O pênfigo vulgar (PV) pode ser diagnóstico clínico difícil se o comprometimento de mucosas não estiver presente. A ocorrência de autoanticorpos da classe IgG4 anti‐desmogleina 1 (anti‐Dsg1) está associada à patogênese das lesões cutâneas, e a anti‐Dsg3, às lesões mucosas. Sorologicamente, a apresentação predominantemente cutânea tem autoanticorpos circulantes anti‐Dsg1 e anti‐Dsg3, com tendência a títulos mais altos de anti‐Dsg1 do que de anti‐Dsg3, o que implica em fenótipo clínico raro do PV.1
Relatamos o caso de um paciente do sexo masculino, 64 anos de idade, antecedente de depressão, diabetes mellitus tipo 2, etilismo e cirrose hepática. O paciente veio referenciado, com diagnóstico prévio de PV, em decorrência de dificuldades no manejo terapêutico e com sugestão de tratamento com rituximabe. Apresentava inúmeras lesões exulceradas recobertas por crostas hematomelicéricas, predominantemente na face, no pavilhão auricular e na região cervical (fig. 1). Não se observaram lesões mucosas. Por causa da exuberância do quadro com clínica atípica, realizamos novas biópsias que confirmaram, por histologia e imunofluorescência direta, o diagnóstico de PV. Investigação clínica e laboratorial corroborou as comorbidades citadas. Sorologias para hepatites e infecção por HIV foram negativas. O paciente já estava em uso de prednisona 0,85 mg/kg havia dois anos, sem melhora.
Durante a internação hospitalar, identificou‐se padrão compulsivo, diuturno, de manipulação das lesões, que resultava em exacerbação de lesões preexistentes e formação de crostas sobre as mesmas, o que aparentemente justificava a ausência de resposta ao tratamento. Após avaliação psiquiátrica, iniciou‐se sertralina 50 mg/dia, psicoterapia e curativo com poli‐hexanida e betaína (PHMB) gel, rayon e oclusão (fig. 2). Decidiu‐se também por acrescentar azatioprina 150 mg/dia e manutenção da dose da prednisona. Observou‐se melhora imediata e visível após dois dias da terapêutica instituída, e melhora significativa após 40 dias (fig. 3).
Estudo de acompanhamento de pacientes com pênfigo (senso amplo) observou incidência de depressão 1,98 vez mais frequente que no grupo controle e de 2,42 vezes maior quando o pênfigo se associava à baixa renda. Essa maior frequência de depressão estaria associada ao curso crônico, recidivante, estigmatizante e debilitante da enfermidade.2 Os transtornos obsessivo‐compulsivos (TOC), no caso transtorno de controle do impulso de escoriação compulsiva e repetitiva, frequentemente se iniciam após condição dermatológica prévia; a face é a área preferencialmente envolvida.3 Associados ao diagnóstico de TOC, foram observados alta frequência de transtornos de ansiedade (em 79,6% dos casos) e transtornos no controle de uso de substâncias (em 38,6% dos pacientes).4
No caso relatado, suporte psicoterápico e farmacológico, cuidados locais e uso do curativo oclusivo que evitavam a manipulação local foram essenciais para o sucesso do tratamento. As trocas dos curativos foram diárias, com cuidados tópicos, utilização do PHMB e sob supervisão médica e de enfermagem.
A terapêutica com corticosteroides é de primeira escolha nos pênfigos, com o auxilio frequente de terapias adjuvantes poupadoras de corticosteroides.5 Recentemente, o rituximabe tem sido sugerido como medicação de primeira linha para casos graves ou recalcitrantes.5 O presente relato teve como objetivo destacar a importância de se identificar distúrbios psíquicos associados a doenças dermatológicas, valorizar a atenção global ao paciente e chamar a atenção para cuidados tópicos complementares, pouco valorizados na prática clínica.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresPaula Basso Lima: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; revisão crítica da literatura.
Marilia Formentini Scotton Jorge: Aprovação da versão final do manuscrito, revisão crítica do manuscrito.
Luciana Patrícia Fernandes Abbade: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; revisão crítica do manuscrito.
Sílvio Alencar Marques: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Lima PB, Jorge MFS, Abbade LPF, Marques SA. Pemphigus vulgaris aggravated by obsessive‐compulsive behavior: the importance of adjuvant topical occlusive dressing. An Bras Dermatol. 2021;96:523–5.
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.