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Vol. 96. Núm. 3.
Páginas 369-372 (1 maio 2021)
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Vol. 96. Núm. 3.
Páginas 369-372 (1 maio 2021)
Carta ‐ Investigação
Open Access
Perfil dos pacientes pediátricos com míiase atendidos em hospital terciário do Rio de Janeiro
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Felipe Tavares Rodriguesa,
Autor para correspondência
medftr@yahoo.com.br

Autor para correspondência.
, Antonio Macedo D’Acrib, Claudia Soares Santos Lessac, Valéria Magalhães Aguiarc
a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
b Serviço de Dermatologia, Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Escola de Medicina e Cirurgia, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
c Departamento de Microbiologia e Parasitologia, Instituto Biomédico, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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Figuras (1)
Tabelas (1)
Tabela 1. Características socioeconômicas e clínicas dos pacientes pediátricos com miíase atendidos no Hospital Federal do Andaraí entre 2007 e 2015
Texto Completo
Prezado Editor,

A miíase é dermatozoonose definida pela infestação de tecidos animais (mamíferos, aves, répteis e anfíbios) por larvas de moscas, que podem depositar seus ovos nos orifícios naturais de seus hospedeiros, em soluções de continuidade ou em pele sã, na miíase furunculoide. A larva cresce e se alimenta do tecido do hospedeiro, provocando dor intensa e destruição tissular. É doença negligenciada, decorrente de baixas condições socioeconômicas e da demora na procura por assistência.1,2 Inquéritos sobre o perfil epidemiológico do acometimento pediátrico por miíases são escassos na literatura.

Este é um estudo observacional realizado no Hospital Federal do Andaraí (HFA), na cidade do Rio de Janeiro (RJ, Brasil), no qual foram selecionados pacientes de até 12 anos de idade, com miíase, atendidos no período de 2007 a 2015. Foram coletados dados socioeconômicos e clínicos da anamnese dos pacientes. As larvas foram extraídas e identificadas de acordo com chaves taxonômicas, no laboratório de Estudo de Dípteros da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); os insetos adultos foram preservados cerca de 10 dias em material estéril.3,4 O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNIRIO e pelo Centro de Estudos do HFA.

Foram avaliados 69 pacientes, com idade menor ou igual a 12 anos, no período estudado, representando cerca de 19% dos 368 casos atendidos em todas as faixas etárias. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (58 indivíduos; 84%); 47 (68%) eram negros ou pardos. A renda familiar era majoritariamente de até dois salários‐mínimos, e não houve nenhum familiar responsável com Ensino Superior completo. Apenas 48 (70%) tinham acesso à água encanada em casa; 37 (54%) tinham coleta regular de lixo e 41 (62%) tinham esgoto sanitário encanado em domicílio – destes, 18 (44%) não tinham rede de coleta ligada à companhia de coleta de esgoto; o despejo era em fossa próxima. Encontramos sete (10%) pacientes em situação de vulnerabilidade (tabela 1 e fig. 1). Apenas 21 (30%) das crianças atendidas estavam matriculadas na escola ou creche no período do atendimento. A distribuição por faixa etária foi equilibrada, com média de 5,89±3,38 anos, com menor prevalência nos menores de 1 ano.

Tabela 1.

Características socioeconômicas e clínicas dos pacientes pediátricos com miíase atendidos no Hospital Federal do Andaraí entre 2007 e 2015

Características 
Socioeconômicas
Cor autodeclarada
Brancos  12 
Negros  30  43 
Pardos  17  25 
Ignorados  14  20 
Renda familiar mensal média (salário‐mínimo entre R$ 380,00 e R$ 788,00, período de 2007 a 2015)
Nenhuma  10 
Até dois salários‐mínimos  37  54 
Entre dois e quatro salários‐mínimos  11  16 
Mais de seis salários‐mínimos 
Ignorado  13  19 
Escolaridade da mãe
Analfabeto  15  22 
Ensino Fundamental incompleto  23  33 
Ensino Fundamental completo  10  15 
Ensino Médio incompleto 
Ensino Médio completo 
Ensino Superior incompleto 
Ignorado  11  16 
Coleta regular de lixo ou lugar adequado de descarte próximo ao domicílio
Sim  37  54 
Não  27  39 
Ignorado 
Água encanada no domicílio
Sim  48  70 
Não  16  23 
Ignorado 
Esgoto encanado no domicílio
Sim  41  62 
Não  22  35 
Ignorado 
Situação da residência
Própria  44  64 
Alugada  17  25 
Em situação de rua 
Reside em abrigo 
Ignorado 
Clínicas
Fatores predisponentes e comorbidades associadas
Infecção bacteriana (impetigo, celulite)  19  27 
Traumatismo  10 
Pediculose  26  38 
Escabiose 
Dermatite química 
Dermatite alérgica (inclusive prurigo estrófulo)  25  36 
Dermatite seborreica 
Dermatite atópica 
Locais do corpo acometidos
Couro cabeludo parietal  32  46 
Couro cabeludo temporal  12 
Couro cabeludo frontal 
Couro cabeludo occipital  19  28 
Cicatriz umbilical 
Pavilhão auricular 
Membro inferior 
Número de lesões
Média  1,8  – 
Uma  42  61 
Duas  12 
Três  14  20 
Cinco ou mais 
Figura 1.

