A Dermatologia é uma especialidade eminentemente ambulatorial. As hospitalizações são incomuns; no entanto, podem trazer impactos importantes sobre a morbimortalidade. Existem poucos estudos sobre as taxas de hospitalização e mortalidade por doenças dermatológicas, principalmente no Brasil.1,2
Em meio à pandemia por COVID‐19, várias especialidades médicas relataram que os pacientes vêm adiando suas consultas de rotina e de acompanhamento. Esse comportamento tem levado os pacientes a procurarem atendimento apenas quando atingem estado grave.3–6
Até o momento, não há relatos publicados sobre como a pandemia mudou esse cenário na Dermatologia no Brasil. O objetivo deste estudo ecológico foi investigar hospitalizações e óbitos por doenças dermatológicas no período pandêmico da COVID‐19, comparando os achados de letalidade com aqueles relacionados ao período de cinco anos que antecedeu a pandemia. A hipótese é que a letalidade por doenças dermatológicas tenha aumentado em 2020 em relação a 2015‐2019 no Brasil.
Os dados oficiais de morbidade hospitalar são disponibilizados pelo Departamento de Tecnologia da Informação do Sistema Único de Saúde (DATASUS – www.datasus.saude.gov.br), por meio do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), o qual descreve as internações de todos os hospitais públicos, que representa mais de 75% do total de internações (públicas e privadas) no Brasil.
A tabela 1 resume internações e óbitos por doenças dermatológicas entre março e agosto (seis meses) de 2015 a 2019 e nos mesmos meses de 2020. A partir desses dados foi possível obter as taxas de letalidade hospitalar, bem como os riscos relativos de letalidade em 2020 (comparados a 2019).
Taxas de hospitalização e mortalidade por doenças dermatológicas no Brasil em março e abril (2015 a 2019) em comparação com os mesmos meses de 2020, no contexto da pandemia de COVID‐19
Códigos e descrições CID‐10 | Hospitalizações em março a agosto (A) | Mortes em março a agosto (B) | Letalidade(B)×100/(A) | Risco relativo(IC 95%) | Valor de p para o risco relativo | |||
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2015 a 2019 (média) | 2020 | 2015 a 2019(média) | 2020 | 2015 a 2019(média) | 2020 | |||
C43‐C44; D22‐D23 Neoplasias cutâneas | 28.865 | 21.926 | 485 | 508 | 1,68 | 2,32 | 1,38 (1,22;1,56) | <0,001 |
--C43‐C44 Melanoma e outras neoplasias malignas da pele | 24.293 | 19.929 | 484 | 506 | 1,99 | 2,54 | 1,27 (1,13;1,44) | <0,001 |
--D22‐D23 Neoplasia benigna da pele | 4.572 | 1.997 | 1 | 2 | 0,02 | 0,10 | 4,58 (0,42;50,5) | 0,172 |
L00‐L99 Doenças da pele e tecido subcutâneo | 131.325 | 90.182 | 2.004 | 1.947 | 1,53 | 2,16 | 1,42 (1,33;1,51) | <0,001 |
--L00‐L08 Infecções da pele e tecido subcutâneo | 46.725 | 35.034 | 506 | 514 | 1,08 | 1,47 | 1,36 (1,19;1,53) | <0,001 |
--L00‐L09 Outras doenças da pele e tecido subcutâneo | 84.601 | 55.148 | 1.498 | 1.433 | 1,77 | 2,60 | 1,47 (1,37;1,58) | <0,001 |
Total | 160.191 | 112.108 | 2.489 | 2.455 | 1,55 | 2,19 | 1,41 (1,33;1,49) | <0,001 |
Nota: Os valores de p para riscos relativos associados às taxas de letalidade foram obtidos com base na distribuição Qui‐Quadrado (software Stata/SE versão 12.0 para Mac, comando csi).
Houve aumento em todas as taxas de letalidade dermatológica em relação à média de março e abril dos anos de 2015 a 2019, exceto para neoplasia benigna da pele (p=0,214). Exceção feita a essa doença, para todas as demais a hipótese do presente estudo foi confirmada. Ademais, riscos relativos de letalidade hospitalar dermatológica variaram de 1,27 a 1,47 (p <0,001), indicando letalidades entre 27% a 47% superiores nos primeiros seis meses de 2020 comparados aos mesmos seis meses de 2015 a 2019.
Como limitações do estudo, há a falta de estratificação das doenças dermatológicas nos dados, em decorrência da maneira como as doenças são tabuladas no DATASUS, com muitos CIDs genéricos. Há, ainda, a possibilidade de problemas de registro de CID e de grande número de casos indeterminados entre os registros.
A Dermatologia apresenta doenças de alta morbimortalidade, como pênfigos, farmacodermias, doenças autoimunes, algumas infecções e cânceres. Elas não podem ser negligenciadas, mesmo durante a emergência da COVID‐19. Somente o estudo sistemático individualizado de óbitos por doenças dermatológicas durante a pandemia de COVID‐19 pode corroborar a hipótese levantada no presente estudo. Entretanto, os resultados refletem a importância da assistência especializada, hospitalar, no cuidado de dermatoses graves. Assim, é importante que os pacientes de maior gravidade sejam acompanhados, mesmo a distância.
Como em outras especialidades, um efeito colateral da crise de saúde pública causada pela COVID‐19 é o atraso no diagnóstico de doenças, muitas vezes decorrente do medo de contrair o SARS‐CoV‐2 em ambientes de saúde. O adiamento da procura de atendimento pode piorar a saúde geral dos pacientes, levando à morte. No Brasil, um fator adicional que pode fomentar esse comportamento é o desgaste sem precedentes do sistema de saúde, devido às necessidades impostas pelo grande número de pacientes atendidos com COVID‐19.7
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresVanessa Barreto Rocha: Concepção e desenho do estudo; levantamento dos dados; análise e interpretação dos dados; redação do artigo e revisão crítica; aprovação final da versão a ser enviada.
Claudia Cristina de Aguiar Pereira: Concepção e desenho do estudo; levantamento dos dados; análise e interpretação dos dados; revisão crítica; aprovação final da versão a ser enviada.
Leticia Arsie Contin: Concepção e desenho do estudo; levantamento dos dados; análise e interpretação dos dados; revisão crítica; aprovação final da versão a ser enviada.
Carla Jorge Machado: Concepção e desenho do estudo; levantamento dos dados; análise e interpretação dos dados; revisão crítica; aprovação final da versão a ser enviada.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Rocha VB, Pereira CCA, Contin LA, Machado CJ. Case‐fatality and hospitalization rates for dermatological diseases in Brazil in the context of the COVID‐19 pandemic. An Bras Dermatol. 2021;96:365–6.
Estudo realizado na Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.