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Vol. 98. Núm. 3.
Páginas 410-414 (1 maio 2023)
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Vol. 98. Núm. 3.
Páginas 410-414 (1 maio 2023)
Carta ‐ Dermatopatologia
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Síndrome de Blue Rubber Bleb Nevus e glomangioma múltiplo: relato de dois casos destacando a importância da histopatologia
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Elsa Stella Mosquera‐Belalcazara, Aline Alves Dominguesa, Alessandra Coppinia, Laura Luzzattob, Ana Elisa Kiszewskia,c,d,
Autor para correspondência
kiszewski@gmail.com

Autor para correspondência.
a Serviço de Dermatologia, Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
b Departamento de Patologia, Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
c Departamento de Medicina Interna, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
d Unidade de Dermatologia Pediátrica, Serviço de Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, Brasil
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Prezado Editor,

A síndrome de Blue Rubber Bleb Nevus (BRBNS) é caracterizada por múltiplas malformações venosas que afetam frequentemente a pele e o trato gastrintestinal, em alguns casos, produzindo sangramento intestinal e anemia por deficiência de ferro.1 A BRBNS está associada à herança autossômica dominante e afeta igualmente homens e mulheres.2 Os glomangiomas originam‐se de células musculares perivasculares modificadas, afetam mais o gênero masculino e apresentam padrão de herança autossômico dominante.3

Relatos dos casosCaso 1

Paciente do sexo feminino, 11 anos, com história de lesões azuladas no lóbulo da orelha direita e coxa esquerda desde o nascimento. Os pais relataram aumento progressivo no tamanho das lesões ao longo dos anos e o aparecimento de novas lesões semelhantes. Ao exame clínico, apresentava lesão violácea na coxa esquerda com discreto abaulamento à palpação, medindo 4×1 cm, pápula violácea no lóbulo da orelha direita medindo 1,5×1 cm, discretas manchas violáceas na região lombar e pequena mancha violácea no ombro direito medindo 0,5 cm (fig. 1). Paciente com diagnóstico de doença renal policística e em acompanhamento com nefrologista. Ecocardiograma com Doppler de coxa esquerda mostrou lesão hipervascular com fluxo predominantemente venoso, sem sinais de fístula arteriovenosa. A angiotomografia de crânio mostrou ectasia de veias corticais nas regiões parietais. A biópsia da lesão em região dorsal evidenciou espaços capilares dérmicos dilatados, positivos para CD34 na imuno‐histoquímica; esses achados são compatíveis com BRBNS (fig. 2). Colonoscopia e endoscopia do trato digestivo alto estavam inalteradas.

Figura 1.

Síndrome de Blue Rubber Bleb Nevus. Pápula violácea no lóbulo da orelha direita e lesão violácea na coxa esquerda com discreto abaulamento à palpação.

(0.3MB).
Figura 2.

Síndrome de Blue Rubber Bleb Nevus. Espaços capilares dilatados, limitados por fina camada de células endoteliais. (A) Hematoxilina & eosina, 40×. (B) Hematoxilina & eosina, 100×. (C) Hematoxilina & eosina, 400×. (D) Imuno‐histoquímica positiva para o anticorpo CD34, evidenciando o endotélio vascular (400×).

(1.05MB).
Caso 2

Paciente do sexo feminino, 13 anos, hígida, encaminhada ao Serviço de Dermatologia para avaliação de lesão vascular multifocal na região cervical, presente desde o nascimento. Referia aparecimento recente de novas lesões na face e coxa direita (fig. 3). A angiotomografia da região cervical mostrou a presença de um grupo de pequenos vasos com distribuição subcutânea semilunar na região cervical lateral, além de grandes vasos com diâmetros e trajetos normais. O estudo anatomopatológico da lesão da coxa direita evidenciou pele com proliferação vascular mal circunscrita, com espaços vasculares dilatados e presença de células glômicas revestindo o endotélio. O estudo de imuno‐histoquímica foi positivo para actina de músculo liso, caldesmon e negativa para CD34, desmina e S100 (fig. 4). Os achados histopatológicos associados ao estudo imuno‐histoquímico foram compatíveis com o diagnóstico de glomangioma.

Figura 3.

Glomangiomas. Múltiplas lesões vasculares na região cervical e uma única lesão palpável na coxa direita.

(0.3MB).
Figura 4.

Glomangioma. Espaços vasculares dilatados e presença de células glômicas revestindo o endotélio. (A) Hematoxilina & eosina, 100×. (B) Hematoxilina & eosina, 400×. (C) Imuno‐histoquímica positiva para actina de músculo liso (SMA, 400×). (D) Imuno‐histoquímica positiva para Caldesmon (Caldesmon, 400×).

(1.07MB).
Discussão

BRBNS, também conhecida como síndrome de Bean, é afecção rara em que múltiplas malformações vasculares costumam surgir na pele e no tubo digestivo e que também podem afetar outros órgãos, como coração, fígado, baço, olhos, sistema nervoso central, pulmão, bexiga, tireoide e parótida. As lesões surgem com maior frequência na pele e no intestino delgado, podendo levar a sangramento digestivo e anemia ferropriva. As lesões podem estar presentes ao nascimento, porém costumam aumentar em tamanho e número durante a vida.1,4,5 Os glomangiomas se originam dos corpos glômicos junto ao sistema venoso. As células glômicas são células musculares lisas modificadas importantes na regulação da temperatura corporal.6 Em geral, os glomangiomas se apresentam com lesões múltiplas que podem estar presentes ao nascimento ou surgir posteriormente, durante a infância. As lesões não costumam afetar a região subungueal e podem afetar órgãos sistêmicos. Antes do resultado anatomopatológico, a BRBNS costuma ser o diagnóstico mais frequentemente considerado.3 Além disso, é importante considerar outros diagnósticos diferenciais para glomangioma múltiplo, como hemangiomas, malformações venosas e síndrome de Maffucci.1

Em ambos casos as lesões primárias são descritas como pápulas azuladas com aparência vascular e tamanhos variados. Ambos os tipos de lesões tendem a ser indolores, porém lesões dolorosas não são incomuns. Os glomangiomas podem ser dolorosos durante a gravidez e o período menstrual.4 Além disso, as lesões têm ampla distribuição cutânea, podendo afetar face, tronco ou extremidades nas duas doenças.3,6,7 Uma consideração importante é que os glomangiomas múltiplos afetam principalmente a pele, enquanto na BRBNS o envolvimento da pele e do trato gastrintestinal é muito comum.8

Herança autossômica dominante também foi demonstrada em ambas enfermidades.1,6 No caso da BRBNS, está ligada a mutações somáticas no gene TEK, que codifica a proteína TIE2, um receptor de membrana do tipo tirosina quinase para angiopoietinas (fatores de crescimento vascular) presentes nas células endoteliais. As malformações multifocais como a BRBNS são predominantemente causadas por duas mutações somáticas no mesmo alelo do gene TEK.1 No caso dos glomangiomas, foi descrito padrão autossômico dominante com penetrância incompleta e expressão variável causados por mutação no gene da glomulina (GLMN) localizado no cromossomo 1p21‐p22.6,9

Na histopatologia, espaços vasculares dilatados e a presença de células glômicas revestindo o endotélio são exclusivos de glomangiomas, juntamente com características imuno‐histoquímicas positivas para SMA (marcador de proteína relacionada à actina presente no músculo liso), caldesmon (marcador de proteína relacionadas à actina e à calmomodulina presentes no músculo liso) e miosina (marcador de proteína presente nos músculos), o que confirma a natureza muscular dessas células. A imuno‐histoquímica para esses marcadores é negativa na BRBNS. Nesta última, é possível identificar espaços capilares dilatados irregulares circundados por uma fina camada de células endoteliais (que são positivas para CD34) na derme ou tecido adiposo subcutâneo.6,7

O diagnóstico da BRBNS é confirmado pelo exame histopatológico e imuno‐histoquímico. Uma ampla gama de terapias está descrita, desde conduta expectante até excisão cirúrgica, terapia a laser, escleroterapia das lesões e rapamicina sistêmica. O tratamento irá variar de acordo com os sintomas, o envolvimento de órgãos e o surgimento de complicações no decorrer da doença, levando em consideração que pacientes com sangramento gastrintestinal leve podem ser tratados de maneira conservadora com suplementos de ferro e transfusões. Por outro lado, pacientes com maior comprometimento devem iniciar o tratamento sistêmico com o sirolimus, que atua inibindo a angiogênese e tem mostrado bons resultados.2,7,10 Já os tratamentos descritos para o glomangioma envolvem excisão cirúrgica, laser terapia e escleroterapia das lesões ou tratamento expectante.7,8

As semelhanças clínicas entre essas duas afecções e a falta de estudo anatomopatológico podem levar a diagnóstico incorreto e, consequentemente, a tratamento inadequado.3 Deve‐se notar que uma abordagem terapêutica multidisciplinar é recomendada em pacientes com esses diagnósticos.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Elsa Stella Mosquera‐Belalcazar: Elaboração e redação.

Aline Alves Domingues: Revisão da literatura e redação.

Alessandra Coppinni: Revisão da literatura e redação.

Laura Luzzatto: Participação efetiva na orientação dos dados; aprovação da versão final.

Ana Elisa Kiszewski: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica do manuscrito e aprovação da versão final.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Mosquera‐Belalcazar ES, Domingues AA, Coppini A, Luzzatto L, Kiszewski AE. Blue rubber bleb nevus syndrome and multiple glomangiomas: report of two cases highlighting the importance of the histological analysis. An Bras Dermatol. 2023;98:419–23.

Trabalho realizado na Unidade de Dermatologia Pediátrica, Serviço de Dermatologia, Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

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Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
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