atrasam o diagnóstico e complicam o curso clínico da doença. Portanto, no caso de um paciente adulto ou idoso com alterações inflamatórias na pele do couro cabeludo, mesmo na ausência de áreas de alopecia, deve‐se descartar a infecção por dermatófitos e indagar sobre fatores predisponentes. Proporcionar um tratamento precoce e preciso minimiza as sequelas da doença.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJacqueline Paulina Aguirre Sotelo: Revisão crítica da literatura, elaboração e redação do manuscrito.
Víctor Manuel Tarango Martínez: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito e aprovação da versão final do manuscrito.
Lucio Vera Cabrera: Biologia molecular ‐ identificação do isolado; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.