Paciente de 46 anos, sexo feminino, procurou ambulatório de dermatologia com queixa de lesões assintomáticas nas mamas há dez anos. Relatava ganho de aproximadamente 50 kg nesse período e referia ser fumante ativa com carga tabágica de 42 maços‐ano. O exame dermatológico evidenciou lesões eritematosas a violáceas de configuração reticulada em ambas as mamas. Algumas áreas exibiam ulcerações rasas (fig. 1).
O exame histopatológico revelou epiderme retificada e proliferação de pequenos vasos mais intensa na derme superior, estendendo‐se para a derme média sem atipias celulares (fig. 2). A avaliação imuno‐histoquímica foi positiva para CD31 (endotélio vascular) e CD34 (endotélio vascular e dendrócitos dérmicos) e negativa para D2‐40 e HHV‐8 (fig. 3).
- a)
Sarcoma de Kaposi
- b)
Angiossarcoma de baixo grau
- c)
Angiomatose dérmica difusa da mama
- d)
Calcifilaxia
Baseando‐se na correlação clínico‐patológica, fez‐se o diagnóstico de angiomatose dérmica difusa da mama (ADDM). Exames laboratoriais. incluindo FAN, anticoagulante lúpico, anticardiolipina, anti‐beta‐2 glicoproteína, proteínas C e S. foram normais. O exame angiotomográfico excluiu trombose venosa ou arterial. A paciente perdeu 20 kg em um ano e houve regressão completa sem nenhum tratamento medicamentoso ou cirúrgico (fig. 4). Apesar do aconselhamento médico, a paciente não interrompeu o hábito de fumar.
A ADDM é uma entidade pouco descrita que afeta exclusivamente mulheres, geralmente de meia‐idade, obesas, tabagistas e com macromastia.1–3 Clinicamente, as lesões variam de manchas eritematosas reticuladas a placas enduradas envoltas por um eritema opaco. O exame histopatológico demonstra proliferação de células endoteliais entre as fibras colágenas. Pequenos lúmens vasculares formados por células endoteliais fusiformes com citoplasma vacuolizado se formam por toda a derme. Essa característica pode ser mais bem evidenciada pelos marcadores imuno‐histoquímicos CD31 e CD34 (marcadores de células endoteliais).3 Os diagnósticos diferenciais histológicos incluem acroangiodermatite, sarcoma de Kaposi, angiosarcoma de baixo grau e angioendoteliomatose reativa. A negatividade para o HHV‐8 exclui a possibilidade de sarcoma de Kaposi.
A patogênese provavelmente envolve isquemia tecidual que leva a um aumento de fatores de crescimento endotelial e neoangiogênese.4 A causa da isquemia é variável e inclui doenças vasculares periféricas, hipercoagulabilidade, gamopatia monoclonal, arterite de Takayasu e calcifilaxia.2–6 Notadamente, esta paciente e a quase totalidade dos outros casos relatados apresentavam história de tabagismo.4
O manejo da ADDM requer tratamento da causa básica da isquemia tecidual. A investigação para exclusão de causas de isquemia é mandatória. Orientações sobre perda de peso, interrupção do tabagismo e controle de fatores de risco cardiovascular como hipertensão ou hiperlipidemia são essenciais. A terapia medicamentosa inclui o uso de isotretinoína, anticoagulantes, ácido acetilsalicílico, pentoxifilina e corticoides orais, porém as respostas são variáveis.2–7 A cirurgia também é uma opção e existem alguns casos de resolução do quadro após mamoplastia redutora. Destaca‐se que, em alguns casos como o aqui demonstrado, apenas a perda de peso pode ser suficiente para a resolução das lesões, sem a necessidade de medicamentos ou cirurgias.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresBruno de Castro e Souza: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Esio Pessoa Caracas de Souza: Obtenção, análise e interpretação de dados; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Neusa Yuriko Sakai Valente: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica no caso estudado.
José Antonio Sanches: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica no caso estudado.
Conflito de interessesNenhum.