Paciente de 57 anos, feminina, branca, com diagnóstico prévio de hipertensão arterial em uso de losartana e leucemia mieloide aguda havia um ano. Fez quimioterapia com daunorrubicina por três meses e fazia manutenção com ácido transretinoico 70mg no momento da consulta. Procurou o serviço de dermatologia devido a lesões dolorosas e pruriginosas no couro cabeludo, que haviam surgido 20 dias antes, com início precedido por ardor local (fig. 1). As hipóteses diagnósticas aventadas foram de metástase cutânea, linfoma cutâneo de células‐T e farmacodermia. Foi feito exame anatomopatológico que demonstrou denso infiltrado difuso de células linfocíticas, células atípicas e grandes, quatro a cinco vezes o tamanho habitual dos linfócitos maduros, com formatos bizarros e núcleos convolutos na derme superficial, intermédia e profunda, com extensão à hipoderme, poupou a epiderme (fig. 2). Estudo imuno‐histoquímico da lesão evidenciou positividade difusa de CD43 em 80% das células do infiltrado celular, mieloperoxidase positivo difuso em mais de 90% das células, Ki67 positivo em cerca de 30% das células e granzima, alk1, CD3, CD20 e CD30 negativos (fig. 3). Assim, firmou‐se diagnóstico de sarcoma mieloide. Após o término da quimioterapia, a paciente apresentava remissão total das alterações hematológicas; porém, como mantinha lesões em couro cabeludo, optou‐se por retratamento com radioterapia. Contudo, as lesões se mantiveram inalteradas e a paciente evoluiu com recaída da leucemia mieloide, com novo protocolo quimioterápico iniciado pela equipe de hematologia.
Aumento da lente:×40. Imuno‐histoquímica: positividade difusa de TCD4 em 80% das células do infiltrado linfocitário, positividade focal de 40% de células TCD3, mieloperoxidase positivo difuso em mais de 90% das células, TCD8 positivo em cerca de 30% das células, CD79 positivo em raras células linfoides da derme, Ki67 positivo em cerca de 30% das células.
O sarcoma mieloide, cloroma ou sarcoma granulocítico é definido pela Organização Mundial da Saúde como um tumor sólido constituído de mieloblastos de ocorrência em um sítio anatômico que não seja a medula óssea. Portanto, deve ser lembrado como diagnóstico diferencial de qualquer infiltrado celular atípico.1 Além disso, trata‐se de um tumor raro, com incidência de 2:1.000.000 de habitantes e de difícil diagnóstico. Essa doença tem forte associação com doenças mieloproliferativas, principalmente com a leucemia mieloide aguda, pode ser primeira manifestação da doença em 5% dos casos. As manifestações cutâneas apresentam‐se mais frequentemente como nódulos endurecidos, violáceos, com base purpúrica, com cerca de um a 2,5cm de diâmetro e mais raramente como placas, máculas eritematosas, bolhas e úlceras, pode ainda apresentar‐se como rash eritematoso num padrão polimórfico. É mais comum apresentar‐se como uma lesão solitária em locais como tecidos moles, ossos, peritônio e linfonodos.2 No caso relatado, a lesão apresentou‐se no couro cabeludo, local raro de ocorrência da doença. Estudos demonstram que a incidência de lesões na cabeça e pescoço é entre 12% a 48%.
O diagnóstico é feito por meio de biópsia com estudo anatomopatológico e imuno‐histoquímico, demonstra infiltração por mieloblastos. O diagnóstico pela imuno‐histoquímica se dá, principalmente, pela positividade para o corante de Leder, para os antígenos lisozima e para antígenos mieloperoxidase. A biópsia de medula e o mielograma devem ser feitos para excluir outras doenças hematológicas malignas. Muitos dos pacientes acometidos pelo sarcoma mieloide são erroneamente diagnosticados como linfoma não Hodgkin, sarcoma de Ewing, rabdomiossarcoma e neuroblastoma.3 Muitas vezes, devem‐se usar exames de imagem, como ressonância magnética e tomografia computadorizada, para elucidar o diagnóstico quando há acometimento de sistema nervoso central ou sistema musculoesquelético. O PET CT é usado para planejamento da radioterapia e monitoração da resposta terapêutica.
Existem poucos estudos referentes ao sarcoma mieloide, sem consenso ou protocolos em relação ao tratamento. Também não há estudos referentes ao prognóstico. Sabe‐se que o tratamento sistêmico e agressivo é recomendável por reduzir a taxa de progressão para leucemia e são usados medicamentos inibidores de FLT 3, inibidores de farnesiltransferase e inibidores de histona desacetilase.4,5
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresDébora Nogueira Muniz: elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Renata Cristina Vasconcellos: concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Letícia Ambrosano: aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Elisangela Samartin Pegas Pereira: aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Ao Departamento de Dermatologia do hospital da PUCC por permitir o estudo e ceder o material necessário para a elaboração.
Como citar este artigo: Muniz DN, Vasconcellos RC, Ambrosano L, Pereira ESP. Myeloid sarcoma on the scalp of a patient with acute myeloid leukemia. An Bras Dermatol. 2019;94:622–4.
Trabalho realizado no Ambulatório de Dermatologia, Hospital e Maternidade Celso Pierro, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil.