O penfigoide bolhoso (PB), uma dermatose bolhosa autoimune crônica que afeta predominantemente os idosos, é caracterizada pela formação de bolhas na pele e prurido. Atualmente, as principais opções de tratamento são representadas por corticosteroides e imunossupressores. Os esteroides muitas vezes precisam ser administrados em altas doses, com subsequentes eventos adversos e questões de segurança.1,2 Portanto, modalidades de tratamento mais seguras são necessárias. O dupilumabe é agente biológico usado para tratar o PB nos últimos anos.2 Aqui, descrevemos uma paciente idosa com PB recalcitrante tratado com sucesso com dupilumabe.
Paciente feminina, de 89 anos, foi internada com história de um mês de eritema com prurido intenso, vesículas e bolhas. Ao exame, havia eritema urticariforme e vesículas no tronco e extremidades. Bolhas tensas isoladas foram observadas no abdome e coxas bilateralmente (fig. 1), com preservação das superfícies mucosas. Embora as lesões tivessem evoluído para erosões (fig. 2), o sinal de Nikolsky foi negativo. Além disso, a paciente apresentava diabetes mellitus tipo 2 e hipotireoidismo e fazia uso de metformina e levotiroxina há mais de 20 anos, negando uso de novos medicamentos. As investigações laboratoriais revelaram eosinofilia leve; no entanto, nenhuma outra anormalidade significante estava presente. Extensa investigação para neoplasias malignas subjacentes e doenças reumatológicas não apresentou resultados dignos de nota nos exames laboratoriais e de imagem. A histopatologia de pele demonstrou formação de bolha subepidérmica com infiltrado de eosinófilos (fig. 3). A imunofluorescência direta revelou separação subepidérmica com deposições lineares contínuas de IgG e C3 ao longo da zona da membrana basal. O quadro clínico, em combinação com os achados histopatológicos e imunológicos, confirmou o diagnóstico de PB. Iniciou‐se com prednisona 80mg e após duas exacerbações durante a redução gradual da prednisona foi tomada a decisão de prosseguir com azatioprina 200mg e tetraciclina 500mg. Embora doses moderadas de prednisona reduzissem efetivamente a gravidade das lesões bolhosas, o prurido e o diabetes não foram suficientemente controlados. As tentativas de diminuir muito lentamente a prednisona resultaram em exacerbações da doença e prurido intenso ao longo de três anos. Dado o estado grave e as limitações do tratamento da paciente, seu tratamento foi transferido para um ensaio terapêutico com dupilumabe, com dose de ataque inicial de 600mg administrada por via subcutânea seguida de injeções subcutâneas semanais de 300mg. No seguimento de seis meses, houve resolução completa das bolhas e do prurido após o tratamento isolado com dupilumabe (fig. 4).
O PB é doença autoimune que ocorre principalmente em idosos, afetando gravemente sua saúde e qualidade de vida.3 O tratamento geralmente envolve corticosteroides tópicos/sistêmicos, antibióticos, azatioprina, dapsona, metotrexato e micofenolato mofetil.4,5 Esses regimes apresentam efeitos adversos significantes e é necessária atenção cuidadosa em pacientes idosos.
A inflamação do tipo 2 é uma resposta imune que exerce papel importante na defesa do hospedeiro contra parasitas e é predominantemente mediada por células linfoides inatas do grupo 2 (ILC2s), células T auxiliares tipo 2 (Th2), eosinófilos e citocinas relevantes, como IL‐4, IL‐5 e IL‐13. Um grande número de estímulos pode desencadear inflamação do tipo 2, incluindo helmintos, diversas alergias, certas infecções virais ou bacterianas e moléculas endógenas. O processo envolve respostas imunes inatas e adaptativas.1,3 Um número crescente de estudos revelou que o PB é doença Th2‐dominante com subsequente superexpressão de citocinas do tipo Th2, como IL4, IL5 e IL13. A IL4 está especificamente associada ao recrutamento de eosinófilos, o que contribui para o prurido incessante presente nessa doença.6
O dupilumabe é anticorpo monoclonal, desenvolvido recentemente, que bloqueia a sinalização de IL‐4 e IL‐13, ambas citocinas cruciais na resposta de Th2.7–9 Por esse motivo, a hipótese é que a redução na atividade da doença obtida nos casos relatados até agora pode estar relacionado à redução nas respostas do tipo Th2 induzidas pela inibição da transdução do sinal de IL‐4 e IL‐13 induzida por dupilumabe.1 A European Academy of Dermatology and Venereology já considera o dupilumabe tratamento opcional para PB refratário.10
O tratamento do PB pode ser desafiador, especialmente em casos refratários. Entretanto, o papel e a eficácia do dupilumabe ainda não estão completamente claros; certamente, o dupilumabe não deve ser considerado o tratamento de primeira escolha, mas sim terapia de resgate para pacientes selecionados com PB recalcitrante. Embora o presente caso destaque o uso do dupilumabe como nova terapia no tratamento de PB, são necessários estudos adicionais. O perfil de efeitos colaterais leves do dupilumabe o tornaria opção ideal para o tratamento de idosos e pacientes com comorbidades.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresDaniela de Abreu e Silva Martinez: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Amanda de Freitas Sampaio Periquito: Elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Graciela Galva Roa: Elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
João Pedro Lupi: Elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Curt Mafra Treu: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.
Omar Lupi: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Martinez DAS, Periquito AFS, Roa GG, Lupi JP, Treu CM, Lupi O. Bullous pemphigoid successfully treated with Dupilumab. An Bras Dermatol. 2024;99:778–80.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.