O panitumumabe é anticorpo monoclonal contra o receptor do fator de crescimento epidérmico usado em câncer colorretal metastático. Além das células tumorais, ele atua nos ceratinócitos epidérmicos e na bainha folicular externa e apresenta toxicidade cutânea em até 90% dos casos. Examinamos com microscópio eletrônico de varredura cílios e cabelos de um paciente de 65 anos com tricomegalia de cílios, cabelo ondulado e paroníquia relacionada ao uso de panitumumabe. Encontramos canalículos nas hastes pilares, mais evidentes nos cílios. De modo semelhante aos inibidores orais do fator de crescimento epidérmico (erlotinibe e gefitinibe), o panitumumabe desencadeia pili canaliculi adquirido.
Os inibidores do fator de crescimento epitelial (EGF) são considerados essenciais para o tratamento de diversos tumores epiteliais. Eles entram no rol das terapias‐alvo por atuar em uma via de sinalização específica, e por isso apresentam melhor perfil de efeitos adversos, quando comparados à quimioterapia convencional.1 Os EGF podem ser pequenas moléculas de uso oral, agindo intracelularmente, como o erlotinibe e o gefitinibe, e também imunobiológicos voltados ao receptor em si (EGFR), como o panitumumabe e o cetuximabe. Dentre os efeitos cutâneos, os principais são erupção papulopustular (a mais frequente),2,3 além de prurido, xerose, granuloma piogênico periungueal, tricomegalia nos cílios, espessamento e ondulação dos cabelos.4,5
O panitumumabe é anticorpo monoclonal completamente humano anti‐EGFR usado principalmente no tratamento de câncer colorretal metastático. Entretanto, além da ação nas células tumorais, ele atua em outros tecidos que têm expressão do EGFR, principalemente nos ceratinócitos da camada basal da epiderme e na bainha externa dos folículos pilosos, levando à toxicidade cutânea em até 90% dos casos.6
Embora já existam relatos que descrevam os aspectos ultraestruturais dos cabelos com inibidores orais de EGFR, como gefitinibe7 e erlotinibe,8 não há relatos de análise de microscopia eletrônica desses efeitos nas hastes capilares com anticorpos monoclonais que inibam esse receptor.
Relato do casoAcompanhamos o caso de um paciente do sexo masculino, 65 anos, portador de neoplasia maligna colorretal. Foi realizado tratamento cirúrgico com hemicolectomia e quimioterapia adjuvante. Um ano depois, o paciente iniciou outro esquema de quimioteriapia, em decorrência de metástases hepáticas – esse tratamento não se mostrou efetivo, e então foi iniciado o tratamento com panitumumabe. Após seis meses de tratamento, o paciente apresentou granuloma piogênico periungueal, alteração dos cílios, que se tornaram alongados e retificados, com necessidade de corte por questões estéticas, e o cabelo tornou‐se levemente ondulado e mais áspero ao tato. Foram coletados fragmentos dos cílios e dos cabelos por corte com tesoura para análise in natura com microscópio eletrônico de varredura.
O exame dos cílios demonstrou canais bem desenvolvidos já em médios aumentos (fig. 1); com grandes aumentos, observu‐se desorganização da cutícula, e alguns fios apresentaram mais de um canal (fig. 2). O exame de fios de cabelo em pequenos e médios aumentos mostrou também canais na haste pilar (fig. 3), menos intensos que nos cílios. Grandes aumentos mostraram discreta desorganização da cutícula (fig. 4).
Os achados ultraestruturas encontrados com o uso de panitumumabe são semelhantes aos já descritos com erlotinibe e gefitinibe – canais foram descritos, classificados como pili canaliculi. No caso com erlotinibe, havia clinicamente tricomegalia dos cílios e alteração clínica dos cabelos, que se tornaram bem ondulados; ultraestruturalmente, havia canais e torsões dos fios. No caso relatado de gefitinibe, as alterações eram subclínicas, com discretos canais. O caso aqui investigado apresentou tricomegalia importante dos cílios, com alterações mais discretas dos cabelos tanto clinicamente quanto ao exame ultraestrutural. O panitumumabe prolonga a fase anágena, daí a tricomegalia, com efeitos mais intensos nos cílios.
Esses achados demostram que os aspectos ultraestruturas dos paraefeitos no folículo piloso pela inibição do EGF independe da via de inibição, pois tanto com a inibição intracelular da tirosina quinase feita pelos inibidores orais de pequena molécula quanto a inibição por competição do sítio de ligação do EGFR na superfície celular, feita por meio dos anticorpos monoclonais, produzem alterações ultraestruturas semelhantes.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresDebora Sarzi Sartori: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Antônia Larangeira de Almeida: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Gabriel Santana Pereira de Oliveira: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Hiram de Almeida Jr: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Sartori DS, Almeida AL, Oliveira GS, Almeida Jr HL. Scanning electron microscopy of panitumumab‐induced eyelash and hair alterations – Pili canaliculi. An Bras Dermatol. 2022;97:240–2.
Trabalho realizado na Pós‐Graduação em Saúde e Comportamento da Universidade Católica de Pelotas e na Liga de Dermatologia da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.