Em 1923, Masson inicialmente descreveu um processo, àquela época neoplásico, que consistia na obliteração do lúmen vascular devido à hiperplasia endotelial papilar associada a alterações degenerativas.1 Em virtude de sua semelhança com o angiossarcoma, essa entidade foi denominada hemangioendotelioma intravascular vegetante ou, simplesmente, tumor de Masson. Denominações como angiomatose intravascular, pseudoangiossarcoma de Masson, hemangioma de Masson e hemangioendotelioma intravascular vegetante de Masson também já foram usadas.2–4 Atualmente, postula‐se um caráter reativo e, portanto, não neoplásico da doença. Por consequência, desde a sua reclassificação por Clearkin e Enzinger em 1976, a denominação usada é a de hiperplasia endotelial papilar intravascular (HEPI).
A etiologia exata permanece incerta e parece ser multifatorial. Fatores secundários como trauma local e afecções vasculares prévias (hemangiomas, malformações vasculares, granulomas piogênicos, estase sanguínea, etc.) respondem por 30% dos casos, mas em 70% das vezes o estímulo desencadeante não pode ser identificado. A proliferação endotelial excessiva estimulada pela produção local de fatores de crescimento tem constituído uma hipótese promissora para explicar a etiologia da HEPI.3 Estudos por meio de northern blot e immunobloting revelaram aumento significativo da expressão do fator de crescimento fibroblástico beta (FGF‐β), sugerem sua secreção elevada pelas células endoteliais por meio de um mecanismo autócrino.4
A HEPI é uma afecção vascular rara, representa cerca de 2% de todos os tumores vasculares. A lesão é habitualmente encontrada em tecidos moles de áreas expostas a traumatismos. Pode afetar qualquer parte do corpo, mas os locais de maior acometimento são a cabeça, o pescoço e as extremidades superiores. É ligeiramente mais comum em mulheres (proporção de 1,3:1) e não há preferência por idade. Clinicamente, a HEPI se apresenta como nódulos superficiais firmes ou amolecidos, não aderidos aos planos superficiais e/ou profundos. Apresenta coloração vermelho‐azulada (resultante da dilatação e obstrução do espaço endovascular) e não apresenta pulsatilidade.2,5 Eventualmente, pode produzir aspectos clínicos que simulem uma neoplasia, o que justifica a necessidade de seu reconhecimento por parte do médico.1
Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino de 11 anos que apresentou uma lesão nodular assintomática no membro superior esquerdo com cerca de três meses de evolução. Ela referiu crescimento rápido da lesão e negou histórico de trauma local. Ao exame dermatológico, notamos a presença de um nódulo subcutâneo de coloração vermelho‐azulada, mal delimitado, de consistência fibroelástica, não aderido aos planos superficiais ou profundos, não pulsátil e indolor à palpação, media cerca de 1,5cm de diâmetro e estava no terço médio da região extensora do antebraço esquerdo, por sobre a diáfise ulnar (fig. 1). Ao ultrassom de partes moles identificou‐se um nódulo subcutâneo hipoecogênico e heterogêneo de contornos lobulados, que media 1,4 × 1,1 × 0,6cm e que, ao Doppler, mostrou‐se intensamente vascularizado (fig. 2). Foi feita uma biópsia excisional cuja macroscopia revelou nódulo vermelho‐vinhoso fibroelástico e multilobulado. A análise histopatológica evidenciou estruturas vasculares císticas de conteúdo hemorrágico, com formações papilares intraluminais recobertas por endotélio de citologia branda. Não foram evidenciados necrose, pleomorfismo celular ou figuras mitóticas (fig. 3). O aspecto histológico foi compatível com HEPI.
Em resumo, a HEPI ou tumor de Masson é uma lesão intravascular benigna pouco frequente, causada pela proliferação de estruturas papilares endoteliais organizadas sobre trombos, constitui um processo reativo, traumático ou de causa indeterminada, no contexto da estase venosa. Clinicamente, assemelha‐se a outros tipos de tumorações subcutâneas, como angiomas, lipomas, angiolipomas, malformações vasculares, cistos etc. Histologicamente, seu principal diagnóstico diferencial é com o angiossarcoma, do qual se distingue por não apresentar necrose, atipias celulares nem figuras mitóticas. A maioria dos relatos de caso dessa doença provém de odontologistas, dada a frequência de acometimento da cavidade oral. Por sua natureza benigna, o tratamento depende da localização da lesão e dos sintomas que produz. Em geral, a ressecção cirúrgica é o tratamento de escolha, com bom prognóstico e baixa taxa de recidiva. Em pesquisa sobre esse tema no website dos Anais Brasileiros de Dermatologia, não foram encontradas publicações anteriores a esta nesse periódico, razão que motivou o presente relato.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresSergio Emerson Sasso: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ana Paula Naspolini: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Tassiana De Boit Milanez: Obtenção, análise e interpretação dos dados.
Guilherme Suchard: Obtenção, análise e interpretação dos dados.
Conflito de interessesNenhum.