A síndrome de Schnitzler (SS) é doença rara, com aproximadamente 350 casos relatados na literatura, caracterizada por dermatose urticariforme neutrofílica e gamopatia monoclonal (IgM em mais de 90% dos casos), associada a sinais clínicos e biológicos de inflamação.1‐3 Em 2013, Lipsker, Schnitzler e outros especialistas se reuniram e propuseram os critérios diagnósticos de Strasbourg, que são amplamente utilizados atualmente para diagnosticar SS (tabela 1).1,4 Este relato de caso descreve um paciente com quadro clínico e diagnóstico laboratorial da SS no Brasil.
Critérios diagnósticos de Strasbourg para síndrome de Schnitzler
Critérios obrigatórios |
Erupção urticariforme crônica e |
IgM ou IgG monoclonal |
Critérios menores |
Febre recorrentea |
Achados objetivos de remodelação óssea anormal com ou sem dor ósseab |
Infiltrado dérmico neutrofílico na histopatologia da pelec |
Leucocitose e/ou PCR elevadad |
Diagnóstico definitivo se |
Dois critérios obrigatórios e pelo menos dois critérios menores se for IgM e três critérios menores se for IgG |
Diagnóstico provável se |
Dois critérios obrigatórios e pelo menos um critério menor se for IgM e dois critérios menores se for IgG |
Deve ser> 38°C e não explicada de outra maneira. Ocorre geralmente – mas não é obrigatório – junto com a erupção cutânea.
Conforme avaliado por cintilografia óssea, ressonância magnética ou elevação da fosfatase alcalina óssea.
Paciente masculino, de 67 anos, apresentou‐se ao Departamento de Dermatologia com lesões pruriginosas recorrentes, não dolorosas, semelhantes à urticária nas extremidades e no tronco (fig. 1). As lesões desapareceram em 24 horas sem deixar hiperpigmentação acinzentada. O paciente apresentava febre intermitente de até 39°C, artralgia generalizada e cansaço. Os episódios inflamatórios duravam de dois a cinco dias, com comprometimento geral acentuado. O paciente sofreu episódios de intensidade variável quase mensalmente nos últimos 15 anos. A histopatologia da pele lesionada mostrou infiltrado de células polimorfonucleares perivascular e intersticial, descrito como consistente com o diagnóstico de lesão urticariforme e compatível com SS (fig. 2).
As investigações laboratoriais revelaram leucocitose (até 21.000mm3, ref. 4.000–11.600mm3), velocidade de hemossedimentação (VHS) elevada (120mm/h; 0∼20mm/h) e níveis aumentados de imunoglobulina (Ig)M (2.550mg/dL; 46∼260mg/dL) em eletroforese de proteínas séricas (fig. 3). Na cintilografia óssea havia leve assimetria de captação nas tíbias, um pouco maior à esquerda. Foi realizada biopsia de medula óssea com estudo citogenético negativo para doenças linfoproliferativas. Com base nesses achados clínicos e laboratoriais, o paciente foi diagnosticado com SS.
O tratamento foi iniciado com corticosteroides em altas doses, anti‐inflamatórios não esteroides (AINEs) e anti‐histamínicos, com remissão parcial dos sintomas.
Existem alguns casos relatados na América Latina e, em geral, são subdiagnosticados, apesar dos critérios diagnósticos bem estabelecidos. Sua patogênese é desconhecida.5
A principal complicação é uma neoplasia maligna hematológica, que pode ocorrer em cerca de 10% a 20% dos pacientes.5,6 Além da urticária crônica espontânea, outros diagnósticos diferenciais devem ser considerados (tabela 2).7
Diagnósticos diferenciais da síndrome de Schnitzler
Doenças autoimunes |
Doença de Still do adulto (AOSD) |
Lúpus eritematoso sistêmico |
Deficiência adquirida do inibidor da esterase C1 |
Doenças hematológicas |
Gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS) |
Síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, gamopatia monoclonal e alterações cutâneas) |
Macroglobulinemia de Waldenström |
Linfomas |
Mieloma múltiplo |
Síndromes autoinflamatórias hereditárias |
Síndromes associadas à criopirina (CAPS): |
Urticária familiar ao frio |
Síndrome de Muckle‐Wells |
Síndrome neurológica, cutânea e articular crônica infantil (CINCA) |
Doenças infecciosas |
Hepatite B e C |
Meningococcemia crônica |
Outros |
Urticária espontânea crônica |
Vasculite urticariforme hipocomplementêmica |
Urticária de pressão tardia |
Crioglobulinemia |
Síndrome de Behçet |
Mastocitose |
CAPS, síndromes associadas à criopirina; CINCA, síndrome neurológica, cutânea e articular crônica infantil IgM, imunoglobulina M; IgG, imunoglobulina G; IL‐1, interleucina‐1; IL‐1‐RA, antagonista do receptor de interleucina‐1; MGUS, gamopatia monoclonal de significado indeterminado; POEMS, polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, gamopatia monoclonal e alterações cutâneas; TNF, fator de necrose tumoral.
Atualmente, para pacientes com proteína C‐reativa (PCR) <3mg/dL, as opções de tratamento incluem monitoramento, colchicina, AINEs e hidroxicloroquina.1,2 Os corticosteroides tiveram efeito moderado e a terapia anti‐histamínica não teve efeito.8 De acordo com Simon et al., a eficácia da colchicina é de apenas 25%, mas com base na relação risco/benefício, a colchicina é recomendada como tratamento de primeira escolha.9 Os especialistas recomendam o uso de anakinra (bloqueador de IL‐1) em pacientes mais sintomáticos, como aqueles com VHS e níveis de PCR acima do limite superior do normal (PCR >3mg/dL).1
O tratamento com corticosteroides, AINEs e anti‐histamínicos é sintomático e insatisfatório.9 Anakinra (neutralizante de IL‐1) é o medicamento de escolha. O efeito de inibição da IL‐1 gerou novas expectativas, mas atualmente não há anakinra disponível no Brasil. Um medicamento alternativo poderia ser o canaquinumabe, anticorpo monoclonal humano anti‐IL‐1β que visa a neutralização da sinalização de 1β.10
Essa síndrome rara e debilitante deve ser considerada em pacientes que apresentam urticária crônica associada a sinais de inflamação sistêmica. O tratamento precoce pode melhorar a qualidade de vida do paciente e o prognóstico da doença.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresKelielson Cardoso de Macêdo Cruz: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Daniela de Abreu e Silva Martinez: Elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Danielle Carvalho Quintella: Elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Tullia Cuzzi: Elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Sergio Duarte Dortas Junior: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.
Solange Oliveira Rodrigues Valle: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Cruz KCM, Martinez DAS, Quintella DC, Cuzzi T, Dortas Dortas Junior SD, Valle SOR. Mimicking urticaria: a Schnitzler syndrome case. An Bras Dermatol. 2024;99:967–9.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.