A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença multissistêmica autossômica dominante causada por uma mutação no gene da neurofibromina 1 que afeta os tecidos derivados da crista neural.1 Clinicamente, é caracterizada por um espectro de defeitos que inclui tumores neurais, manchas café‐com‐leite, sardas em regiões intertriginosas e defeitos esqueléticos. Vitiligo generalizado raramente foi relatado com neurofibromatose. Aqui, são apresentados dois casos de NF1 associados ao vitiligo e fenômeno halo em neurofibromas.
Paciente do sexo masculino, 28 anos, com diagnóstico prévio de NF1, apresentou‐se em nosso departamento com múltiplas manchas despigmentadas na pele, que começaram a aparecer quatro anos antes. O histórico familiar indicou que sua mãe também apresentava neurofibromatose, sem história de lesões despigmentadas. O exame dermatológico demonstrou a presença de múltiplas máculas marrom‐claro, bem demarcadas, de 5 a 50mm, presentes no tronco, dorso e membros superiores. Numerosas lesões papulonodulares, sésseis ou pedunculadas cupuliformes, de tamanhos variados, sugestivas de neurofibromas, estavam presentes na face, tronco, região dorsal e membros superiores. Algumas dessas lesões estavam circundadas por um halo despigmentado. Manchas despigmentadas muito bem definidas, compatíveis com diagnóstico de vitiligo, entre 2 e 7cm, foram observadas na região dorsal, nos cotovelos e no dorso das mãos e dos pés (fig. 1). O paciente também apresentava sardas axilares bilaterais. O exame da íris com lâmpada de fenda indicou a presença de nódulos de Lisch. A dermatoscopia da lesão de vitiligo revelou reduzida rede pigmentar em comparação com a pele normal (fig. 2).
O segundo caso era um paciente do sexo masculino de 35 anos, com diagnóstico prévio de neurofibromatose, que apresentava manchas despigmentadas que envolviam a pele normal e a pele ao redor dos neurofibromas havia um ano. O pai e o irmão do paciente também haviam sido diagnosticados com neurofibromatose. No exame cutâneo, múltiplas lesões papulonodulares cor da pele, em forma de cúpula, de tamanho variável e consistência macia foram observadas na face, no tronco, na região dorsal e nas extremidades. Alguns nódulos apresentavam um halo despigmentado. Múltiplas manchas bem demarcadas, de coloração marrom‐clara, com tamanho de 5 a 20mm, foram observadas na região dorsal, no tórax e nas extremidades superiores. Áreas de despigmentação nitidamente delimitadas sugestivas de vitiligo e sardas foram observadas tanto na axila quanto no tronco e na região dorsal. A dermatoscopia da lesão mostrou reduzida rede pigmentar.
A NF1 é um dos distúrbios neurocutâneos autossômicos dominantes mais comuns; sua prevalência é estimada em cerca de 1:3.500 indivíduos. Sua expressão clínica é altamente variável; aproximadamente 30% a 50% de todos os pacientes não têm histórico familiar da doença, representam mutações de novo do gene NF1.
Friedrich von Recklinghausen foi o primeiro a descrever as características clássicas da doença, indicando que o tumor cutâneo seria originário dos nervos periféricos. Máculas café‐com‐leite, o primeiro sinal de NF1, representam uma coleção de melanócitos altamente pigmentados na epiderme, originários da crista neural. Essas máculas são observadas em 95% dos pacientes com NF1 na idade adulta. Quanto às alterações pigmentares, a literatura sugere que, como o melanócito produtor de pigmento se origina na crista neural, pode‐se esperar a presença de lesões pigmentares decorrentes de alterações na proliferação e diferenciação dos melanócitos. Estudos em culturas de células apontam que o defeito do gene NF1 afeta a melanogênese nos melanócitos epidérmicos de pacientes com NF1, resultando nas várias alterações hiperpigmentares observadas nessa enfermidade.2
O fenômeno halo é caracterizado pelo desenvolvimento súbito de um halo despigmentado em torno de um nevo congênito, nevo de Spitz, nevo azul, neurofibromas e melanomas. Shin et al.3 descreveram um caso de nevo combinado com alterações vitiligoides e especularam que o processo imunológico envolvido no vitiligo afetava simultaneamente as células do nevo subjacente, causando sua degeneração. Gach et al.4 sugeriram que a similaridade clínica e histológica entre os nevos melanocíticos congênitos e os neurofibromas se deve ao fato de que tanto os melanócitos quanto as células de Schwann se originam da crista neural. Os níveis de células T CD8+ ativadas cronicamente são maiores em pacientes com NF1, o que é uma evidência adicional de que, na presença de vitiligo generalizado, o fenômeno halo em neurofibromas se desenvolve como uma resposta imunológica.5
Uma extensiva revisão da literatura identificou os seguintes casos de NF1 associada com vitiligo, como vistos na tabela 1. O aparecimento súbito do fenômeno halo em pacientes com neurofibromatose não deve ser tratado como mera coexistência, mas sim como marcador de uma associação muito mais obscura entre neurofibromatose e vitiligo. Novos estudos devem ser feitos para fornecer uma visão mais ampla dessa complexa associação.
Casos previamente relatados de neurofibromatose tipo 1 (NF1) associada ao vitiligo
Ano | Autor | Tipo de NF | Tipo de vitiligo | Fenômeno halo associado | Outras características associadas |
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1992 | Singh et al. | NF1 | Generalizado | Ausente | |
2006 | Oiso et al. | NF1 | Generalizado | Presente | |
2006 | Bukhari et al. | NF1 | Generalizado | Ausente | Defeito no osso occipital esquerdo |
2006 | Yalccin et al. | NF1 | Generalizado | Ausente | Tireoidite de Hashimoto, síndrome de Noonan |
2008 | Nanda | NF1 | Generalizado | Ausente | |
2016 | Duman et al. | NF1 | Generalizado | Ausente | Coloboma coriorretiniano inferior e pseudoduplicação do disco óptico no olho direito |
2016 | Reinehr et al. | NF1 | Acral | Ausente | |
2018 | Presentes autores | NF1 | Generalizado | Presente |
Nenhum.
Contribuição dos autoresSidharth Tandon: aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ajeet Singh: aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Pooja Arora: aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ram Krishan Gautam: revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.