A esporotricose é micose profunda causada por fungos dimórficos do gênero Sporothrix, usualmente subcutânea e de caráter subagudo ou crônico, mas pode ser sistêmica em casos raros. Ela pode ser classificada em quatro categorias: cutâneo‐linfática (cerca de 75% dos casos), cutâneo localizada (20%), disseminada e extracutânea.1,2
As lesões cutâneas tipicamente surgem no sítio de inoculação e são consideradas micose de implantação, adquiridas principalmente ao manejar plantas e/ou solo infectado ou por traumas por animais infectados.1,2
A lesão tem início com pápula inflamatória, evoluindo para nódulo ou goma que ulcera; posteriormente, nas manifestações cutâneo‐linfáticas, surgem pápulas e nódulos ao longo de um ou mais cordões linfáticos próximos à lesão inicial.
Nas últimas duas a três décadas, no Brasil, a esporotricose se difundiu zoonoticamente por meio da espécie Sporothrix brasilienses, que é a espécie mais encontrada em gatos domésticos, atualmente os principais vetores da doença no país.1,2Sporothrix brasilienses está associado a reações de hipersensibilidade e manifestações atípicas da esporotricose, como artrite, eritema nodoso, eritema multiforme e síndrome de Sweet (SS).1–3A SS é dermatose reacional rara que se apresenta tipicamente com lesões cutâneas dolorosas assimétricas do tipo pápulas, nódulos ou placas eritematosas/eritemato‐violáceas, frequentemente chamadas de pseudo‐vesículas em virtude do aspecto visual à inspeção – porém, ao palpá‐las, percebe‐se a consistência papular. Também é chamada de dermatose neutrofílica febril aguda, pois é usual a presença de febre e neutrofilia na apresentação clínica. Histopatologicamente, a SS sempre se apresenta com infiltrado inflamatório neutrofílico denso na derme papilar.4
Examinamos uma paciente de 51 anos que teve contato com gato doméstico, sacrificado por esporotricose. A paciente refere que cuidou do gato, porém nunca foi arranhada ou mordida pelo animal.
Duas semanas após a morte do mesmo, a paciente apresentou pústula na coxa (fig. 1A), tratada com neomicina tópica, que evoluiu para lesão ectimoide (fig. 1B). Alguns dias depois, iniciou com lesões disseminadas, com aspecto pseudovesicular (fig. 2) acompanhadas de artralgia, que dificultavam bastante a deambulação. Com a suspeita de SS associada a esporotricose, dada a história de exposição ao gato e sem uso de medicamentos que a pudessem causar, foi iniciado itraconazol oral, 100mg/dia e prednisona 40mg/dia. Foi coletada cultura da lesão ectimoide, que resultou positiva para Sporothrix sp. (fig. 1C). O exame histopatológico da biopsia da lesão inflamatória do dorso mostrou edema marcado da derme superficial associado a infiltrado linfocitário e neutrofílico com extravasamento de hemácias. Ausência de espongiose ou de dano vacuolar (figs. 3 e 4).
Houve regressão rápida da dor e das lesões inflamatórias. O corticoide foi suspenso em 7 dias, e o tratamento foi completado com antifúngico por 90 dias, com resolução completa da lesão.
Este relato documenta bem a intensa reação de hipersensibilidade em caso bem localizado de lesão única de esporotricose. Em série de dez casos associados à SS,3 nove eram de formas localizadas, como no presente caso. A associação dessa reação de hipersensibilidade com outras micoses profundas também já é bem estabelecida, como histoplasmose,5 coccidioidomicose e até micobacterioses.6
Este caso é peculiar pela intensa reação associada à forma oligossintomática de esporotricose; outro aspecto interessante neste caso é a lesão pustulosa inicial, provavelmente sem trauma de inoculação.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresHiram Larangeira de Almeida Jr: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Augusto Scott da Rocha: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Lilian Müller: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo, elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ana Letícia Boff: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.