Paciente do sexo feminino, 58 anos de idade, encaminhada para avaliação de lesões nos membros inferiores havia 30 dias e que tiveram início após trauma decorrente de depilação. Ao exame dermatológico, observavam‐se pápulas eritematosas, algumas com umbilicação, que evoluíam para lesões ulceradas, crateriformes, com halo eritematoso e tampão ceratósico central enegrecido. Associava‐se intensa xerose (figs. 1 e 2). O exame anatomopatológico revelou ulcerações epidérmicas em forma de xícara (cup‐shape), recobertas por crostas e material ceratósico, e eliminação de fibras elásticas e colágenas degeneradas (fig. 3).
(A) Exame histopatológico mostrando lesão em formato de xícara contendo queratina, restos celulares, neutrófilos e fibras colágenas e elásticas (Hematoxilina & eosina, 50×). (B) Presença de fibras colágenas intraepidérmicas perpendiculares à superfície da pele (Tricômico de Masson, 40×).
As dermatoses perfurantes compreendem um grupo heterogêneo e raro de doenças que apresentam em comum a eliminação transepidérmica de elementos dérmicos, na maioria das vezes fibras elásticas e/ou colágenas. As quatro formas clássicas, ou primárias, são representadas pela doença de Kyrle, elastose perfurante serpiginosa, foliculite perfurante e colagenose reativa perfurante. O termo “primário” implica que a eliminação transepidérmica representa o principal processo histopatológico. Já nas dermatoses perfurantes classificadas como “secundárias” (granuloma anular, necrobiose lipoídica, nódulo reumatoide, líquen nítido, condrodermatite nodular da hélice, entre outras), a perfuração é interpretada meramente como um epifenômeno.1 À exceção da elastose perfurante serpiginosa e da extremamente rara variante hereditária colagenose reativa perfurante familiar (OMIM n° 216700), que podem se manifestar na infância ou na adolescência, as formas primárias são classicamente doenças do adulto.
Em 1989, Rapini et al. propuseram o termo abrangente “dermatose perfurante adquirida” (DPA) para englobar os casos de início na idade adulta e associados a diabetes mellitus ou insuficiência renal crônica, em especial nos pacientes em diálise.2 Posteriormente, tornou‐se evidente que várias outras comorbidades, como doenças cardíacas, reumatológicas, pulmonares e neoplasias malignas, também podem associar‐se à DPA.3
Com base nos aspectos clínicos e histopatológicos, estabeleceu‐se o diagnóstico de colagenose reativa perfurante adquirida (CRPA) desencadeada pela escoriação de lesões pruriginosas. Nas duas maiores séries de casos de DPA até agora publicadas, a CRPA foi a forma mais comum.3,4 O aspecto clínico é bem característico: pápulas, placas ou nódulos eritematosos ou acastanhados, que rapidamente se tornam umbilicados e evoluem com ulceração crateriforme recoberta por um tampão ceratósico. Surgem predominantemente nas superfícies extensoras dos membros, glúteos e tronco. O acometimento das mucosas só é observado na forma hereditária da colagenose reativa perfurante.3,4
A etiopatogênese de todas as variantes da DPA permanece ainda incerta. A ampla gama de condições associadas (diabetes mellitus e outras endocrinopatias, insuficiência renal crônica, neoplasias malignas, uso de medicamentos etc.) dificulta uma concepção unicista para justificar o aparecimento das lesões. Especula‐se que a incapacidade de eliminar produtos metabólicos nos pacientes renais crônicos e o dano à microvasculatura no diabetes possam estar relacionados ao desencadeamento da lesão. Da mesma maneira, a relação entre prurido, escoriação e aparecimento das lesões tem como base a frequente presença de lesões em arranjo linear (Köebner) e o acometimento exclusivo de áreas corporais ao alcance das mãos.1,5
A paciente aqui relatada, sem comorbidades ou uso de medicações, enquadra‐se na forma adquirida da colagenose reativa perfurante desencadeada por trauma (escoriação) secundário ao prurido tanto das lesões quanto do quadro de xerose dos membros inferiores.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJoão Renato Vianna Gontijo: Concepção e desenho do estudo; aquisição de dados; redação do manuscrito ou revisão crítica de conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão a ser submetida.
Florentino Fernandes Júnior: Redação do manuscrito e revisão crítica de conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão a ser submetida.
Luciana Baptista Pereira: Redação do manuscrito e revisão crítica de conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão a ser submetida.
Moisés Salgado Pedrosa: Redação do manuscrito e revisão crítica de conteúdo intelectual importante; aprovação final da versão a ser submetida.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Gontijo JRV, Júnior FF, Pereira LB, Pedrosa MS. Trauma‐induced acquired reactive perforating collagenosis. An Bras Dermatol. 2021;96:392–3.
Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.