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Vol. 99. Núm. 5.
Páginas 763-765 (1 setembro 2024)
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Cartas ‐ Caso clínico
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Deficiência neonatal transitória de zinco ou acrodermatite enteropática?
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Luciane Francisca Fernandes Botelho
Autor para correspondência
lucianebotelho@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Selma Hélène, Carolina Gonçalves Contin Proença, Silvia Assumpção Soutto Mayor
Clínica de Dermatologia, Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Características da deficiência neonatal transitória de zinco e acrodermatite enteropática
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Prezado Editor,

Paciente do sexo masculino, 5 meses de vida, há dois meses com lesões eritemato‐descamativas inicialmente na região perioral que evoluíram para as regiões acral, perinasal, genital, ombros e occipital com alopecia associada (fig. 1). O paciente não apresentava diarreia nem comprometimento sistêmico. Foi tratado com antifúngico, corticoide tópico e antibioticoterapia sistêmica em outro serviço, sem melhora. Feita hipótese clínica de acrodermatite enteropática versus deficiência neonatal transitória de zinco (DNTZ), foram solicitadas dosagens de zinco e fosfatase alcalina, cujos resultados não apresentavam alterações. Entre os antecedentes pessoais, o paciente foi pré‐termo (34 semanas), em aleitamento materno exclusivo. A dosagem de zinco no leite materno não pode ser realizada, pois não é um teste comercialmente disponível no Brasil.

Figura 1.

Lesões eritemato‐descamativas na região perioral, perinasal, glabela e genital.

(0.22MB).

Diante do quadro clínico característico e pela extensão das lesões cutâneas, foi iniciada suplementação oral com zinco na dose de 3mg/kg/dia. Após três semanas de suplementação, o paciente evoluiu com melhora significante (fig. 2), confirmando o diagnóstico de deficiência do mineral, apesar da dosagem sérica de zinco normal. O paciente continuou em acompanhamento; com 1 ano e 3 meses de idade, realizou o sequenciamento completo do exoma, que identificou mutação no gene SLC30A2. A genitora não realizou o teste genético, mas provavelmente o paciente herdou a mutação da mãe, que produzia leite com baixa concentração de zinco. Concluímos tratar‐se de DNTZ, e foi suspensa a suplementação. O paciente evoluiu sem recidiva das lesões.

Figura 2.

Três semanas após a suplementação de zinco, o paciente evoluiu com melhora significante.

(0.21MB).

O zinco atua no desenvolvimento, diferenciação e crescimento celular.1 A deficiência desse mineral pode ter origem genética ou adquirida.

As formas genéticas são autossômicas recessivas, conhecida classicamente como acrodermatite enteropática, ou autossômica dominante, chamada de DNTZ.2 Na acrodermatite enteropática, a mutação ocorre no gene SLC39A4; a incidência dessa mutação é estimada em 1/500.000 crianças, sem predileção por sexo ou etnia. O gene SLC39A4 codifica a proteína ZIP4, presente nos enterócitos do intestino e responsável pela absorção do zinco.3 A DNTZ ocorre em crianças em aleitamento materno exclusivo, em virtude da baixa concentração de zinco no leite, decorrente da mutação materna no gene SLC30A2. Esse gene codifica um transportador de zinco chamado ZNT2, presente nas células das glândulas mamárias e responsável por transportar o mineral para o leite materno.2 A tabela 1 apresenta as principais diferenças entre a acrodermatite enteropática e a DNTZ.

Tabela 1.

Características da deficiência neonatal transitória de zinco e acrodermatite enteropática

  Deficiência neonatal transitória de zinco  Acrodermatite enteropática 
Mutação genética e herança  SLC30A2, autossômica dominante  SLC39A4, autossômica recessiva 
Momento da apresentação clínica  Ocorre nos primeiros meses de vida na vigência de aleitamento materno exclusivo  Ocorre geralmente após suspensão do aleitamento materno 
Dosagem sérica de zinco  Reduzida, raramente normal  Reduzida, raramente normal 
Dosagem de zinco no leite materno  Reduzida  Normal 
Dosagem sérica de zinco materno  Normal  Normal 
Necessidade de suplementação de zinco  Somente durante o aleitamento materno exclusivo  Durante toda vida 

As formas adquiridas de deficiência de zinco podem ser por prematuridade, nutrição parenteral deficitária em zinco e síndromes de má absorção intestinal.3,4

O quadro clínico das formas genéticas e adquirida são semelhantes. Em ambas, os pacientes apresentam placas eritemato‐descamativas, podendo surgir vesículas, bolhas e pústulas nas regiões periorificiais e acral. Outras manifestações presentes são alopecia, diarreia, queilite angular, paroníquia, retardo de crescimento, déficit neurológico, dificuldade de cicatrização, anemia, fotofobia, hipogeusia, anorexia, atraso puberal e hipogonadismo.3,5 Os sintomas da acrodermatite enteropática clássica costumam surgir quando o aleitamento materno é interrompido, pois o leite materno é rico em zinco biodisponível; entretanto, em bebês prematuros com alta demanda de zinco, os sintomas podem surgir durante a amamentação.4

Entre os diagnósticos diferenciais, devemos considerar deficiência de biotina, infecções fúngicas, dermatite seborreica, psoríase, histiocitose de células de Langerhans e dermatite de contato.6

O presente caso foi um desafio diagnóstico, pois a dosagem sérica de zinco estava normal. No entanto, de acordo com a literatura, há relatos de acrodermatite enteropática com dosagem sérica de zinco normal.7–9 Esse paradoxo é, em parte, resultado da homeostase do zinco plasmático, que compreende apenas 0,1% das reservas totais de zinco corporal. Portanto, medir com precisão o status de zinco no organismo é difícil. Nível sérico reduzido de fosfatase alcalina, uma metaloenzima dependente do zinco, pode auxiliar no diagnóstico.3

Com tratamento adequado, as alterações decorrentes da deficiência de zinco regridem sem sequelas; porém, períodos prolongados de carência podem afetar permanentemente o crescimento e desenvolvimento neurológico do paciente. A suplementação de zinco em crianças com deficiência transitória deve ser realizada com 1mg/kg/dia, e pacientes com acrodermatite enteropática devem receber 3mg/kg/dia de suplementação.10 Na acrodermatite enteropática, a suplementação deve ser mantida pelo resto da vida; já na DNTZ, a suplementação pode ser suspensa após o período de aleitamento materno exclusivo.2

Este relato de caso mostra a importância do teste genético no diagnóstico da deficiência de zinco em lactentes, uma vez que, independente da etiologia, as manifestações clínicas podem ser idênticas.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Luciane Francisca Fernandes Botelho: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; levantamento dos dados, obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Selma Hélène: Análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e terapêutica do caso estudado; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Carolina Gonçalves Contin Proença: Participação intelectual em conduta propedêutica e terapêutica do caso estudado; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Silvia Assumpção Soutto Mayor: Concepção e planejamento do estudo; análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e terapêutica do caso estudado; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Botelho LFF, Hélène S, Proença CGC, Mayor SAS. Transient neonatal zinc deficiency or acrodermatitis enteropathica? An Bras Dermatol. 2024;99:763–5.

Trabalho realizado no Hospital da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

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