A cirurgia micrográfica de Mohs é uma técnica cirúrgica para tratamento do câncer de pele não melanoma. A cirurgia se inicia a partir da retirada do tumor visível, antes da exérese dos espécimes de tecido para avaliação das margens tumorais.
ObjetivosApresentar uma nova maneira de avaliar o material obtido da enucleação, a partir da análise histológica horizontal do fragmento.
MétodosEstudo transversal retrospectivo descritivo baseado nos prontuários e nas lâminas histológicas de pacientes com carcinomas basocelulares primários menores do que 1,5cm submetidos à cirurgia micrográfica de Mohs e que tiveram o tumor visível analisado por cortes histológicos horizontais.
ResultadosA amostra avaliada incluiu 16 pacientes com lesões localizadas na face. Comparando‐se os exames histopatológicos da biópsia incisional em cortes verticais e do debulking em cortes horizontais, houve uma concordância em sete casos. A análise histológica feita em cortes horizontais possibilitou identificar o sítio tumoral em 13 casos e a relação entre tumor e margem mostrou que em 11 casos a margem lateral estava comprometida.
Limitações do estudoTécnica mais bem aplicada em lesões menores do que 2cm.
ConclusãoA análise histológica horizontal do debulking traz vantagens para a cirurgia de Mohs, pois possibilita a visualização de praticamente toda a extensão do tumor no mesmo plano de visão da dermatoscopia, permite definir melhor o subtipo histológico, o sítio tumoral e a relação do tumor/margem em lesões menores que 1,5cm.
A cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) é uma técnica cirúrgica para tratamento do câncer de pele não melanoma.1 É constituída por uma série de passos padronizados com controle histológico preciso e completo das margens tumorais, com taxas de cura superiores e máxima preservação de tecido normal em relação à cirurgia convencional.2 A correlação entre a presença de tumor no exame histológico e sua correta localização no mapa cirúrgico é essencial para a ressecção completa da lesão e a preservação de tecido normal.1
O sucesso da cirurgia micrográfica está inerentemente vinculado à confiabilidade de cada um dos muitos passos que compõem a técnica.3 Desde a sua primeira descrição por Frederic E. Mohs,4 a cirurgia micrográfica vem passando por constante processo de modificações e adaptações com o objetivo de desenvolver variações técnicas que melhor se adaptem à rotina diária dos cirurgiões dermatológicos. No entanto, as etapas básicas do procedimento são preservadas:4
- 1)
Remoção do tumor;
- 2)
Delimitação de uma margem que varia de 2?5mm conforme o tipo histológico e a localização da lesão;
- 3)
Remoção de fina camada tecidual contendo as margens laterais e leito tumoral;
- 4)
Mapeamento da peça cirúrgica;
- 5)
Análise microscópica com controle total das margens;
- 6)
Exérese seletiva de áreas com tumor residual;
- 7)
Término da exérese após obtenção de margens livres e posterior reconstrução da ferida cirúrgica.
Antes do início do ato cirúrgico, o sítio tumoral é identificado e marcado com o auxílio de um dermatoscópio. Isso permite a delimitação precisa do tumor visível e o desenho de uma margem cirúrgica de 1?5mm, depende do tipo tumoral. A cirurgia se inicia por meio do debulking ou enucleação que envolve a retirada do tumor visível, antes da exérese dos espécimes de tecido para avaliação das margens tumorais. Há diferentes maneiras de se fazer a enucleação. Alguns cirurgiões fazem curetagem do tumor visível com o intuito de melhor delimitar as margens; outros optam por avaliar o material excisado histologicamente.5
Tradicionalmente, a análise histológica do material oriundo da enucleação é feita por cortes convencionais, ou seja, no sentido vertical. Os objetivos dessa análise são documentar e identificar padrão de crescimento tumoral no tecido, especialmente se a biópsia pré‐operatória não tiver sido definitiva.5 Entretanto, as desvantagens dessa análise recaem nas mesmas da patologia convencional, em que é estudado apenas uma ínfima amostra do tumor.6 Cortes verticais seriados são feitos em intervalos de 2?4mm no método de avaliação convencional (breadloaf). Isso deixa áreas marginais entre as secções que não são microscopicamente visualizadas e menos de 1% das margens tumorais são avaliadas.5
Tendo como inspiração a microscopia confocal de reflectância, em que as imagens seguem a orientação horizontal paralela à superfície, o que permite uma análise mais ampla da arquitetura tumoral, este estudo tem por objetivo apresentar uma nova maneira de avaliar o material da enucleação tumoral a partir da análise histológica horizontal do fragmento resultante da retirada do tumor visível obtido por enucleação no primeiro passo da cirurgia micrográfica de Mohs.7,8
ObjetivosComparar o tipo histológico da analise histológica horizontal da enucleação com o tipo histológico da biopsia pré‐operatória e avaliar a relação do tumor com a margem de ressecção tumoral.
