As dermatoses perfurantes reacionais adquiridas (DPRA) são um grupo raro de doenças cutâneas caracterizadas pela eliminação transepidérmica de diversos materiais, como colágeno, elastina e queratina. Quando a eliminação ocorre por meio de uma estrutura folicular, é chamada de foliculite perfurante.1 As doenças sistêmicas mais comuns associadas à DPRA são diabetes mellitus e insuficiência renal, mas já foram relatadas associações com doenças infecciosas, inflamatórias e autoimunes, com possíveis desencadeantes incluindo vasculopatia imunológica no contexto de doença autoimune subjacente e microangiopatia dérmica causada pelo ato de coçar.
Os autores apresentam o caso de uma paciente do sexo feminino, de 54 anos, que recorreu ao Ambulatório de Dermatologia por dermatose pruriginosa com tempo de evolução desconhecido. A dermatose distribuía‐se difusa e bilateralmente nas coxas e nos cotovelos e era composta por pápulas eritemato‐violáceas umbilicadas com tampões hiperceratóticos aderentes centrais (fig. 1). Fenômeno de Koebner estava presente em algumas das lesões. A paciente tinha artrite reumatoide (AR), positiva para fator reumatoide e anticorpos antiproteína citrulinada, com controle insatisfatório utilizando 12,5mg de prednisolona diariamente. Ela nunca havia sido tratada com medicamentos biológicos e havia recentemente suspendido o uso de sulfasalazina em virtude de hepatotoxicidade. O exame de sangue revelou taxa de sedimentação de eritrócitos levemente elevada de 42mm/h (normal<29mm/h), mas a glicemia e a função renal estavam normais. Considerando as manifestações cutâneas associadas à AR, como dermatose neutrofílica reumatoide e dermatite granulomatosa intersticial, foi realizada biopsia por punch. A histopatologia revelou folículo piloso dilatado com ruptura infundibular, contendo restos de queratina e neutrófilos. A coloração pelo método de Verhoeff evidenciou que os materiais eliminados eram fibras elásticas e colágeno (fig. 2). Consequentemente, foi estabelecido o diagnóstico de foliculite perfurante.
Após resposta sub‐ótima ao propionato de clobetasol tópico e anti‐histamínicos e diante da impossibilidade de realizar fototerapia com segurança (a paciente apresentava comprometimento auditivo e cognitivo), o uso de alopurinol 100mg/dia resultou em alívio sintomático considerável e resolução quase completa da dermatose, sem efeitos adversos. A paciente mantém acompanhamento regular nos ambulatórios de Dermatologia e Reumatologia e, desde então, iniciou o uso de abatacepte, um agente antirreumático modificador da doença.
Até o momento, não há diretrizes específicas baseadas em evidências sobre o tratamento da dermatose perfurante.2 Quando possível, a prioridade deve ser o controle da doença de base. Outras opções de tratamento incluem retinoides tópicos ou sistêmicos, antibióticos, glicocorticoides tópicos, intralesionais ou sistêmicos, anti‐histamínicos, cirurgia, fototerapia com ultravioleta B de banda estreita, PUVA (psoraleno+ultravioleta A) e alopurinol. O alopurinol pode ser tratamento válido e útil para DPRA, com resultados bem‐sucedidos apresentados em 14 relatos de casos e séries de casos, sem reações adversas.2–4 Seu mecanismo de ação exato é desconhecido, mas pode atuar por meio de seu efeito antioxidante em virtude da inibição da xantina oxidase. Uma revisão sistemática recente sugere o alopurinol como tratamento sistêmico de primeira linha, juntamente com anti‐histamínicos.2
Em conclusão, em virtude da raridade dessas doenças e da falta de diretrizes, o manejo da DPRA pode ser um desafio. Os autores apresentam rara associação de foliculite perfurante e AR, tratada com sucesso com alopurinol 100mg/dia. A presente experiência apoia o uso do alopurinol como tratamento seguro e eficaz para DPRA.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresAna Gusmão Palmeiro: Revisão crítica da literatura; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; obtenção, análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito; concepção e planejamento do estudo.
Maria João Gonçalves: Revisão crítica do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Cristina Amaro: Revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; concepção e planejamento do estudo.
Isabel Viana: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Conflito de interessesNenhum.