Aspergillus é fungo saprofítico onipresente na natureza comumente encontrado na água do solo e na vegetação em decomposição. Os patógenos humanos mais comuns incluem Aspergillus fumigatus (85%), A. flavus (5%‐10%) e A. niger (2%‐3%).1
A aspergilose geralmente ocorre em hospedeiros imunocomprometidos. A aspergilose cutânea primária (ACP) é infecção fúngica rara e invasiva da pele, mas potencialmente fatal, causada por Aspergillus. Em virtude da heterogeneidade dos aspectos clínicos, o índice de suspeição deve ser alto em pacientes imunossuprimidos.1
A literatura está repleta de relatos de ACP, porém não há um único caso relatado tratado com terbinafina em monoterapia.
Paciente masculino, de 74 anos, apresentou‐se para avaliação de tumoração na perna direita com evolução de um ano. Estava em tratamento com tacrolimus, prednisona e micofenolato mofetil desde 2012 em decorrência de transplante renal. O paciente negou trauma anterior, mas apresentava úlcera venosa tórpida no local. O exame físico revelou nódulos subcutâneos violáceos e cor da pele com ulceração superficial no terço inferior da perna direita (fig. 1). Foi realizada biopsia de pele, e as amostras foram enviadas aos laboratórios de patologia e microbiologia.
A amostra de pele mostrou hifas septadas anguladas e vesiculação (fig. 2A). Essas estruturas correspondiam ao crescimento de colônias compostas por A. fumigatus (fig. 2B‐C). Foram realizadas hemoculturas, teste de antígeno galactomanana e tomografia computadorizada de tórax e abdome. Os resultados de todos os testes foram negativos. Após afastar envolvimento sistêmico, o paciente foi definitivamente diagnosticado com ACP.
Exames complementares. (A) Histopatologia de pele. Coloração de Grocott (40×). Hifas septadas, com angulação, vesiculação e pseudo‐hifas. (B) Cultura microbiológica de amostra de pele em ágar dextrose. Colônias com porção central verde‐azulada circundada por borda espumosa esbranquiçada. (C) Microscopia de cultura microbiológica corada com azul de lactofenol. Hifas hialinas septadas com formas de reprodução típicas de Aspergillus fumigatus: cabeças aspergilares, com conidióforos lisos e regulares, e vesículas em forma de bastão, recobertas em seu terço superior por fiálides unisseriadas, originando conídios lisos e globosos.
Foi iniciado isavuconazol oral, mas o mesmo foi suspenso em virtude de elevação importante dos níveis plasmáticos de tacrolimus. Subsequentemente, o paciente iniciou terbinafina 250mg/24h. As lesões desapareceram, deixando apenas hiperpigmentação residual após três meses de tratamento (fig. 1). Duas culturas negativas com intervalo de três meses confirmaram a resolução da infecção.
Atualmente, existem quatro classes de agentes antifúngicos com atividade contra Aspergillus: 1) os polienos, como o desoxicolato de anfotericina B e a nistatina; 2) os triazóis, incluindo itraconazol, voriconazol, isavuconazol; 3) as equinocandinas, como a caspofungina e a micafungina; e 4) as alilaminas, como a terbinafina.2
Até o início da década de 1990, o desoxicolato de anfotericina B era o único agente disponível para o tratamento dessa infecção. Entretanto, a toxicidade significante associada a esse agente tornaram‐no menos atraente com a introdução de agentes mais novos, como os triazóis e as equinocandinas, que são muito melhor tolerados.2
Entre esses, o isavuconazol provou ser superior em termos de resposta, toxicidade e sobrevida global.2 No entanto, descobriu‐se que os triazóis têm efeitos inibitórios no citocromo hepático P450.3 A inibição do citocromo P450 pode produzir elevação importante dos níveis plasmáticos de medicamentos que são metabolizados por essa via e pode causar toxicidade significante, como ocorreu com o tacrolimus que o presente paciente estava fazendo uso.
Os outros antifúngicos classicamente eficazes contra A. fumigatus também poderiam ter causado efeitos colaterais no presente paciente. O desoxicolato de anfotericina B é altamente nefrotóxico e pode ter aumentado a nefrotoxicidade em um receptor de transplante renal.2 Por outro lado, o uso de caspofungina junto com tacrolimus pode ter diminuído os níveis plasmáticos de tacrolimus,4 aumentando o risco de perda do transplante renal.
Embora seja bem conhecido há anos que a terbinafina é eficaz in vitro na aspergilose, não há casos publicados que tenham demonstrado clinicamente sua eficácia in vivo. É importante ressaltar que, em virtude de sua baixa penetração nos tecidos profundos, a terbinafina é quase exclusivamente indicada para infecções de pele e unhas.2 Schmitt et al. demonstraram que concentrações entre 0,8‐1,6μg/mL de terbinafina são suficientes para atingir a concentração inibitória mínima e concentração fungicida mínima (CIM e CFM) contra A. fumigatus em estudo in vitro.5 Como relatado em seu folheto informativo, uma dose única de 250mg de terbinafina (dose padrão comercializada) é capaz de atingir concentração sérica de 0,8 a 1,5μg/mL 2 horas depois da ingestão.6 A terbinafina também pode apresentar excelente penetração, do sangue até a pele, de acordo com sua farmacocinética.2 Como a concentração de terbinafina atingida no plasma é muito semelhante à CIM do Aspergillus, a terbinafina em monoterapia demonstra boa atividade contra Aspergillus spp. na pele.6
Embora sejam necessárias investigações adicionais, este caso específico evidencia que a ACP pode ser tratada com sucesso com o uso da terbinafina.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJuan Manuel Morón Ocaña: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Isabel María Coronel Pérez: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Elena‐Margarita Rodríguez Rey: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.