MétodosEstudo transversal retrospectivo descritivo baseado nos prontuários e nas lâminas histológicas de pacientes com carcinomas basocelulares primários menores do que 1,5cm submetidos à cirurgia micrográfica de Mohs e que tiveram o tumor visível analisado por cortes histológicos horizontais. O estudo foi submetido ao e aprovado pelo comitê de ética. Foram coletados dados epidemiológicos a partir dos prontuários dos pacientes, tais como sexo, idade, tipo histológico definido por biópsia prévia pelo patologista, tipo histológico definido por corte histológico horizontal, tamanho do tumor, tamanho inicial e final do defeito cirúrgico, número de fases necessárias para a completa excisão cirúrgica e tipo de reconstrução adotado. Os dados foram coletados e armazenados em uma tabela do Excel. As lâminas histológicas oriundas das cirurgias foram revisadas e analisadas, definiu‐se subtipo histológico do tumor e proximidade com as margens excisadas.
Em todos os casos fizemos:
- 1)
Delimitação (ou marcação) pré‐operatória das margens tumorais com a ajuda de um instrumento de iluminação e magnificação da imagem, o dermatoscópio 3GEN DermLite II hybrid M;
- 2)
Após as etapas de assepsia, antissepsia e anestesia infiltrativa, deu‐se início ao ato cirúrgico com a etapa de enucleação. Essa etapa consiste na excisão de uma fina camada de toda a lesão visível (área delimitada pela dermatoscopia) para análise horizontal da peça;
- 3)
Após ter sido feita a enucleação, uma margem de 2mm foi dada a partir da área que foi retirada e foram feitas as demais etapas da cirurgia micrográfica de Mohs;
- 4)
Os cortes histológicos horizontais foram feitos da superfície para a profundidade e avaliamos dados como subtipo histológico, tamanho inicial do tumor e relação tumor margem.
O caso apresentado nas figuras 1‐5 ilustra o passo a passo em cada um dos casos avaliados.
A amostra avaliada incluiu 16 pacientes (quatro homens e 12 mulheres), entre 50 e 84 anos (tabela 1). Todas as lesões estavam localizadas na face e todas eram menores do que 1,5cm de diâmetro. O subtipo de carcinoma basocelular predominante na análise da biópsia pré‐operatória foi a forma nodular ou sólida (seis casos), seguida das formas infiltrativas esclerodermiforme (quatro casos), nodular e micronodular (quatro casos) e micronodular (dois casos). Comparando‐se os exames histopatológicos da biópsia incisional em cortes verticais e do debulking em cortes horizontais, houve uma concordância em sete casos e discordância em nove casos. A análise histopatológica vertical (biópsia pré‐operatória por punch) foi incorreta em quatro casos dos 16 avaliados e falhou em identificar formas infiltrativas de carcinomas basocelulares em dois casos, que foram diagnosticados como CBCs nodulares e micronodulares, porém, na análise histológica horizontal do debulking, correspondiam a CBCs micronodulares. Nesses, mesmo que não houvesse uma concordância total, a biópsia pré‐operatória diagnosticou a porção infiltrativa micronodular. Em uma das lâminas avaliadas em cortes horizontais não foi possível identificar presença de tecido tumoral.
Dados clínicos, achados histológicos e características tumorais dos 16 casos analisados
Caso | Sexo | Idade (anos) | Localização | Tamanho (cm) | Subtipo histológico biópsia prévia | Subtipo histológico debulking | N° de fases | Comprometimento das margens laterais | Identificação adequada do sítio tumoral |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | M | 64 | Fronte | 0,8×0,7 | Esclerodermiforme | Esclerodermiforme | 2 | Comprometida | Sim |
2 | F | 82 | Malar | 1,9×1,9 | Nodular | Nodular | 1 | Comprometida | Sim |
3 | F | 57 | Pálpebra inferior | 2,0×1,5 | Nodular | Micronodular | 1 | Comprometida | Sim |
4 | M | 51 | Pálpebra inferior | 1,0×0,8 | Nodular | Nodular | 1 | Comprometida | Sim |
5 | F | 69 | Nariz | 0,6×0,5 | Micronodular | Micronodular | 1 | Livre | Sim |
6 | F | 64 | Nariz | 0,8×0,7 | Nodular e micronodular | Micronodular | 1 | Comprometida | Sim |
7 | F | 84 | Nariz | 0,7×0,6 | Esclerodermiforme | Esclerodermiforme | 1 | Comprometida | Sim |
8 | M | 53 | Nariz | 1,0×1,0 | Nodular | Não identificamos? Reavaliar com atlas | 1 | Livre | Não |
9 | F | 64 | Nariz | 1,3×0,9 | Esclerodermiforme | Micronodular | 1 | Comprometida | Sim |
10 | F | 79 | Nariz | 0,8×0,7 | Nodular e micronodular | Micronodular | 5 | Livre | Sim |
11 | F | 50 | Pálpebra inferior | 0,9×0,6 | Nodular e micronodular | Micronodular | 2 | Comprometida | Sim |
12 | M | 70 | Nariz | 1,2×1,2 | Esclerodermiforme | Superficial | 2 | Livre | Não |
13 | F | 79 | Malar | 0,7×0,6 | Nodular e micronodular | Nodular | 2 | Comprometida | Sim |
14 | F | 68 | Nariz | 0,4×0,3 | Micronodular | Micronodular | 2 | Comprometida | Não |
15 | F | 60 | Nariz | 1,0×0,7 | Nodular | Nodular | 2 | Comprometida | Sim |
16 | F | 63 | Pálpebra inferior | 0,45×0,45 | Nodular | Micronodular | 1 | Comprometida | Sim |
F, feminino; M, masculino.
