As erupções medicamentosas liquenoides são incomuns e podem ser difíceis de diferenciar do líquen plano idiopático. As características clínicas e histopatológicas são extremamente semelhantes em ambas. A erupção medicamentosa liquenoide causada por inibidores da HMG‐CoA redutase é excepcional.
Um homem caucasiano de 59 anos foi atendido no ambulatório dermatológico (Hospital Universitario San Cecilio, Granada, Espanha) com história de dois meses de erupção pruriginosa localizada em seu tórax e região lombar. Ele não relatou história prévia de qualquer afecção dermatológica. Seu clínico geral havia prescrito pravastatina/fenofibrato (Pravafenix® 40/160mg) para o tratamento de hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia três meses antes. O paciente foi encaminhado ao serviço de dermatologia com suspeita clínica de psoríase em placas. Ao exame físico, apresentava múltiplas placas eritemato‐escamosas brilhantes e violáceas no tronco e na região lombar (fig. 1). Estrias de Wickham não puderam ser identificadas por meio da dermatoscopia. O exame das mucosas não mostrou anomalias. O estudo histopatológico revelou infiltrado inflamatório liquenoide com intenso envolvimento da interface dermoepidérmica, associado a queratinócitos apoptóticos e melanófagos na derme papilar (fig. 2). Erupção liquenoide decorrente da pravastatina foi então diagnosticada. A pravastatina foi descontinuada e substituída por fluvastatina. O fenofibrato não foi descontinuado. Tratamento com corticosteroides tópicos (creme de furoato de mometasona 0,1%, 1×/dia) foi aplicado durante os primeiros sete dias. Foi observada hiperpigmentação acastanhada residual aos três meses de seguimento.
As estatinas são medicamentos comumente prescritos para o tratamento da hipercolesterolemia. Um número limitado de relatos de casos de erupção medicamentosa liquenoide associada a estatinas foi relatado até o momento.1 A reação dermatológica adversa notificada com mais frequência é erupção cutânea eczematosa ou de hipersensibilidade. Atorvastatina, lovastatina e sinvastatina são as estatinas associadas à maioria dos efeitos adversos, incluindo fotossensibilidade, urticária, síndrome semelhante ao lúpus e prurido, entre outros.2 O mecanismo das erupções cutâneas induzidas por estatinas não é bem compreendido. Os efeitos anti‐inflamatórios das estatinas podem estar relacionados tanto aos efeitos benéficos quanto ao desenvolvimento desses efeitos colaterais. Acredita‐se que reações autoimunes mediadas por células contra os queratinócitos da camada basal estejam envolvidas.3 A pravastatina não sofre metabolismo pelas enzimas CYP, ao contrário da sinvastatina, lovastatina, atorvastatina e rosuvastatina. Esses medicamentos sofrem seu metabolismo no fígado pelo citocromo P450 CYP3A3 e CYP2C9 AV.4 Isso poderia explicar por que o paciente descrito aqui não continuou com a erupção liquenoide após o início da fluvastatina. Esses metabólitos podem estar relacionados ao desenvolvimento de erupções cutâneas. Alguns casos de erupção liquenoide induzida pela pravastatina já foram relatados.5 Além disso, lesões eczematosas semelhantes à psoríase foram relatadas com o uso de pravastatina.6 Ambas reações cutâneas tendem a ser resistentes a tratamentos tópicos com corticosteroides e até mesmo a tratamentos sistêmicos. A interrupção da pravastatina levará à resolução do quadro clínico. Embora a fluvastatina tenha sido bem tolerada pelo paciente aqui descrito, a ezetimiba é considerada tratamento de primeira linha em caso de intolerância comprovada às estatinas.7 Um caso de recorrência de erupção liquenoide foi descrito em paciente que interrompeu o uso de rosuvastatina, cuja terapia foi trocada para sinvastatina. A escolha de nova linha terapêutica deve objetivar evitar o metabolismo hepático de primeira passagem. Por fim, o paciente aqui descrito desenvolveu escore de 6 no algoritmo de Naranjo, de modo que a relação causal foi considerada provável.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresFrancisco J. Navarro‐Triviño: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; análise estatística; concepção e planejamento do estudo.
Ricardo Ruiz‐Villaverde: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; análise estatística; concepção e planejamento do estudo.
Conflito de interessesNenhum.