Por ser um meio rico e acessível, a internet pode oferecer conhecimento também na área da saúde, na tentativa de os usuários compreenderem um eventual acometimento patológico e seus desfechos.1 Estudos prévios mostram que mulheres, jovens, universitários e indivíduos com maior renda têm maior propensão a buscar informações de saúde na internet.2 Contudo, existem poucos estudos acerca da influência de pesquisas sobre doenças dermatológicas. Assim, haja vista o perfil brasileiro de uso intensivo da internet, inclusive para pesquisas sobre saúde, faz‐se necessário estudar a maneira como as pessoas utilizam essa ferramenta no cotidiano.1,3
Este estudo objetivou avaliar a prevalência do acesso à internet para obter informações sobre saúde da pele entre pacientes dermatológicos, seu perfil demográfico e de buscas e associações destas com o uso da internet, bem como as interações dos resultados com o atendimento dermatológico.
Trata‐se de um estudo transversal, descritivo e exploratório, realizado com pacientes de hospital público do interior do estado de São Paulo, entrevistados entre julho e setembro de 2019. Os participantes foram recrutados por conveniência nas áreas de espera para atendimento dermatológico ambulatorial agendado.
Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos, alfabetizados e sem problemas de comunicação, déficit cognitivo ou doença psiquiátrica que impedisse a entrevista.
A coleta de dados foi realizada utilizando protocolo de investigação contendo duas partes: a primeira sobre informações demográficas dos pacientes, e a segunda questionando sobre o uso da internet em buscas relacionadas à saúde.
O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da instituição (Parecer: 3.661.913).
As variáveis contínuas foram analisadas bivariadamente pelos testes paramétricos t de Student após normalidade das distribuições avaliadas pelo teste de Shapiro‐Wilk. As variáveis categóricas foram comparadas pelos testes de qui‐quadrado ou exato de Fisher, de acordo com o menor número de eventos de cada análise.
As variáveis indicando o tipo de informação buscada e o tipo de ferramenta utilizada foram analisadas por meio de clusters hierárquicos, ligação entre grupos, distância euclidiana, representados por dendogramas de ligação entre centroides.
O tamanho amostral mínimo foi de 130 indivíduos para uma análise exploratória com até 12 variáveis.
Dados categóricos foram representados em números absolutos e/ou percentuais, e dados não categóricos em médias e desvios‐padrão.
A associação entre buscar informações sobre saúde da pele na internet e as demais variáveis demográficas foi avaliada de forma bivariada e, subsequentemente, as variáveis significativas foram incluídas em uma regressão logística multivariada.
Foram considerados significativos valores bicaudais de p ≤ 0,05.
A tabela 1 descreve dados socioeconômicos e o uso da internet dos 148 pacientes participantes da pesquisa; nenhum paciente se recusou a participar.
Dados demográficos e socioeconômicos dos pacientes dermatológicos participantes da pesquisa sobre uso da internet para obter informações sobre a saúde da pele
Variável | n (%) |
---|---|
Idade (média e DP) | 44,03 (15,26) |
Sexo | |
Feminino | 105 (70,9) |
Masculino | 43 (29,1) |
Escolaridade | |
Fundamental incompleto | 28 (18,9) |
Fundamental completo | 20 (13,5) |
Médio completo ou incompleto | 57 (38,5) |
Superior completo ou incompleto | 43 (29,1) |
Renda | |
Até 1000 reais | 50 (33,8) |
1000 a 3000 reais | 74 (50) |
Acima de 3000 reais | 24 (16,2) |
