Em virtude do potencial de malignização e adjacência à mucosa fotoprotegida, a queilite actínica (QA) representa o arquétipo da atividade do campo de cancerização cutâneo (CCC), modelo oportuno para pesquisa da carcinogênese in anima nobile.1 Portanto, lemos com interesse o artigo de Varela et al. que explorou a expressão da 8‐hydroxy‐2’‐deoxyguanosina (8‐OHdG) em QA, concluindo estar associada a sua patogênese.2 Gostaríamos de parabenizar os autores; entretanto, alguns comentários ligados à generalização dos resultados são imprescindíveis.
A pesquisa de marcadores histológicos de atividade do CCC é relevante em sua caracterização, entendimento da patogênese e por servir como desfecho na prospecção terapêutica. Até o momento, nenhum marcador com alta performance foi identificado; contudo, a expressão do p53, Ki67, detecção de dímeros de ciclobutano‐timidina e grau de displasia epitelial são os mais estudados.3,4
Ao passo que as radiações ultravioleta induzem estresse oxidativo no epitélio e antioxidantes tópicos reduzem a atividade do CCC, marcadores de dano oxidativo no DNA são candidatos para a caracterização da atividade do CCC.5 A expressão de 8‐OHdG é rapidamente aumentada no epitélio exposto ao sol, permanecendo dias após uma dose de radiação; entretanto, pode também ser induzida por outros danos oxidativos, como tabagismo e inflamações subjacentes.
A pele humana é órgão de interação com o meio‐ambiente e desenvolveu, evolutivamente, mecanismos de reparo ao DNA, apoptóticos e antioxidantes. Sua falência justifica a maior incidência de neoplasias em síndromes (p. ex., xeroderma pigmentoso), imunossuprimidos e em idosos. Lábios inferiores são expostos cronicamente ao sol, justificando a expressão regular de marcadores de dano oxidativo. Contudo, nesse estudo, não foi incluído grupo controle com lábios saudáveis fotoexpostos, tampouco foi amostrada mucosa fotoprotegida, o que favoreceria a avaliação comparativa desses padrões de expressão da 8‐OHdG.
A falta de associação entre escore histológico de 8‐OHdG com grau de displasia da QA ou tabagismo não corroboram a expectativa de gradiente biológico. Ademais, a expressão de 8‐OHdG na QA, ainda que intensa, não permite inferir que esteja envolvido causalmente no processo etiopatogênico, ou que seja subproduto do epitélio com mecanismos antioxidantes disfuncionais.
Por fim, as expressões nuclear e citoplasmática do 8‐OHdG devem ser analisadas separadamente, visto que o dano ao DNA mitocondrial induz autofagia, enquanto o dano nuclear é potencialmente carcinogênico. Apesar de os autores declararem haver casos predominantemente nucleares e outros citoplasmáticos, não houve análise diferencial, o que dificulta a interpretação desses resultados.
Portanto, a conclusão sobre a participação da 8‐OHdG na patogênese da QA deve ser interpretada com cautela.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresIvanka Miranda de Castro Martins: Idealização do estudo, escrita e aprovação do texto final.
Anna Carolina Miola: Idealização do estudo, escrita e aprovação do texto final.
Luiz Eduardo Fabrício de Melo Garbers: Idealização do estudo, escrita e aprovação do texto final.
Hélio Amante Miot: Idealização do estudo, escrita e aprovação do texto final.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Martins IMC, Miola AC, Garbers LEFM, Miot HA. Aspects related to the inference of causality in cross‐sectional studies. Comments on: “8‐Hydroxy‐2’‐deoxyguanosine protein immunoexpression is associated with the pathogenesis of actinic cheilitis”. An Bras Dermatol. 2024;99:793–4.
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina, Universidade Estadual de São Paulo, Campus Universitário de Rubião Jr., Botucatu, SP, Brasil.