A foliculite decalvante (FD) é alopecia cicatricial neutrofílica primária que acomete adultos jovens, principalmente homens, com curso tipicamente crônico e recidivante. A patogênese permanece obscura, e as evidências atuais sugerem que em pacientes com predisposição genética há uma interrelação alterada entre a imunidade local e o microbioma (principalmente colonização por Staphylococcus aureus), culminando na estimulação crônica do homing de células T.1,2 Clinicamente, a FD inicia‐se com placas pruriginosas ou dolorosas no vértice, com tufos de cabelos e crostas perifoliculares, causando destruição permanente das células‐tronco foliculares capilares e posterior substituição por tecido fibroso. O tratamento da FD é desafiador, caracterizado por ciclos prolongados de medicamentos e recaídas frequentes após a suspensão.3 Os objetivos terapêuticos devem se concentrar no controle dos surtos e na prevenção da progressão irreversível da alopecia.2
Os autores relatam um caso de FD com extenso envolvimento no couro cabeludo cujo controle somente foi obtido com adalimumabe.
Paciente do sexo masculino, de 39 anos, com história pessoal de asma brônquica e acidente vascular cerebral isquêmico transitório aos 22 anos como complicação de hipertensão renovascular. O paciente foi previamente acompanhado no serviço de Dermatologia do hospital com diagnóstico de FD, com exame histopatológico de biopsia de couro cabeludo compatível com esse diagnóstico (fig. 1). Naquela época, em 2015, além de corticosteroides tópicos e intralesionais, o paciente foi tratado com diversos esquemas de doxiciclina e rifampicina/clindamicina, com melhora clínica inicial; porém com recidivas após a suspensão da medicação. Um ano depois, ele começou a faltar às consultas e perdeu o seguimento. Durante cerca de cinco anos, teve consultas irregulares em consultórios de Dermatologia privada e foi tratado com vários ciclos de doxiciclina e clindamicina. Em novembro de 2021, o paciente regressou à consulta no Departamento, com agravamento clínico; estava bastante sintomático, com dores diárias que afetavam sua qualidade de vida. Ele também mencionou que houve resposta decrescente aos antibióticos orais nos últimos anos. A observação clínica revelou extenso envolvimento do couro cabeludo, com áreas alopécicas cicatriciais múltiplas apresentando lesões inflamatórias ativas nas bordas, caracterizadas por pústulas foliculares, formação de tufos de cabelos e crostas hemorrágicas (fig. 2A, 2B, e 2C). Na tricoscopia havia eritema difuso, além de formação de tufos capilares, pústulas foliculares e escamas perifoliculares (fig. 2D). Os exames laboratoriais foram normais. Iniciou‐se tratamento com isotretinoína e azitromicina por via oral. Após seis meses, diante da ausência de resposta, a medicação foi suspensa e alterada para adalimumabe (regime posológico de 160mg por via subcutânea no dia 1, 80mg a partir do dia 15 e 40mg semanalmente a partir do dia 29). O controle da doença foi alcançado após três meses de terapia. O paciente está em tratamento com adalimumabe há 15 meses; foi observado apenas um agravamento nesse período, resolvido com sucesso com adição de doxiciclina (já suspensa). Na última consulta, o paciente encontrava‐se assintomático, sem lesões ativas aos exames clínico e tricoscópico (fig. 3).
(A) Nos cortes verticais, observa‐se infiltrado linfo‐histiocitário com neutrófilos em distribuição perivascular e perianexial, e fibrose na derme. (B) Nos cortes horizontais, há infiltrado linfo‐histiocitário perifolicular com neutrófilos, principalmente nas zonas superiores do folículo e fibrose interfolicular e perifolicular concêntrica, com ausência de glândulas sebáceas. As colorações pelos métodos do PAS e de Giemsa não evidenciaram microrganismos nessas amostras (Hematoxilina & eosina, 40×[A]; 100×[B]).
O fator de necrose tumoral é uma citocina cujo papel como mediador de processos inflamatórios tem sido amplamente descrito e é comumente encontrado em dermatoses neutrofílicas. A inibição do fator de necrose tumoral‐α com tratamento biológico tem sido utilizada com sucesso em muitas dessas doenças, com resultado positivo.4,5 Este caso ilustra as dificuldades enfrentadas no tratamento da FD e apoia as evidências existentes, baseadas em séries de casos clínicos, em relação à eficácia do adalimumabe no tratamento da FD refratária.6
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJosé Ramos: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
António Magarreiro Silva: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Ana Marta António: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
João Alves: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.