A análise histológica do tumor visível de cada paciente feita em cortes horizontais possibilitou identificar o sítio tumoral em 13 casos e a relação entre tumor e margem mostrou que em 11 casos a margem lateral estava comprometida. Oito casos se resolveram com apenas uma fase cirúrgica; seis pacientes precisaram ser submetidos à uma segunda fase e um dos pacientes precisou de quatro fases para exérese total do CBC.
DiscussãoAs biópsias tradicionais pré‐operatórias das malignidades cutâneas são feitas para fornecer diagnóstico preciso do tumor diagnosticado clinicamente e, a partir disso, indicar o melhor tratamento. Quando esses tumores são definitivamente tratados por excisão simples, a peça é enviada para a patologia, a arquitetura geral do nódulo tumoral central é ainda avaliada histologicamente e quaisquer inconsistências podem ser observadas. Se o mesmo tumor é excisado por meio da técnica de Mohs, a margem cirúrgica recebe avaliação completa pelo próprio cirurgião, o que torna possível a preservação de tecido e resulta em taxas de cura superiores. No entanto, o próprio tumor nunca será visto se a primeira fase da cirurgia de Mohs estiver com margens livres de tumor e a biópsia pré‐operatória for a única amostra do tumor real. Em casos raros, o erro de amostragem da biópsia inicial e/ou limitações na capacidade do dermatopatologista de avaliar a morfologia geral de um tumor com base em uma pequena biópsia pode limitar a capacidade de se fazer um diagnóstico correto. Isso pode ter implicações de diagnóstico e/ou terapêuticas.6
Quando a parte visível do carcinoma basocelular é retirada por curetagem ou excisão do tumor para avaliação histológica convencional, levanta‐se a questão de estar ou não deixando passar alguma característica do tumor por não fazer a análise histológica completa. Na maioria dos casos, a resposta a essa pergunta é não.6 No entanto, o corte horizontal serve como orientação importante no processo de planejamento da cirurgia micrográfica de Mohs ou nas fases seguintes. Desse modo, o cirurgião tem uma visão completa do tumor e assim consegue definir mais características, como subtipo histológico e acometimento das margens laterais, além do padrão de crescimento lateral.
Uma questão importante é: que medidas podem ser tomadas para minimizar as inadequações diagnósticas na cirurgia de Mohs?6 Uma maneira de minimizar as imprecisões diagnósticas é avaliar os espécimes obtidos da enucleação no intraoperatório em cortes horizontais. A análise histológica horizontal, ou seja, paralela à superfície da epiderme, proporciona um melhor estudo do formato do tumor e é capaz de mapeá‐lo e delimitar melhor a margem cirúrgica. Isso porque alguns subtipos de carcinomas basocelulares apresentam pequenas extensões ou raízes que podem não ser vistas nos cortes verticais convencionais.9
ConclusãoA cirurgia micrográfica de Mohs veio para minimizar as imprecisões diagnósticas e, ao mesmo tempo, proporcionar ao paciente o tratamento ideal para muitas neoplasias cutâneas. A análise histológica horizontal do debulking traz vantagens para a cirurgia de Mohs, uma vez que tem a mesma visão do tumor que a microscopia confocal e a dermatoscopia, possibilita definir melhor o subtipo histológico, ter uma visão mais definida do sítio tumoral e, em lesões menores do que 1,5 cm, conseguimos visualizar o tumor por inteiro, o que nos dá uma boa noção da relação do tumor com a margem da lesão.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresPoliana Santin Portela: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Danilo Augusto Teixeira: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Carlos D́Aparecida Santos Machado: Participação efetiva na orientação da pesquisa.
Maria Aparecida Silva Pinhal: Participação efetiva na orientação da pesquisa.
Francisco Macedo Paschoal: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
Como citar este artigo: Portela PS, Teixeira DA, Machado CDS, Pinhal MAS, Paschoal FM. Horizontal histological sections in the preliminary evaluation of basal cell carcinoma submitted to Mohs micrographic surgery. An Bras Dermatol. 2019;94:671–6.
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil.