O pênfigo é uma doença imunobolhosa rara, crônica e recidivante mediada por anticorpos antidesmogleína, que está associado à morbidade e mortalidade significantes.1 O tratamento de primeira linha atualmente recomendado inclui altas doses de corticosteroides sistêmicos combinados com medicamento poupador de corticosteroides, geralmente azatioprina ou micofenolato mofetil, mas também metotrexato, cloroquina ou sulfona.1 Como a imunossupressão em longo prazo é necessária para o controle adequado da doença, essa terapia está associada a efeitos adversos e complicações graves.1,2
O rituximabe (RTX) é anticorpo monoclonal quimérico anti‐CD20 que induz a depleção de linfócitos B in vivo.1 Esse medicamento é liberado pela Agência Reguladora Brasileira para uso em linfoma não Hodgkin, artrite reumatoide, leucemia linfoide crônica, poliangiite granulomatosa e poliangiite microscópica. No entanto, ele tem sido utilizado no tratamento de pênfigo refratário, embora a experiência de seu uso como medicamento poupador de corticosteroide de primeira linha seja limitada.2
Estudos recentes relataram que o RTX é eficaz no pênfigo vulgar (PV) e no pênfigo foliáceo (PF) refratário como protocolo de baixa dose. Um único ciclo de duas infusões de 500mg de RTX com intervalo de duas semanas levou à remissão completa da doença na maioria dos casos.3,4 Isso representa menos da metade da dose utilizada para doenças reumatológicas e também menor custo da terapia.4 Os pacientes que recidivaram foram tratados com ciclos adicionais de RTX em baixas doses, resultando no controle subsequente da doença.3,4
Apresentamos cinco pacientes com pênfigo: três com PV e dois com PF. Todos foram tratados inicialmente com terapia de primeira linha, mas por apresentarem quadro refratário ou evolução agressiva, foram submetidos ao protocolo com RTX associado ou não à terapia adjuvante. As características dos pacientes, comorbidades e terapia anterior estão descritas na tabela 1. Esse regime de baixa dose consistiu em quatro infusões de RTX 500mg, administradas mensalmente. No entanto, o Paciente 2 interrompeu o ciclo após a segunda dose por questões burocráticas e, como a remissão não foi alcançada, foi proposto novo ciclo no ano seguinte. A remissão da doença significa redução acentuada da gravidade de seus sinais e sintomas, ou seu desaparecimento temporário. O Paciente 5 desenvolveu infecção pulmonar após a segunda dose, interrompendo o tratamento. Todos os pacientes estão em seguimento até o momento. O tempo desde a primeira infusão, intervalo de remissão, recidiva e efeitos adversos estão detalhados na tabela 2.
Características dos pacientes
Paciente | Gênero | Idade | Comorbidade | Diagnóstico | Tempo de evolução (meses) | Terapia anterior |
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1 | Masculino | 63 | Dislipidemia | PV | 84 | CS, AZA |
2 | Feminino | 64 | Hipertensão, diabetes, dislipidemia, hipotireoidismo | PF | 29 | CS, CQ, AZA |
3 | Feminino | 25 | – | PF | 37 | CS, DDS, AZA |
4 | Masculino | 46 | – | PV | 12 | CS, MMF, AZA |
5 | Masculino | 49 | Tuberculose pulmonar anterior | PV | 3 | CS, AZA |
PV, pênfigo vulgar; PF, pênfigo foliáceo; CS, corticosteroides sistêmicos; AZA, azatioprina; CQ, cloroquina; DDS, diamino‐difenil‐sulfona; MMF, micofenolato mofetil.
Desfechos do tratamento com Rituximabe em dosas baixas.
Paciente | Data da 1ª infusão | Final do protocolo | Alcance da remissão (doses/semanas) | Doses recebidas/semanas no protocolo | Tempo livre de doença (meses) | Recorrência (meses) | Efeitos adversos | Medicamentos mantidos |
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1 | Dezembro/2012 | Agosto/2013 | 4/4 | 2/36 | 117 | 38 | – | Corticosteroides tópicos |
2 | Maio/2014 | Agosto/2014 | 3/66 | 3/17 | 99 | 42 | – | Corticosteroides tópicos |
3 | Janeiro/2017 | Abril/2017 | 4/4 | 4/15 | 69 | – | – | – |
4 | Novembro/2017 | Fevereiro/2018 | 4/5 | 4/16 | 58 | – | – | – |
5 | Fevereiro/2018 | Fevereiro/2018 | 2/8 | 2/5 | 57 | – | Pneumonia | – |
Como pode ser observado nessas tabelas, os pacientes alcançaram remissão da doença muito rapidamente após o término do ciclo de RTX. Apenas um paciente apresentou efeito adverso – infecção pulmonar de pequeno grau, que foi tratada. Também foi possível observar a baixa incidência de recorrência e o tempo prolongado de remissão. O Paciente 2, que inicialmente recebeu apenas duas doses de RTX, entrou em remissão quatro semanas após a primeira infusão e permaneceu sem novas lesões por cinco meses. Quatorze meses após a primeira dose, esse paciente recebeu outro ciclo de RTX, após o qual obteve remissão que durou 42 meses. Atualmente apresenta poucas lesões, tratadas apenas com medicamentos tópicos. O Paciente 1 apresentou recidiva discreta da doença após 38 meses, e foi tratado apenas com corticoide tópico.
Como o pênfigo é uma doença rara e o RTX é uma terapia cara, existem poucas séries de casos que demonstrem eficácia e poucos efeitos adversos, e ainda não há evidências sobre a dose ideal e os protocolos de manutenção. Dois estudos sobre RTX em dose baixa no pênfigo utilizaram duas infusões de 500mg com duas semanas de intervalo. O primeiro relatou 15 pacientes com seis recidivas, e o segundo acompanhou nove pacientes com três recidivas que necessitaram de retratamento.3,4 Em um estudo recente, oito pacientes receberam duas infusões de 200mg de RTX com 14 dias de intervalo, o que pode ser considerado dose ultrabaixa de RTX.5
Contudo, algumas observações sugerem que a introdução precoce do RTX é ainda mais benéfica. Um estudo multicêntrico prospectivo com 90 pacientes demonstrou que o RTX associado a baixas doses de corticosteroides como tratamento de primeira linha no pênfigo foi eficaz em alcançar a remissão de maneira mais rápida e duradoura do que em pacientes que iniciaram o tratamento apenas com medicação padrão.2 No entanto, esses resultados não puderam ser observados na presente série de casos, tanto pelo pequeno tamanho da amostra quanto porque o protocolo não pôde ser seguido em todos os cinco pacientes. Na pequena presente série de casos, o RTX utilizado como terapia em baixas doses para pênfigo, associado ou não a corticosteroides sistêmicos e outros agentes imunossupressores, garantiu remissão rápida e duradoura, poupando os pacientes dos riscos potenciais de efeitos adversos do tratamento de primeira linha. Mais estudos são necessários para determinar a melhor dose, a associação com terapia adjuvante, os riscos e custos desse tratamento, que já se mostrou vantajoso para pacientes com pênfigo.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresSandra M. B. Durães: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em condução propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão da literatura e aprovação da versão final do manuscrito.
Nathália R. Santos: Concepção e planejamento do estudo; análise dos dados; elaboração e redação do manuscrito; interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão da literatura e aprovação da versão final do manuscrito.
Clarissa N. Batzner: Concepção e planejamento do estudo; análise dos dados; elaboração e redação do manuscrito; interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão da literatura e aprovação da versão final do manuscrito.
Fernando G. M. Cerqueira: Concepção e planejamento do estudo; análise dos dados; elaboração e redação do manuscrito; interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa e revisão da literatura.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Durães SM, Santos NR, Batzner CN, Cerqueira FG. Use of low‐dose rituximab to treat pemphigus. An Bras Dermatol. 2024;99:791–2.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Antônio Pedro, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil