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Vol. 99. Núm. 5.
Páginas 780-783 (1 setembro 2024)
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Cartas ‐ Terapia
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Resposta inadequada à terapia antiplaquetária na síndrome de Sneddon. É hora de reavaliar as recomendações de manejo?
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Cristóbal Lecarosa, Gabriela Coulona, Francisca Reculéa, Alex Castrob, Constanza Del Puertoa,
Autor para correspondência
mdelpuerto@alemana.cl

Autor para correspondência.
a Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Clínica Alemana, Universidad del Desarrollo, Santiago, Chile
b Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina, Clínica Alemana, Universidad del Desarrollo, Santiago, Chile
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Tabela 1. Tratamentos e desfechos relatados em séries publicadas sobre a síndrome de Sneddon
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Prezado Editor,

Paciente do sexo feminino, de 46 anos, apresentava máculas violáceas assintomáticas na pele havia mais de 20 anos. A paciente era hipertensa e havia sofrido acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) aos 38 anos; na apresentação estava em tratamento com enalapril, aspirina e rosuvastatina. Apesar desses medicamentos, ela sofreu um segundo AVCI aos 46 anos, causando disartria secundária, afasia anômica e hemiparesia do lado direito. A paciente apresentava longo histórico de enxaquecas desde a juventude e havia sofrido um aborto espontâneo. O exame físico revelou máculas reticuladas violáceas interrompidas, assintomáticas, nos braços, tronco, regiões glúteas e pernas (figs. 1 e 2).

Figura 1.

Livedo racemoso na síndrome de Sneddon. (A–B) Máculas reticulares irregulares violáceas extensas na mão e região plantar.

(0.44MB).
Figura 2.

Livedo racemoso na síndrome de Sneddon. (A–B) Observe a largura das ramificações (> 1 cm) na região glútea e extremidades inferiores da paciente com síndrome de Sneddon e deficiência de proteína S.

(0.83MB).

A histopatologia em biopsia cutânea ampla e profunda mostrou múltiplas pequenas artérias com espessamento da parede, hiperplasia intimal, estenose e obliteração do lúmen, com sinais secundários de retunelamento e neovascularização na derme reticular e tecido subcutâneo (fig. 3).

Figura 3.

Histopatologia de pele evidenciando vasculopatia oclusiva na síndrome de Sneddon. (A–B) Pequenas artérias na derme profunda e hipoderme com espessamento mural e hiperplasia intimal (Hematoxilina & eosina, 4×e 10×). (C) Detalhe da estenose e obliteração do lúmen do vaso (Hematoxilina & eosina, 40×). (D) Sinais de retunelamento e neovascularização sem vasculite (Hematoxilina & eosina, 40×).

(2.12MB).

A angiografia por ressonância magnética do cérebro revelou infartos nas áreas cerebelar frontal esquerda, parietal direita e cerebelar posteroinferior direita e sequelas parenquimatosas no território irrigado pela artéria cerebral medial direita e esquerda. O ecocardiograma e eletrocardiograma Holter de 24 horas foram normais. O tempo de protrombina foi de 65%, INR 1,38, FAN 1/80 padrão pontilhado. Os anticorpos anti‐DNA, anti‐ENA, ANCA e antifosfolípides (aPL) foram negativos. O teste de trombofilia revelou deficiência de proteína S. Foi diagnosticada síndrome de Sneddon (SS) aPL (−) com deficiência de proteína S; iniciou‐se tratamento com rivaroxabana.

A SS é vasculopatia neurocutânea subdiagnosticada que compreende artérias de pequeno e médio calibre, com incidência estimada de 4/1.000.000 casos por ano, com mediana de idade de 40 anos.1 Sua etiologia é pouco compreendida, embora tenham sido propostos mecanismos autoimunes e trombóticos. Foi descrita condição autossômica recessiva de SS com mutações no CERC1 (que codifica a adenosina desaminase 2).2

A SS é caracterizada por manifestações do sistema nervoso central (dores de cabeça, AVC múltiplos, comprometimento cognitivo), livedo racemoso persistente, hipertensão, valvopatia cardíaca e, menos frequentemente, envolvimento renal e ocular.1,3 A SS é classificada de acordo com a presença de aPL em dois grupos: SSAPL− e SSAPL+.1

Em pacientes com SSAPL−, é importante considerar outras causas de trombofilia. Em uma série recente, 27% dos pacientes submetidos a testes de trombofilia tiveram resultados positivos.4 Pacientes com SSAPL+ apresentam máculas de livedo com ramificações mais finas, maior frequência de trombocitopenia, convulsões e coreia.3,5 Pacientes com SSAPL− apresentam maior número de AVC antes do diagnóstico.4

As recomendações de tratamento diferem para pacientes com SSAPL− e SSAPL+.3–8 Para os estágios iniciais de SSAPL−, recomenda‐se monitoramento regular com imagens cerebrais e, em caso de sintomas prodrômicos, prescrição de aspirina em baixas doses. Após evento isquêmico, os medicamentos antiplaquetários são o tratamento de primeira linha.8 Para pacientes com SSAPL+, recomendações de manejo semelhantes são sugeridas inicialmente, mas no caso de trombose arterial é recomendada terapia anticoagulante.3 Essa diferença é baseada em duas séries retrospectivas.5,6 Francès et al. acompanharam 46 pacientes (19 SSAPL+ e 27 SSAPL−) por seis anos.5 Os autores destacam que entre os pacientes SSAPL+, aqueles que receberam anticoagulantes tiveram significantemente menos AVC do que aqueles em terapia antiplaquetária. Entretanto, no subgrupo SSAPL− não houve diferenças no número de AVC, independentemente da terapia.5 Bottin et al. acompanharam 53 pacientes com SSAPL− por 20 anos e não encontraram diferenças significantes em eventos isquêmicos entre essas duas terapias.6 Entretanto, a série recentemente publicada por Starmans et al. levanta questões sobre essas recomendações.4 Nesse estudo retrospectivo de 53 pacientes (14 SSAPL+ e 39 SSAPL−) com 21 anos de seguimento, alguns pacientes foram tratados com terapia antiplaquetária e alguns com anticoagulação, independentemente dos títulos de APL. Durante o seguimento, os pacientes com anticoagulação oral tiveram sobrevida livre de doença significantemente mais longa, já que o tempo até a recorrência do primeiro AVC nesse grupo foi duas vezes maior do que naquele que recebeu terapia antiplaquetária (46 vs. 26,5 meses, respectivamente). Os autores recomendam iniciar a terapia antiplaquetária e mudar para terapia de anticoagulação oral logo após qualquer episódio isquêmico recorrente.4

O presente relato de caso enfatiza que é necessário exame detalhado nesses pacientes, dado o maior risco de trombofilia concomitante. A associação entre SS e deficiência de proteína S foi relatada anteriormente.9 Além disso, o presente caso mostra que a terapia antiplaquetária pode não ser suficiente para o controle da doença em pacientes com SSAPL− (tabela 1). Dada a importância de prevenir a demência de início precoce, os anticoagulantes orais de ação direta – que demonstraram eficácia semelhante aos antagonistas da vitamina K com menor risco de hemorragia intracraniana em pacientes com AVCI e fibrilação atrial10 – devem ser fortemente considerados em pacientes SSAPL− sintomáticos.

Tabela 1.

Tratamentos e desfechos relatados em séries publicadas sobre a síndrome de Sneddon

Séries  Número de pacientes  Seguimento  Terapiaa  Desfecho 
Francès et al.546 pacientes  6 anosSSAPL+  0,06 AVC por ano 
19 SSAPL+  ACO (11)  0,5 AVC por ano 
27 SSAPL−Antiplaquetária (5)  0,056 AVC por ano
SSAPL− 
ACO (10)  0,08 AVC por ano
Antiplaquetária (18) 
Bottin et al.656 pacientes SSAPL−20 anosAntiplaquetária (42)  3% recorrência de AVC 
ACO (10)  2,7% recorrência de AVC 
Starmans et al.431 pacientes28 mesesACO  46 meses SD 
Antiplaquetária  26,5 meses SD 

ACO, terapia anticoagulante; SD, sobrevida da doença; SSAPL−, síndrome de Sneddon não associada a anticorpos antifosfolípides; SSAPL+, síndrome de Sneddon associada a anticorpos antifosfolípides.

a

Número de pacientes.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Cristóbal Lecaros: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Gabriela Coulon: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Francisca Reculé: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Alex Castro: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Constanza Del Puerto: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
S.S. Kong, A. Azarfar, N. Bhanusali.
Sneddon syndrome: under diagnosed disease, complex clinical manifestations and challenging diagnosis. A case‐based review.
Rheumatol Int., 41 (2021), pp. 987-991
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N Engl J Med., 370 (2014), pp. 911-920
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J Stroke Cerebrovasc Dis., 28 (2019), pp. 2098-2108
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F. Assan, L. Bottin, C. Francès, P. Moguelet, S. Tavolaro, A. Barbaud, et al.
Antiphospholipid‐negative Sneddon's syndrome: a comprehensive overview of a rare entity.
Ann Dermatol Venereol., 149 (2022), pp. 3-13
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R. Sayin, S.G. Bilgili, A.S. Karadag, T. Tombul.
Sneddon syndrome associated with Protein S deficiency.
Indian J Dermatol Venereol Leprol., 78 (2012), pp. 407
[10]
D.J. Seiffge, M. Paciaroni, D. Wilson, M. Koga, K. Macha, M. Cappellari, et al.
Direct oral anticoagulants versus vitamin K antagonists after recent ischemic stroke in patients with atrial fibrillation.
Ann Neurol., 85 (2019), pp. 823-834

Como citar este artigo: Lecaros C, Coulon G, Reculé F, Castro A, Del Puerto C. Inadequate response to antiplatelet therapy in Sneddon's syndrome. Time to re‐evaluate management recommendations?. An Bras Dermatol. 2024;99:780–3.

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina, Clínica Alemana, Universidad del Desarrollo, Santiago, Chile.

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