Tempo deslocamento | |
Menos 20 minutos | 38 (25,7) |
20 a 60 minutos | 44 (29,7) |
Mais de 60 minutos | 66 (44,6) |
Acesso à internet em casa | 131 (88,5) |
Tem smartphone | 135 (91,2) |
Uso para saúde | 113 (76,4) |
Uso para saúde de pele | 102 (68,9) |
Onde busca informação | |
Em redes sociais | 26 (17,6) |
Troca de mensagens | 4 (2,7) |
Motores de busca | 81 (54,7) |
Blogs | 17 (11,5) |
Sites de notícias | 2 (1,4) |
Sites de governo | 3 (2) |
Momento em relação ao atendimento | |
Antes | 49 (60,8) |
Depois | 27 (45,9) |
Discute com o médico sobre as informações da internet | |
Nunca / raramente | 75 (50,7) |
Às vezes | 23 (15,5) |
Frequentemente | 13 (8,8) |
Quase sempre | 8 (5,4) |
Motivo | |
Diagnóstico | 42 (28,4) |
Tratamento alternativo | 40 (27) |
Efeitos colaterais | 25 (16,9) |
Prevenção | 17 (11,5) |
Prognóstico | 24 (16,2) |
Outros | 12 (8,1) |
Aparelho | |
Smartphone | 101 (68,2) |
Desktop | 17 (11,5) |
Tablet e outros | 3 (2) |
Conflito com tratamento médico | 34 (23) |
Influencia tratamento | 28 (18,9) |
Motivou alteração | 4 (2,7) |
Confiança | |
Muito pouco | 25 (16,9) |
Pouco | 36 (24,3) |
Médio | 41 (27,7) |
Muito/absolutamente | 6 (4,1) |
Depende da fonte | 9 (6,1) |
A tabela 2 ilustra a associação de variáveis demográficas com ter obtido informações de saúde dermatológica pela internet. A obtenção dessas informações associou‐se aos jovens, mulheres, maior escolaridade e ter acesso domiciliar à internet. Porém, em análise multivariada por regressão logística, incluindo as variáveis com p ≤ 0,05, apenas a idade permaneceu significativa (p<0,01).
Características demográficas e associação com a obtenção de informações sobre saúde da pele na internet
Variável | Obteve informação, n (%) | Não obteve informação, n (%) | RP (95% IC) | p |
---|---|---|---|---|
Idade (média e DP) | 40,2 (13,5) | 52,5 (15,6) | <0,01 | |
Sexo | <0,01 | |||
Feminino | 80(78,4) | 25 (54,4) | Referência | |
Masculino | 22 (21,6) | 21 (45,6) | 0,47 (0,29 a 0,77) | |
Escolaridade | <0,01 | |||
Fundamental incompleto | 13 (12,8) | 15 (32,6) | Referência | |
Fundamental completo | 12 (11,8) | 8 (17,4) | 1,38 (0,69 a 2,76) | |
Médio completo ou incompleto | 40 (39,2) | 16 (34,8) | 1,46 (1,01 a 2,13) | |
Superior completo ou incompleto | 37 (36,6) | 6 (13,4) | 2,59 (1,29 a 5,19) | |
Renda | 0,81 | |||
Até 1000 reais | 35 (34,3) | 15 (32,6) | Referência | |
1000 a 3000 reais | 49 (48) | 25 (54,4) | 0,93 (0,69 a 1,26) | |
Acima de 3000 reais | 18 (17,7) | 6 (13) | 1,19 (0,55 a 2,58) | |
Tempo deslocamento | 0,89 | |||
Menos 20 minutos | 26 (25,5) | 12 (26,1) | Referência | |
20 a 60 minutos | 30 (29,4) | 14 (30,4) | 0,99 (0,65 a 1,53) | |
Mais de 60 minutos | 46 (45,1) | 20 (43,5) | 1,02 (0,74 a 1,41) | |
Acesso à internet | 97 (95,1) | 34 (73,9) | 1,29 (1,08 a 1,54) | <0,01 |
Tem smartphone | 96 (94,1) | 39 (84,8) | 1,11 (0,97 a 1,27) | 0,11 |
A confiabilidade das informações não se associou com idade, sexo, escolaridade ou renda; discutir os resultados com o médico correlacionou‐se diretamente com escolaridade (p=0,01 – Qui‐Quadrado de tendência) e renda (p=0,05–Qui‐Quadrado de tendência); ter conflito com a conduta médica não se associou com sexo, idade, escolaridade ou renda; a busca por tratamentos alternativos associou‐se aos jovens (36,82 [12,32]×43,33 [14,17] anos; p=0,02 – teste t de Student) e à maior escolaridade (p<0,01 – Qui‐Quadrado de tendência); e a realização de tratamentos embasados apenas em buscas virtuais associou‐se aos jovens (35,85 [13,21]×42,80 [13,72] anos; p=0,02 – teste t de Student).
A análise de cluster dos tipos de informação mostrou dois principais padrões independentes de buscas, focando diagnóstico, tratamentos e outras informações. Já a análise de portal e ferramentas mostrou padrão de predominância de uso de motores de buscas (figs. 1 e 2).
Identificou‐se que a maioria dos participantes fazem uso da internet para realizar pesquisas relacionadas à saúde, corroborando a hipótese do estudo. Em artigo semelhante publicado pela Universidade de Pittsburgh (2015), identificou‐se também uso da internet para obter informações relacionadas à saúde pela maioria dos participantes (74,7%). No entanto, apenas a minoria utilizava para fins dermatológicos (38,7%).4
Nota‐se, no presente estudo, que a busca de informações se deu principalmente em smartphones, o que pode estar ligado à comodidade e maior facilidade de acesso.
Apesar de a maioria dos entrevistados utilizar a internet para buscas sobre saúde, as informações obtidas não exercem grande influência para a maior parte deles. Um trabalho conduzido em 2015 pela Universidade de Granada descreveu a estabilidade do vínculo entre médico e paciente, mesmo com uso de ferramentas virtuais.5
Contudo, é importante afirmar que aproximadamente 19% dos participantes já realizaram algum tratamento baseando‐se apenas em buscas virtuais e 2,7% já abandonaram um tratamento devido à internet.
Quanto ao motivo da busca, o principal foi diagnóstico, seguido de opções de tratamento, procurados principalmente antes da consulta médica. Todavia, 45% dos entrevistados procuravam informações mesmo após o atendimento, sugerindo a persistência de dúvidas ou insatisfação com abordagem médica.
Apesar de idade, sexo, escolaridade e acesso domiciliar à internet estarem associados à procura por informações sobre saúde dermatológica, em análise bivariada, deve‐se destacar que na análise multivariada apenas a idade manteve‐se significativamente associada à busca por informações em saúde da pele, de modo que provavelmente fatores tecnológicos, socioeconômicos e culturais ligados aos mais jovens levam‐nos a buscarem mais informações sobre saúde dermatológica na internet.
Ressaltamos que este estudo foi realizado em um centro incluindo apenas pacientes da rede pública, o que pode interferir na validade dos resultados para a rede privada ou outras regiões nacionais. Todavia, os resultados foram coerentes com outras pesquisas sobre o mesmo tema.
Portanto, conclui‐se que a busca por informações sobre a saúde dermatológica na internet é frequente, especialmente entre os jovens, porém com baixa confiabilidade atribuída às informações. Assim, é fundamental a adoção de medidas educacionais junto à população sobre onde encontrar informações de boa confiabilidade.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresBianca Latance da Cruz: Levantamento dos dados; interpretação dos dados; revisão crítica do conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão enviada.
Arthur Cesar dos Santos Minato: Levantamento dos dados; interpretação dos dados; revisão crítica do conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão enviada.
Ioana Bittencourt Mourão: Levantamento dos dados; interpretação dos dados; revisão crítica do conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão enviada.
Dayane Neres Pereira: Levantamento dos dados; interpretação dos dados; revisão crítica do conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão enviada.
Miguel Huckembeck de Oliveira: Levantamento dos dados; interpretação dos dados; revisão crítica do conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão enviada.
Juliano Vilaverde Schmitt: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; revisão crítica do conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão enviada.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Cruz BL, Minato ACS, Mourão IB, Pereira DN, Oliveira MH, Schmitt JV. Using the internet to obtain dermatological information on patients from the public health network: a cross‐sectional study. An Bras Dermatol. 2022;97:528–31.
Trabalho realizado no Departamento de Infectologia, Dermatologia, Diagnóstico por Imagem e Radioterapia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.