A doença de Darier é uma doença hereditária autossômica dominante incomum, causada por mutação no gene ATP2A2. Os achados clínicos são pápulas hiperceratóticas no tronco, couro cabeludo, face e pescoço, maceração de áreas intertriginosas, fossetas palmares, pápulas esbranquiçadas na mucosa oral e anormalidades ungueais. Os principais achados histopatológicos são acantólise e ceratinócitos disceratóticos. As características dermatoscópicas são aberturas em forma de comedão, com estrutura central poligonal amarelada/acastanhada, circundada por halo esbranquiçado. O tratamento de primeira linha inclui a acitretina. Cinco relatos foram publicados descrevendo os achados dermatoscópicos da doença de Darier. O presente relato descreve pela primeira vez um paciente em tratamento com acitretina e seguimento dermatoscópico.
Paciente do sexo feminino, de 33 anos, apresentava desde a infância histórico de pápulas escamosas persistentes em ambas as pernas e na face. O exame físico revelou múltiplas pequenas pápulas ceratóticas, crostosas, marrom a marrom‐escuras, localizadas no sulco nasolabial esquerdo (fig. 1) e na superfície extensora de ambas as pernas. As unhas e a mucosa oral não estavam afetadas. Sob dermatoscopia (DermLite DL4, 10×; 3Gen, San Juan Capistrano, CA, EUA) foram encontradas grandes áreas de formato oval e coloração amarelo‐acastanhado, semelhantes a comedões, circundadas por halo branco em fundo rosado. A biópsia de pele foi compatível com doença de Darier (fig. 2). A paciente foi tratada com acitretina 25mg/dia e após seis meses de tratamento obteve‐se notável melhora clínica e dermatoscópica das lesões cutâneas da face (fig. 3) e boa resposta nas pernas (fig. 4).
Exame dermatoscópico (10×). (A) Antes do tratamento com acitretina. Grandes aberturas em forma de comedão (300 a 500 mícrons) com uma estrutura hiperceratótica central, rodeada por um halo de escamas esbranquiçadas. (B) Após o tratamento com acitretina. Algumas escamas brancas brilhantes sobre fundo homogêneo rosado.
Exame dermatoscópico (10×). (A) Antes do tratamento com acitretina, múltiplas aberturas confluentes semelhantes a comedões com uma estrutura hiperceratótica central cercada por um halo de descamação esbranquiçada são vistas nas pernas. (B) Após o tratamento com acitretina, escamas brancas brilhantes (de diferentes tamanhos) e crostas são identificadas na pele.
A doença de Darier (DD) ou doença de Darier‐White é um distúrbio da ceratinização hereditário autossômico dominante.1 Tem penetrância completa, embora apresente expressão variável, com impacto negativo na qualidade de vida. Foi descrita pela primeira vez por Jean Darier e James Clarke White em 1889.1,2 É causada por mutação no gene ATP2A2 ‐ em todos os casos ‐ que codifica o retículo sarco/endoplasmático Ca2+ATPase tipo 2 (SERCA2).2 A prevalência varia de 1/30.000 a 1/50.000 e afeta ambos os sexos em igual proporção, sem diferenças étnicas.1
Os achados clínicos clássicos são pápulas hiperceratóticas em áreas seborreicas afetando tronco, couro cabeludo, face e regiões laterais do pescoço. Geralmente, são lesões simétricas, mas a DD em mosaico pode ocorrer se as lesões seguirem as linhas de Blaschko unilateralmente ou se estiverem distribuídas em áreas focais de gravidade aumentada sobrepostas a um fundo de DD generalizada.3 Esta última forma corresponde ao presente caso, no qual foram encontradas lesões faciais unilaterais. Outras características incluem maceração de áreas intertriginosas, fossetas palmares e pápulas esbranquiçadas na mucosa oral (palato duro). Anormalidades ungueais podem ser encontradas mostrando entalhes em forma de V na borda distal da unha, estrias longitudinais alternadas brancas e vermelhas, hiperceratose subungueal, hemorragias em estilhaços e fragilidade ungueal.2,4
Os principais achados histopatológicos são acantólise por perda de adesão celular e ceratinócitos disceratóticos (células prematuras). Essas células disceratóticas são descritas como “corp ronds” (corpos redondos) na camada espinhosa/granulosa e “grãos” no estrato córneo.1
As características dermatoscópicas também foram descritas na DD. Elas incluem aberturas em forma de comedão com uma estrutura central poligonal ou em forma de estrela, amarelada/acastanhada, cercada por um halo esbranquiçado.4,5 Um fundo rosa homogêneo sem estrutura está associado a escamas brancas e vasos puntiformes ou lineares.5 O tratamento de primeira linha na DD inclui retinoides tópicos ou sistêmicos, tornando a acitretina uma alternativa valiosa desde 1988.6 Apenas cinco relatos foram publicados descrevendo os achados dermatoscópicos na DD.4,5,7,8 Neste caso, foi possível comparar os resultados do tratamento com acitretina ‐ antes e depois ‐ utilizando dermatoscopia.
A acitretina é o metabólito ativo do etretinato. Foi introduzida em 1988 e substituiu o etretinato, principalmente em virtude de um melhor perfil farmacocinético e menos efeitos adversos.9 A acitretina une‐se fortemente à proteína de ligação do ácido retinoico celular, que transporta o ácido retinoico do citosol para o núcleo. Ela modifica a transcrição de mais de 500 genes, reduz a proliferação e aumenta a diferenciação dos ceratinócitos, inibe a indução de células T‐helper‐17 (Th‐17) suprimindo a interleucina‐6 (IL‐6) e promove a diferenciação de células T reguladoras. A acitretina reduz a produção do fator de crescimento endotelial vascular pelos ceratinócitos e inibe a migração de neutrófilos.10 Em resumo, modula a proliferação e diferenciação dos ceratinócitos e tem atividades imunomoduladoras e anti‐inflamatórias.9 Portanto, a acitretina demonstrou ter uma eficácia terapêutica consistente em distúrbios da queratinização (p. ex., eritrodermia ictiosiforme bolhosa, ictiose lamelar, pitiríase rubra pilar).9 Tornou‐se a primeira escolha para o tratamento da DD.6
No presente caso, o efeito da acitretina foi notável, mas o mais importante foi a demonstração da eficácia da medicação pelo seguimento dermatoscópico. Antes do tratamento, a paciente apresentava grandes aberturas tipo comedão (medindo de 300 a 500 mícrons, conforme mostrado na escala do dermatoscópico), com uma estrutura central hiperceratótica amarelada/acastanhada, circundada por um halo esbranquiçado (fig. 3A). Após seis meses de tratamento, essas lesões regrediram quase completamente, deixando poucas estruturas brancas e brilhantes, observadas apenas na dermatoscopia, como resultado do processo inflamatório e fibrótico que se seguiu ao tratamento com acitretina (fig. 3B, fig. 4B).
Confirma‐se a importância da dermatoscopia como ferramenta diagnóstica útil para o diagnóstico clínico em dermatologia. No presente caso, a dermatoscopia também foi essencial para o monitoramento do tratamento da paciente com DD.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuições dos autoresCatalina Silva‐Hirschberg: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
Raúl Cabrera: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito.
María Paz Rollán: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Alex Castro: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.