Distribuição dos casos de miíase na população pediátrica por faixa etária, atendidos no Hospital Federal do Andaraí no período entre 2007 e 2015.

(0.07MB).

Os casos tiveram origem principalmente na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, com 42 (61%) dos casos, com destaque para grande Tijuca e grande Méier, que representaram 22 (52%) de todos os casos da Zona Norte carioca, área onde se situa o HFA. Nessa mesma região, quatro (6%) pacientes residiam em abrigos ou orfanatos e três (4%) se encontravam em situação de rua em bairros adjacentes ao hospital – um destes pacientes morava com toda a família havia anos em uma fábrica de leite abandonada. Dois (3%) habitavam o Centro da cidade, e 18 (26%) residiam na baixada fluminense.

O couro cabeludo foi o local com acometimento preferencial em 63 (91%) crianças. Dentre os fatores predisponentes e doenças associadas, obtivemos outras dermatozoonoses, representadas por pediculose e escabiose, dermatites alérgicas e piodermites como as mais prevalentes (tabela 1). O máximo de larvas retiradas de um paciente foi 36, e o mínimo foi apenas uma, com média de 11,5 lavas por paciente.

As miíases cavitárias ou necrobiontófagas, aquelas associadas a feridas preexistentes e baixas condições socioeconômicas e de higiene, foram observadas em 58 (91%) pacientes. Cochliomyia hominivorax foi a espécie que se destacou como a mais prevalente, presente em 56 (87%) pacientes. Larvas de Cochliomyia macellaria foram encontradas em três (5%), Crhysomya putoria em um (1%), Crhysomya albiceps em um (1%) e Musca doméstica em um (1%) paciente. Houve três casos de coinfecção por duas dessas espécies.

Em seis (9%) indivíduos foram observados casos de miíase furunculoide provocada pela espécie Dermatobia hominis, doença primária de gado bovino e equino que pode acometer a população em geral exposta ao risco em áreas rurais e mesmo urbanas, que não se encaixa no perfil de pobreza.1,2,5,6 Houve um caso de infestação concomitante de pai e filha, suscitando a possibilidade de coinfecção familiar. Em alguns casos, a miíase ocorreu sob condições preexistentes: quatro casos de dermatite de contato por irritante primário decorrente do uso de guanidina, substância empregada para alisamento capilar.

Além disso, houve associação com ferida de queimadura térmica (um caso), em lesão cutânea de varicela (um caso) e, ainda, em lesão de tinea capitis (um caso).

A despeito de a extração manual ser o tratamento de escolha, a ivermectina é muito empregada em lesões extensas, quando não se consegue retirar todas as larvas, porém deve ser evitada em menores de 5 anos, segundo o bulário. Em 16 (23%) atendimentos houve a necessidade de internação hospitalar, principalmente pela vulnerabilidade social, que inviabilizou o tratamento domiciliar. Já 61 (88%) pacientes receberam antibioticoterapia com cefalexina ou amoxicilina para prevenção e/ou tratamento de infecções bacterianas secundárias. No que diz respeito à prevalência de casos de miíase na população pediátrica, comparada com o acometimento em todas as faixas etárias, nosso estudo revelou um percentual mais baixo que na literatura consultada.7,8

O grupo infantojuvenil tem como principais fatores associados para infestação de larvas a presença de outras moléstias infecciosas e alérgicas, destacando a pediculose e as lesões por prurigo estrófulo, em que o ato da coçadura é o principal mecanismo de formação de feridas. Já na população adulta, a formação de feridas está ligada a doenças crônicas, como úlceras do pé diabético, úlceras vasculares, além das feridas neoplásicas, nas quais os carcinomas constituem os principais focos de infestação.

Destaca‐se também a mudança do principal sítio de infecção, que nos pacientes pediátricos é preferencialmente no segmento cefálico, facilitada pela pediculose, por traumatismos e por ser uma região descoberta de vestimenta; outrossim, no adulto o local de predileção é o terço distal dos membros inferiores.7–9

Com exceção da miíase furunculoide, a miíase é um problema que afeta as populações com maior vulnerabilidade social e com reduzidas condições de higiene, e que poderá ser evitado com o avanço da cobertura de saneamento básico e a conscientização da população.

Suporte financeiro

Apoio financeiro do CNPq ‐ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Contribuição dos autores

Felipe Tavares Rodrigues Concepção, coleta de dados, análise e revisão do manuscrito.

Antonio Macedo D’Acri: Revisão crítica do manuscrito.

Claudia Soares Santos Lessa: Análise dos dados e revisão crítica.

Valéria Magalhães Aguiar: Análise dos dados e revisão crítica.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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F.T. Rodrigues, V.M. Aguiar, C.S. Lessa.
Diabetic foot ulcers with myiasis: a potential route for resistance gene dissemination for enterococci?.
Rev Soc Bras Med Trop., 51 (2018), pp. 879
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Carcinomas escamosos com miíase, uma nova tendência?.
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Como citar este artigo: Rodrigues FT, D’Acri AM, Lessa CSS, Aguiar VM. Profile of pediatric patients with myiasis treated at a tertiary hospital in Rio de Janeiro. An Bras Dermatol. 2021;96:369–72.

Trabalho realizado no Hospital Federal do Andaraí e no Laboratório de Estudo de Dípteros da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – LED‐UNIRIO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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