Lupus miliaris disseminatus faciei, ou acne agminata, é um distúrbio inflamatório crônico da pele, ainda hoje considerado uma entidade intrigante devido à patogênese em grande parte ainda especulativa. Já foi relacionado a tuberculose, sarcoidose, rosácea e outras doenças granulomatosas, porém é considerado uma entidade independente.
Mulher, 47 anos, apresentava pápulas eritematosas assintomáticas na região central da face havia oito meses, além de edema periocular. Associou‐os ao uso de tinta de cabelo, mas, mesmo com a suspensão, as lesões permaneceram. Sem piora à exposição solar ou qualquer outro fator. Sem sintomas associados, comorbidades ou uso de medicações contínuas.
Ao exame dermatológico, mostrava múltiplas pápulas eritematosas, de 1‐3mm, distribuídas em malares, região frontal e mento. Nas regiões palpebrais, essas pápulas coalesceram e formaram placa, além de discreto edema bilateral (fig. 1). A pele ao redor das pápulas era normal. Sem outras alterações ao exame físico dos demais órgãos e sistemas.
A paciente foi submetida a tratamento prévio em outro serviço com prednisona 40mg/dia por quatro meses, sem resposta. Feita extensa investigação laboratorial (tabela 1) e biópsia das lesões (fig. 2A e 2B).
Exames complementares – painel de investigação
Sorologia para HIV, hepatite B, hepatite C e VDRL |
PTH, cálcio, fósforo, 25‐hidroxivitamina D, cobre, zinco, sódio, potássio |
Hemograma, ferro, ferritina, glicose, triglicerídeos |
Função renal (ureia e creatinina) |
Função tireoidiana (TSH, T4l), FAN |
Função hepática (transaminases, bilirrubinas, fosfatase alcalina) |
Eletroforese de proteínas |
Parasitológico de fezes – três amostras |
PPD |
CD4, CD8, CD3 |
Raio X de tórax |
Nota: Todos os exames dentro dos limites da normalidade.
A, Epiderme sem alterações relevantes. Processo granulomatoso ocupa derme média e profunda. Área de necrose caseosa no centro do processo granulomatoso (Hematoxilina & eosina, 40×). B, Necrose focal e reação granulomatosa com células gigantes (Hematoxilina & eosina, 100×). Pesquisa negativa para bacilos álcool‐ácido resistentes (BAAR) e fungos.
Após biópsia e exame histopatológico de lesão e demais exames complementares, foi proposto então tratamento com minociclina e betametasona tópica.
Qual é o seu diagnóstico?- a)
Rosácea granulomatosa
- b)
Sarcoidose
- c)
Acne agminata
- d)
Tuberculose cutânea
Descrito por Radcliffe‐Crocker em 1903, o lupus miliaris disseminatus faciei, ou acne agminata, é uma rara doença inflamatória crônica granulomatosa da face, de etiologia desconhecida. Acomete principalmente adolescentes e adultos jovens de ambos os sexos.1–3
A acne agminata caracteriza‐se por pápulas e nódulos assintomáticos, de coloração acastanhada ou eritêmato‐amarelada, localizadas principalmente na região central da face, tipicamente sobre e ao redor das pálpebras. Envolvimento extrafacial pode ocorrer. O início é abrupto e costuma regredir espontaneamente em 12 a 24 meses, deixando cicatrizes puntiformes e atróficas.1–3
Histologicamente, é caracterizada por granulomas epitelioides semelhantes à tuberculose, sarcoidose, rosácea granulomatosa, hanseníase ou outras doenças granulomatosas. O padrão pode variar de acordo com o estágio da lesão ‐ lesões precoces são caracterizadas por infiltração inflamatória inespecífica e não granulomatosa; já lesões bem desenvolvidas podem apresentar‐se com granulomas epitelioides com necrose central, sem necrose central (granuloma do tipo sarcoídico) ou com abscesso.4,5
A etiopatogenia permanece desconhecida. Acreditava‐se que fosse manifestação de tuberculose cutânea. No entanto, essa teoria não é mais aceita, pois não foi demonstrado o M. tuberculosis, além de não melhorar com terapia antituberculosa.1,2,6 Muitos autores a consideravam uma variante da rosácea granulomatosa, hipótese também abolida, pois na rosácea há maior predileção pela região malar, associação com eritema difuso, telangiectasias, exacerbação com corticoides e ausência de cicatrizes após resolução.1,3 Pode também assemelhar‐se à sarcoidose, porém essa geralmente apresenta manifestações sistêmicas e laboratoriais e de imagem não encontradas na acne agminata.1–3,6
Devido à falta de conhecimento sobre a etiopatogenia, seu tratamento é desafiador e muitas medicações são descritas como alternativas – dentre elas, dapsona, clofazimina, minociclina, doxiciclina, tetraciclina, prednisona e isotretinoína.2,7,8
Apesar de não haver critérios bem estabelecidos para o diagnóstico dessa doença, concluiu‐se por acne agminata devido à distribuição e às características das lesões sugestivas de doença granulomatosa da face, havendo exclusão dos outros diagnósticos diferenciais após biópsia e demais exames complementares.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresAna Cristina M. Garcia: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ângela Marques Barbosa: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Marilda Aparecida Milanez Morgado de Abreu: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Carlos Zelandi Filho: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Conflitos de interesseNenhum.
Como citar este artigo: Garcia ACM, Barbosa AM, Abreu MAMM, Zelandi Filho C. Case for diagnosis. Eyelid edema and erythematous papules disseminated on the face. An Bras Dermatol. 2020;95:754–6.
Trabalho realizado no Hospital Regional de Presidente Prudente, Universidade do Oeste Paulista, Presidente Prudente, SP, Brasil.