A doença de Paget é um distúrbio raro do complexo aréolo‐mamilar que se caracteriza por lesão eritêmato‐descamativa e frequentemente associada ao carcinoma in situ ou invasivo da mama. É apresentado um caso atípico, exuberante, com evolução de oito anos, sendo ressaltada a importância do diagnóstico precoce.
Paciente do sexo feminino, 64 anos, parda, natural e procedente de Lorena (SP), com “ferida” no mamilo direito havia oito anos. Ao exame, apresentava úlcera fagedênica de cerca de 45cm no maior diâmetro, com bordas eritêmato‐violáceas, infiltradas e irregulares que envolviam desde a mama esquerda, hemitórax direito (onde se observa lesão tumoral e progressão da úlcera) até dorso à direita (fig. 1). Negava histórico familiar e pessoal de câncer da mama. Biópsias incisionais da borda da ulceração e da tumoração evidenciaram neoplasia maligna restrita à epiderme, exulcerada e caracterizada por presença de inúmeras células epidérmicas atípicas, isoladas, de núcleos volumosos e citoplasma claro (fig. 2). O painel imuno‐histoquímico foi negativo para receptores de estrogênio e progesterona e positivo 3+/3 (escore 3+) padrão membrana para c‐erbB‐2 e CK7 (fig. 3).
- a)
Carcinoma espinocelular
- b)
Metástase cutânea de câncer de mama
- c)
Doença de Paget
- d)
Pioderma gangrenoso
A doença de Paget (DP) da mama é doença incomum, representando 0,5%‐5% de todos os carcinomas mamários.1 Ocorre normalmente em mulheres pós‐menopausa.2
Clinicamente, apresenta‐se como lesão eczematoide, eritematosa, com bordas irregulares, geralmente limitada ao mamilo ou estendida à aréola e, em casos avançados, também pode envolver a pele ao redor. Dor ou prurido são frequentes.3
Em 92%‐100% dos casos associa‐se a um câncer da mama subjacente.4,5 Aproximadamente 50% apresentam massa palpável na mama, geralmente associada a carcinoma.3,6 Pacientes que não apresentam massa palpável provavelmente têm carcinoma ductal in situ.7
A biópsia para exame histopatológico e imuno‐histoquímico é o padrão‐ouro para diagnóstico dessa dermatose.8
Histologicamente, o padrão clássico compreende grandes células intraepidérmicas ovais ou redondas com citoplasma claro e amplo, núcleos pleomórficos e hipercromáticos. As células de Paget são mais frequentemente localizadas na região basal da epiderme, em camadas únicas ou como aglomerados de células que formam estruturas semelhantes a glândulas ou ninhos.1,2
O perfil imuno‐histoquímico corrobora o diagnóstico e auxilia na diferenciação com outras entidades, além de esclarecer a célula de origem na DP. As células de Paget são positivas para CK7 em quase todos os casos e não são reativas para CK20. Frequentemente são negativas para os receptores de estrógeno e progesterona, porque os carcinomas subjacentes tendem a ser pouco diferenciados.1,8,9 A oncoproteína c‐erbB‐2 é superexpressa na maioria dos casos de DP da mama (> 90%), o que também foi observado no presente caso. Em muitos pacientes existe correlação entre a positividade da oncoproteína c‐erbB‐2 das células de Paget com o carcinoma intraductal subjacente in situ ou carcinoma invasivo da mama.10
Devido à similaridade clínica da DP com outras dermatoses, o diagnóstico diferencial deve ser feito com dermatite atópica ou de contato do mamilo, doença de Bowen, carcinoma basocelular superficial, melanoma extensivo superficial e psoríase, hipóteses que não se aplicam ao presente caso.6
Como regra geral, em qualquer dermatose crônica do mamilo ou aréola recomenda‐se que a pele seja histologicamente examinada para conclusão diagnóstica.6 O dermatologista e o ginecologista exercem papel fundamental no diagnóstico precoce da DP, podendo modificar o prognóstico dessas pacientes apenas por meio da valoração da queixa e de um exame físico completo.
O presente caso foi encaminhado para seguimento oncológico especializado.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresIsabella Lemos Baltazar: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Flávia Regina Ferreira: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Mariana Galhardo Tressino: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Fernanda da Rocha Gonçalves: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.